PRIMEIRA PARTE
Saído do prelo, sem qualquer empenho meu, entendeu o EXECUTIVO fazer uma cerimónia de lançamento no SALÃO NOBRE DOS PAÇOS DO CONCELHO. Intervieram vários oradores, cujo registo AUDIO, encontrado recentemente nos meus arquivos domésticos, publiquei, em vídeos, cujos links anexarei em rodapé, em devido tempo. Fi-los em MEMÓRIA do então Presidente da Câmara, João Matias, entretanto e prematuramente falecido e por respeito ao Dr. João Duarte de Oliveira, cuja idade e saúde debilitada não lhe permitem sequer ler estas minhas palavras de GRATIDÃO, palavras que do AUDIO passaram, há muito, para letra redonda e dão corpo ao meu «curriculum vitae» publicado no meu site «trilhos serranos». Assim:
a) JOÃO AUGUSTO MATIAS PEREIRA, presidente da Câmara Municipal de Castro Daire, na «Nota Prévia» ao livro «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura», diz: « (...) Imprescindível se torna avaliar costumes, danças, cantares, atitudes, crenças, ferramentas, utensílios e tudo o que constitui uma praxis específica. O concelho de Castro Daire é, neste aspeto, uma fonte que jorra abundantemente para o amante da nobre tarefa de investigar. É um atrativo para aquele que, não se contentando com meras aparências, pesquisa o que, vulgarmente, pode parecer desprezível e sem valor. O que é iluminado e orientado pelo saber académico e pela experiência nestas andanças não menospreza a observação das transformações culturais e procura, com subtileza, identificar os elementos que unem ou separam o dia a dia menos recente dos tempos hodiernos. Tem sido esta a atitude desse insigne investigador da História Local - Dr. Abílio Pereira de Carvalho, também bem patente em «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura».
«(...) Ao autor e a todas as pessoas que, de algum modo, contribuíram para a realização deste trabalho manifestam o concelho e a Câmara Municipal a sua gratidão» (...) «Castro Daire - Indústria, Técnica e Cultura» é uma obra do Dr. Abílio Pereira de Carvalho, um autor já consagrado em virtude de muito que tem dado de si, do seu tempo e da sua competência ao estudo aturado de múltiplos aspetos histórico-culturais do concelho. Para além de inúmeros artigos em diversos órgãos da imprensa regional, o Dr. Abílio já deu à estampa diversas obras (...) Nos últimos tempos, o autor, aproveitando a licença sabática, lançou-se a um grande empreendimento que é um autêntico inventário da indústria e da técnica que deu à nossa cultura uma identidade própria. Caracterizado por um visualismo muito próprio do investigador, o Dr. Abílio viveu, nos últimos tempos, um nomadismo característico de quem, não se poupando a esforços, percorre montes e vales para elaborar um trabalho de índole científica e proporcionar (...) uma tradução fiel do mundo que nos rodeia. Foi desta procura incessante dos factos e do intento de conhecer «in loco» a realidade, que resultou o conhecimento do saber e do saber-fazer retratado em «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura». (...) Pela minúcia revelada, pelo conjunto de atividades tratadas e porque cremos que constitui um valioso testemunho tanto para o presente como para as gerações vindouras, em boa hora deliberou a Câmara Municipal responsabilizar-se financeiramente por esta primeira edição. (...) Aos senhores professores peço que utilizem este rico inventário do património espalhado pelo concelho para que as nossas crianças e jovens conheçam este elo de ligação entre o presente e o passado. (...) Agradeço-lhe esta obra em nome do concelho e fique ciente que a Câmara nada mais fez que, dentro da política cultural adotada, apoiar uma obra de um castrense acerca do que é nosso e que é para nós».
b) DR. JOÃO DUARTE DE OLIVEIRA, advogado, presidente da Assembleia Municipal de Castro Daire:
« (...) Sou um amante da cultura, admiro aqueles que tem capacidade e valor para produzir saber. O Dr. Abílio é um construtor de arte, um fazedor de cultura, um trabalhador da inteligência, um proletário da mente. Ele tem espalhado conhecimentos, cultura e saber pelo concelho e pelo país. Muito do que nós somos ele tem dado a conhecer pelo País inteiro. É merecedor da nossa gratidão, do nosso reconhecimento e da nossa estima. Os seus livros e opúsculos são o retrato do concelho e o testemunho da sua personalidade e da sua cultura. Nós estamos aqui não só para o lançamento do seu livro, mas para lhe prestar uma homenagem. O nosso jornal «Notícias de Castro Daire» já o pôs na primeira página, que é o lugar que ele merece. E já o considerou o homem da Cultura do concelho. É a sua consagração como homem de saber, como proletário da mente. Ele é, efetivamente, como está na moda dizer-se, um proletário da mente, pois não enriquece com os seus livros. Ele investiga mais com o espírito de colaboração e solidariedade, de amor à arte e ao saber do que por razões económicas. Tem por isso a nossa consideração, o nosso respeito e a nossa amizade (...)».
Nota: Extratos dos discursos produzidos na cerimónia de lançamento do livro «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura», que teve lugar no salão nobre municipal em 14.11.95). Comparem-se estas palavras com aquelas que sobre mim dizem algumas pessoas no Facebook, lá do alto dos seus saberes, sabores e escala de valores. Poucas, mas dizem o bastante para "avaliação" do que valem e do que são.
SEGUNDA PARTE
Recentemente, sabendo eu que esse livro era um dos mais consultados na BIBLIOTECA MUNICIPAL (tal domo na Biblioteca da Escola Preparatória, pois isso anotei no ano em que, na atividade docente, ali estive destacado) dirigi-me lá e, com a autorização da senhora Bibliotecária, Dra. Marta Carvalhal e colaboração da senhor Dona Olga, filmei o estado físico desse livro.
Não foram precisos os registos estatísticos de leitura. A capa, desgastada, manchada, cujo fotograma ilustra estas palavras, mostra bem que o ensejo do senhor Presidente da Câmara foi acolhido por professores e alunos, tal como disse a Dona Olga, a viva voz, aos quais juntou leitores esporádicos que, passando por Castro Daire, consultam o FUNDO LOCAL, setor que designa toda a produção dos autores locais, ou que, sendo de fora, as suas obras são de conteúdo local.
Uma eis-aluna minha, sem poder dispor desse livro, face às “questiúnculas facebookianas” levantadas a propósito da PONTE DE CABACOS, onde eu contestei o “perfil medieval” que, frente às câmaras da RTP, lhe foi atribuído pela senhora Dra Cristina, acompanhando a jornalista na sua ignorância sobre a “história desta ponte”, pediu-me para lhe fornecer informação fundamentada sobre ela. Disse-lhe que fosse tirar a sua dúvida na Biblioteca Municipal, lendo o livro. Mas, em posterior troca de correspondência privada, dada a boa vontade que nela vi de esclarecer o público (à parte toda e qualquer polémica facebookiana) resolvi, mais uma vez (e “pro bono”), dar este meu contributo online, em prol do esclarecimento da HISTÓRIA LOCAL, a HISTÓRIA minha terra.
É que, não é nada gratificante, antes pelo contrário, senti uma profunda desilusão e até frustração, constatar que, depois de tanta investigação e obra publicada, sobre a HISTÓRIA LOCAL ouvir, por parte de quem tem a obrigação de conhecer a nossa HISTÓRIA E A NOSSA CULTURA, O NOSSO PATRIMÓNIO HISTÓRIO NATURAL E EDIFICADO, até pelas funções que desempenha na AUTARQUIA editora da obra, que uma ponte construída no último quartel século XIX tem um «perfil medieval» e que se «desconhece a sua história». Cai mal a quem tem a responsabilidade de sabê-lo, não só pelas funções que desempenha na autarquia, nomeadamente no CENTRO DE INTERPRETAÇÃO DO MONTEMURO E PAIVA, mas também porque se trata de uma obra, cuja PRIMEIRA EDIÇÃO se deveu, como acima deixei dito, exatamente à própria AUTARQUIA.
E, assim sendo, a pedido da minha ex-aluna, aqui fica, o texto esclarecedor do SOLAR DE GRIJÓ, e o mais que gira em torno dele, tudo historiado e publicado em 1985 no jornal «A VOZ DEO MONTEMURO», jornal então editado nesta vila e do qual eu era colaborador. Com muita honra e nenhum proveito.
TERCEIRA PARTE
SOLAR DE GRIJÓ
Sito na aldeia de Grijó, do Gafanhão, este solar, pelos ornatos que ostenta na cantaria das suas janelas e portas, é uma peça arquitectónica do barroco rural prestes a desaparecer do mapa, dado o estado de ruínas a que chegou. Com capela privativa, esta apresenta sobre a torça da porta, a data de 1767.
Pertenceu a um nobre «par do Reino», mas foi vendida ao senhor Joaquim de Almeida, vinte e poucos anos após a Revolução Liberal de 1820.
De facto as reformas trazidas pela Revolução Liberal, não fizeram mossa apenas no clero com as reformas de José António de Águiar. Também as reformas relacionadas com a extinção dos morgadios deixaram rasto na história de Portugal. A casa brasonada de Grijó, bem como todos os seus bens rústicos, constituíam um morgado que vinha de longe, já que, em 1631, Manuel Ribeiro Coelho e a sua irmã, Maria Coelho, instituíram uma capela de setenta missas anuais «sob os bens do vínculo ou morgado da Nossa Senhora de Grijó».
Passaram-se duzentos anos desde essa instituição e, em 1835, os donos do morgado, residentes em Penafiel, com casa em Abragão, resolveram desfazer-se do património, vendendo-o, em 1843, ao senhor Joaquim de Almeida, da Casa do Chão do Forno, no Gafanhão.
O património desta casa constava a Casa Nobre, com capela anexa, da casa dos caseiros contíguas e outras casas em Reriz, Casal e Caniçais. Juntavam-se a isso todos os campos das terras de pão, e vinho, olivais, soutos de castanheiros e montes, prados livres e alodiais, foros, moinhos e até um barco que fazia a travessia do Paiva no sítio de Cabaços. Os bens dispersavam-se pelas freguesias do Gafanhão, S. Martinho das Moitas, Reriz, Pinheiro, e também pela freguesia de S. Francisco d'Orgens, concelho de Viseu.
Dos bens móveis constavam as alfaias de uso na capela, utensílios dos celeiros e lagares (tinham lagares junto à Casa Nobre e nas casas de Reriz), madeiras serradas, vacas, dívidas existentes confirmadas por escrituras públicas, ou simples escritos, cujo rol se encontrava na posse de alguns caseiros.
O comprador desembolsou por tudo isso oito contos de reis (8.000$000), metal sonante, sendo seis contos (6.000$000) pelos bens de raiz e dois contos de reis (2.000$000) pelos restantes móveis, semoventes e direito e acção à cobrança das dívidas.
A escritura de venda informa-nos que as razões da transacção se deveram ao facto das casas precisarem de grandes consertos e os proprietários terem dificuldade em realizá-los devido a morarem longe daqui.
Fosse por essa razão ou em resultado das medidas legislativas decorrentes da Revolução Liberal de 1820, viradas para a extinção dos morgadios, a verdade é que estes bens rurais da velha nobreza, à qual pertencia o senhor Rodrigo Monteiro Correia de Vasconcelos Guedes Mourão, nascido em 25-04-1800, fidalgo cavaleiro da Casa Real, com mercê de vida no Senhorio de Porto Carreiro e na Alcaidaria-Mor de Celorico de Basto, bem como da sua distinta esposa Dona Isabel Cardoso Coelho Nobre, nascido c. 1820, ambos residentes em Penafiel, com casa em Abragão, mudaram de proprietário. Deixaram de ser património de gente que morava longe, para se tornarem património de gente próxima. (Escritura de Compra, Arq. Particular)
De posse do imóvel brasonado e dos bens rústicos que integravam o património adquirido, o novo proprietário resolveu imediatamente construir uma ponte no sítio de Cabaços, onde um barco, como se vê na escritura, fazia a travessia do rio Paiva de margem para margem. Dizemos imediatamente, pois, adquirindo ele a Casa no ano de 1843, chegados que somos ao ano de 1876, isto é, 33 anos após, já o pavimento dessa ponte se encontrava em condições tais que levou Joaquim de Almeida a estar presente na sessão de 24 de Abril desse ano, por virtude de ter solicitado à Câmara autorização para o reparar. Vejamos:
«Foi convidado para esta sessão extraordinária o cidadão Joaquim de Almeida, de Grijó, a fim de um requerimento de interesse público que o mesmo cidadão pretende apresentar, o qual depois de lido se viu que pedia autorização para, à sua conta, reformar a ponte do Paiva que por ele foi edificada no sítio de Cabaços, visto achar-se já muito deteriorado o pavimento da mesma e querendo satisfazer desde já ao encargo que tomou de concorrer com a quantia de um conto e seiscentos mil reis para que esta Câmara possa apreciar a obra intentada pelo requerente. Apresentou também o respectivo projecto da mesma ponte. Ao que a Câmara depois de examinar a planta da referida ponte e discutir o requerimento apresentado, acordou em deferir a pretensão do prestante cidadão Joaquim de Almeida por julgarem muito importante e de maior utilidade para este concelho e por verem que o projecto da planta apresentada satisfaz o objectivo a que é destinada» (Liv. das Actas das Sessões da Câmara de 1874-1878, fls 77v-78r)*
Deferido o requerimento e a pretensão, Joaquim de Almeida reparou o piso da ponte e por ali passaram, durante muitos anos, as pessoas que, na corda do Paiva, se deslocavam de uma margem para outra, fosse em negócios, de Alvarenga a Castro Daire e vice-versa, ou em trabalhos agrícolas nas redondezas.
A estrada do Vale do Paiva, que hoje existe na margem direita deste rio, era coisa do porvir. E nos fins da Monarquia e alvores da República, sobre o seu traçado, os poderosos e influentes de Reriz a puxá-lo para a margem esquerda e o Morgado de Eiris a puxá-lo para a direita, travariam forte duelo na impresna local. E, como se vê, o Morgado de Eiris, levou a melhor.
ARMAS:
Escudo esquartelado:
1º cantão: 1 castelo com 2 javalis, agarrados a ele
2º cantão: 1 javali ao centro rodeado de outros mais pequenos
3º cantão: 1 javali ao centro e 7 em miniatura à sua volta
4º cantão: uma árvore ao centro e dois javalis ou leões agarrados a ela
Timbre: elmo sob uma coroa real
NOTA: «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura», editado pela Câmara Municipal, em 1995. Posteriormente a essa data fui contactado e visitado pessoalmente por um tal Filomeno Silva que recolhia elementos para o miolo do livro «Rio Paiva» que, de co-autoria, veio a ser editado no ano de 1999, pela «Associação de Defesa do Património Arouquense, Água do Douro e Paiva, SA, Campo das Letras».