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sexta, 07 fevereiro 2020 14:07

CASTRO DAIRE - GENTE DA TERRA Rita Figueiredo (4)

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COMÉRCIO LOCAL

E aqui chegados, temos de volver ao princípio e sublinhar que as iniciais “F.S.” intercaladas entre o nome e o apelido, a identificar o proprietário do edifício, inscritos na sua frontaria, seguidos da data 1888, são a forma abreviada de FIGUEIREDO SIMÕES. E repescá-las para aqui escritas por extenso, não é despiciendo nesta nossa caminhada na companhia de RITA AUGUSTA DE FIGUEIREDO e o papel que ela desempenhou, enquanto empresária comercial nesta vila.

Joaquim de F.S. e Oliveira- 1888

Se bem se lembram eu tinha dito que os protagonistas desta crónica eram contemporâneos daquele notável grupo de cidadãos da nossa história e das nossas letras, que ficou conhecido como «os vencidos da vida», designação dada, em 1888, por Oliveira Martins, ao grupo que integrava. E também me reportei ao «ULTIMATO INGLÊS, de 1890, acrescentando que RITA AUGUSTA DE FIGUEIREDO & FILHO estavam noutra. Fora das LETRAS, acantonados neste ignoto retalho de Portugal, eles tinham pela frente um futuro de “vencedores”, um futuro de empresários bem-sucedidos no ramo do comércio e dos serviços.

Uma das primeiras fontes orais consultadas foi o senhor Carlos Augusto Duarte Pinto, a rondar, neste ano de 2020, os 98 anos de vida. À pergunta “ó senhor Carlos, quem era a D. Rita Figueiredo?” Seguiu-se resposta pronta: “era a avó do senhor Aarão Figueiredo”.

IMG 3115 - CópiaConvém, pois, recuarmos na fita do tempo e justificarmos a «contemporaneidade»  que ali deixei por antecipação à identidade completa das pessoas que geriam a FIRMA que tenho vindo a historiar e, com isso, prestar mais um serviço «pro bono»  ao meu concelho.

Pois aqui digo agora (e a tempo) que no ano de 1890, data em que RITA AUGUSTA FIGUEIREDO & FILHO anunciava no jornal «O Paiva» o seu «CENTRO COMERCIAL», era batizado na Igreja Matriz de Castro Daire, Aarão Figueiredo Simões e Oliveira, nascido a 7 de Fevereiro desse mesmo ano, filho de Joaquim de Figueiredo Simões e Oliveira e de D. Maria do Carmo de Sousa Guerra, neto paterno de José de Figueiredo e RITA AUGUSTA DE FIGUEIREDO.

Ora cá está ela. Não estou de posse das certidões de idade desta ilustre empresária de Castro Daire, nem do seu filho Joaquim de Figueiredo Simões e Oliveira, nome inscrito no frontispício do prédio, na rua 1º de maio. Mas de tal também não preciso para manter a afirmação que fiz de eles serem contemporâneos do notável grupo de cidadãos, acima referido.

Basta-me saber que, se Joaquim Figueiredo Simões e Oliveira foi pai em 1890, teria nascido, mais ano menos ano, por volta de 1870 e que a sua mãe, quando ele nasceu, se usarmos o mesmo raciocínio, teria vindo ao mundo cerca de 1850. E mesmo que nenhum deles frequentasse os meios académicos e ignorasse o conteúdo das “Conferências do Casino” não se livravam de pertencer à mesma geração e chegar até eles o eco do “republicanismo” e das novas ideias que sacudiam a Monarquia, com o aval de D. Luís I. Garantido é que, em 1890, o seu filho era pai e ela era avó de Aarão Figueiredo Simões e Oliveira. Mas vamos mais devagar.

 

a) JOAQUIM DE FIGUEIREDO SIMÕES E OLIVEIRA

foto a coresDito isto, esclarecidas estas relações temporais e genealógicas, é tempo de sabermos algo mais sobre Joaquim de Figueiredo Simões e Oliveira, para além do desempenho que, alternadamente com a mãe, teve no ramo do comércio e serviços, amplamente demonstrado pelos anúncios publicados na imprensa local, que tive o trabalho de compilar e trazer à luz dos dias de hoje.

A história local, até onde a tenho investigado e divulgado,  diz-nos que ele integrou algumas das Mesas da Santa Casa da Misericórdia, que tiveram lugar entre os anos de 1881/1911.

Instituição fundada em 1861, para além de acorrer às carências dos necessitados, desempenhou cumulativamente, as funções de autêntico Banco Rural, emprestando dinheiro a juros, sob hipotecas. Mas alguns devedores deixaram de cumprir os seus compromissos e, face a isso, os Orçamentos Anuais passaram a incluir, recorrentemente, uma rubrica de “DÍVIDAS MALPARADAS”. Situação essa que se mantinha, quando caiu a Monarquia e se implantou a República. (cf. Meu livro “Misericórdia de Castro Daire”).

1-Joaquim-Aqui chegados, eleita que foi uma Mesa republicana, em 1911, presidida por José Clemente da Costa, republicano assumido ainda em tempos de Monarquia, todos os Provedores e Mesários que estiveram à frente da instituição, desde os anos de 1881/1882 até 1911, foram responsabilizados por essas dívidas e obrigados a reporem os dinheiros em falta. Aconteceu na reunião de 15 de dezembro de 1912, e como esses cidadãos fizeram questão de  salvaguardar a sua dignidade e honra, quotizaram-se entre si e saldaram a dívida. Ao todo responderam ao desafio 64 cidadãos e a Mesa vigente, fez questão de deixar em acta os seus nomes e o quinhão que a cada um coube. Mas esta questão já o Provedor Joaquim Ferreira do Serrado tinha tentado resolver em 1909, sem sucesso.

Chegada a República, José Clemente da Costa não pactuou com a situação e na malha foi apanhado Joaquim de Figueiredo Simões e Oliveira, seu correligionário político, que meteu nos cofres da Santa Casa a quantia de 5$620.

JOAQUIM-19131Era coisa de somenos. Cidadão votado à causa humanitária, este correligionário político de José Clemente da Costas, integrou novamente a lista para as eleições que tiveram lugar em 1913, que foi eleita e nela se mantém até 1916, ano em que nova MESA eleita mudou de nomes. (cf. Meu livro “Misericórdia de Castro Daire”, 1990, pp. 108-112)

A queda da Monarquia e a implantação da República, como se vê, obrigou as forças vivas da terra a organizarem-se. E, ainda nesses tempos embrulhados, Joaquim de Figueiredo Simões e Oliveira, integrou os órgãos do CENTRO REPUBLICANO, em Castro Daire, pontificado por José Clemente da Costa (cf. meu livro..pp. 56/57).

Mas não passou além disso. Ou porque entendesse que  COMÉRCIO POLÍTICA não casavam bem, ou porque as quezílias e intrigas verificadas entre os republicanos e os monárquicos locais não se coadunavam com o seu feitio. Ou ainda, porque tivesse falecido (coisa que não averiguei) o certo é que o seu nome se evaporou e jamais integrou as listas que disputaram as cadeiras do PODER LOCAL, depois disso, tal como deixei demonstrado no meu livro “Implantação da República em Castro Daire - I”.

Seguro de ser ou ter aderido às ideias republicanas é o facto do seu nome não constar no rol dos 99 cidadãos castrenses que, em 1915, aderiram ao CENTRO MONÁRQUICO, de que fez eco o jornal o jornal “A União, n. 164 de 2 de maio. Disso fiz relato no meu livro acima referido.

b) AARÃO DE FIGUEIREDO SIMÕES E OLIVEIRA

Aarão F.S. OliveiraTeodolinda O.Figueiredo - CópiaMas se o pai saiu das lides políticas e/ou humanitárias, por opção ou por falecimento (pormenor que não curei de saber) o seu filho Aarão de Figueiredo Simões e Oliveira, casado com a Dona Teodolinda de Oliveira Baptista Figueiredo, manteve-se ativo e, republicano assumido, integrou várias listas republicanas. Em 1917, por exemplo, ocupou o lugar de substituto de “Procurador à Junta Distrital” e o mesmo aconteceu em 1919, integrando cumulativamente, a lista de efetivos para a Comissão Municipal Republicana (cf. mei livro I.R.Castro Daire, 85 e 99 e 106).

Mais adiante reportarei um registo curioso que atribuo ao Abade Fortunato Figueiredo e Almeida, o mesmo que, em 1890, lhe pôs na cabeça a água da pia batismal.

Para já, servindo-me Carlos Mendonça, emigrado no Brasil a partir dos 19 anos de idade, lá escreveu cerca de 300quadras” onde registou as memórias que de Castro Daire levou na bagagem. Elas aportaram aos meus arquivos pela forma como já disse em crónicas que a ele dediquei com foto e tudo. É só navegar neste meu site, usando a palavra-chave: “gente da terra”. Assim disse ele:

Recordo o senhor abade Fortunato

E seus sobrinhos, Correias Oliveiras,

João e António, de boas maneiras,

Sendo o António um poeta nato.”

c) AARÃO DE FIGUEIREDO BATISTA

Aaraõ F.BatistaAna Augusta Sottomayor - CópiaE o seu filho Aarão de Figueiredo Batista, casado com Dona Ana Augusta Sottomayor Negrão, cujos laços de parentesco me foram gentilmente cedidos, via Messenger, por Alberto Sottomayor Negrão, filho deste último casal, a residir atualmente em Mesão Frio, também deixou o seu nome na lista da Direção dos Bombeiros em 1948, como deixei claro no livro que escrevi “pro bono” em benefício daquela instituição humanitária. (Carvalho, 1995:43) Desempenhava a função de vice-presidente, sendo presidente o Dr. Pio de Oliveira Figueiredo. E o mesmo lugar assumiu na lista para 1949, não repetindo a integração nas listas das eleições subsequentes, antes e depois do 25 de Abril de 1974 (idem).

Para além disso, em 1940, num anúncio publicitário publicado no jornal “A Voz do Paiva” mantêm-se como agente de VIAGENS  e PASSAPORTES com escritório aberto na CASA FIGUEIREDO.

ALBERTO SOTTO MAYOR NEGRÃOE para não me ficar por estes nomes e retratos, ainda que outros descendentes haja, igualmente merecedores de serem nomeados e vistos, inseridos nos ramos da árvore genealógica de RITA AUGUSTA DE FIGUEIREDO, deixo aqui somente o NOME e ROSTO de Alberto Sottomayor Negrão, pela gentileza e prontidão que, inteirado que foi deste meu trabalho, respondeu às minhas solicitações, facultando-me alguma da documentação preciosa de que fiz uso.

Alguma dessa documentação fazia parte dos seus arquivos pessoais ou familiares. Mas outros documentos houve que o fizeram deslocar-se ao ARQUIVO DISTRITAL DE VISEU, poupando-me o trabalho de ser eu a fazê-lo. E como não é costume meu subtrair os créditos e os contributos que as pessoas me dão nas minhas investigações, é, sem favor, que na linha descendente dessa GRANDE SENHORA aqui deixo, com agrado e reconhecimento, a fotografia que retirei do seu mural do FACEBOOK, página onde nos tornámos conhecidos e amigos.

EPÍLOGO

E na narrativa que deixei nesta página sobre os FIGUEIREDOS, (aqui no “Crasto” eram mais que muitos, nem todos, certamente, do mesmo tronco genealógico) não destoa colar aqui, como acima referi, o nome do Abade Fortunato de Figueiredo e Almeida, aquele que, em 1890, fez o registo do batismo de Aarão de Figueiredo Simões e Oliveira.

Ele esteve à frente da paróquia de S. Pedro de Castro Daire, desde 1888 a 1914. Antes da queda da Monarquia e depois da implantação da República. E também, bem podemos dizê-lo, contemporâneo dos notáveis cidadãos que integravam o grupo designado “vencidos da vida”. Contemporâneo e, por ventura, partidário do movimento das ideias novas republicanas que eles representavam. É só ter presente o “Finis Patriae” de Guerra Junqueiro, que integrava o grupo.

E, por isso, não custa a crer que seja ele o autor do desenho e das palavras que estão manuscritas no lado de trás da porta do coro alto da Igreja Matriz, sobre o qual fiz um texto que publiquei, com ilustração, no meu mural do FACEBOOK, em 5 de fevereiro de 2015. Texto que a seguir reproduzo na integra:

ABADE COROVIVA A REPÚBLICA

“O atual abade de Castro Daire, Carlos Caria, sabendo-me na recolha de tudo o que diz respeito à República, chamou a minha atenção para um desenho e um escrito que, ocasionalmente, descobriu nas costas da porta que dá acesso ao coro alto da Igreja Matriz.

Adivinha-se que foi ali escrito e feito, seguramente, aquando da implantação da República e estranho é que lá tenha permanecido até aos nossos tempos.

Para melhor entendermos o que foi feito naquele refúgio (nas costas de uma porta) vou aos meus ficheiros digitais, onde estão arquivados os resultados da minha investigação sobre o tema e transcrevo:

«Consta-nos que alguns párocos do nosso concelho fazem ver aos seus paroquianos que desde 1 de Julho em diante não podem continuar a dizer missa, como atualmente, em virtude da lei da Separação, pois só o poderão fazer de forma que a ela assistam apenas 20 fiéis.

É falso!

A reunião dos fiéis para qualquer ato religioso, dentro dos templos próprios, igrejas e capelas, pode-se fazer livremente, desde o nascer ao pôr-do-sol. Apenas para o culto externo é que se torna necessário licença da autoridade administrativa a qual é c concedida gratuitamente.

Os senhores padres certamente não ignoram isto, mas querem pescar nas águas turvas». (O Castrense», nº 19 (I Série), de 18 de Junho de 1911)

Posto isto, haveria razões de sobra para o Padre Figueiredo dar VIVAS à República e que o tenha feito, ironicamente, sobre um tambor, símbolo da Philarmonica local que tanto dava vivas ao Rei, como à República.

E que escreveu ele para além dos VIVAS? Eu ajudo:

"O padre que escreveu já era Figueiredo antes de ser padre".

Com isso significando que primeiro estava o cidadão e só depois o clérigo”.

Escrevi o texto precedente antes de me chegar à mão a REGISTO de batismo do menino Aarão, feito em 1890 pelo abade Fortunato Figueiredo e Almeida. Presumo, pois, ser ele o padre “Figueiredo” que ali deixou cair, de propósito, para a história, um botão da sua batina. E  eu, agora, muitos anos passados, de agulha enfiada, metido que tenho andado nas casas comerciais locais que negociavam fazendas à vara, carrinhos de linhas e botões a granel, prestei-me a desempenhar o papel de alfaiate e, como remate, cosê-lo aqui neste fato que, com o pano fornecido por essas casas comerciais, tenho vindo a fazer «pro bono» por forma a não deixar nu o nosso passado histórico.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.