Trilhos Serranos

Está em... Início História CASTRO DAIRE - GENTE DA TERRA Rita Figueiredo (3)
quarta, 05 fevereiro 2020 17:02

CASTRO DAIRE - GENTE DA TERRA Rita Figueiredo (3)

Escrito por 

COMÉRCIO LOCAL

Nestes meus trilhos serranos, caminhando, por enquanto, sem apoio de bengala (nunca tive bengalas na vida) tropecei hoje num assunto da HISTÓRIA LOCAL que desde há muito trago sob a mira. A razão de só ter acontecido neste ano de 2020 ficará explicada na presente crónica dividida em QUATRO PARTES.

 

SEGUNDA PARTE  (b)

No nosso tempo (século XXI), em que tanto se fala na “emancipação da mulher” e se proclama a “igualdade de gênero”, continuamos a ver o “perfil empresarial” de RITA AUGUSTA DE FIGUEIREDO através dos ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS que ela mandava publicar na imprensa local, a partir de 1890, identificando a sua firma e anunciando a gama dos produtos que os clientes podiam encontrar nela. E constatamos que, excluída a atividade de restauração (cf. «Pensão Amélia», «Pensão Maria do Carmo» e «Pensão Engrácia»)  era a única mulher no universo dos comerciantes, em Castro Daire, com loja aberta de fazendas e miudezas afins, capazes de satisfazerem os mais exigentes alfaiates e as mais primorosas costureiras.

RITA-CABEÇALHO-1915 - Cópia

Atualmente, convém lembrá-lo, os meios de comunicação social fazem alarde das diferentes “IMAGENS DE MARCA”, próprias da sociedade de consumo que integramos e uso inteligente e criativo das novas tecnologias que permitem processos suficientemente encantatórias e apelativos, por forma a atrair a clientela, seja qual for o ramo de negócio e o produto à venda.

CLEMENTE-1905 - RduzDiferente era o tempo de RITA AUGUSTA DE FIGUEIREDO. Então, ainda as técnicas e ARTES GRÁFICAS, ao seu dispor, não permitiam tal. Nesse tempo, no prelo ALBION e similares (1855), onde eram impressos os jornais, as imagens das pessoas e dos produtos eram mais “raras que os ciprestes” na serra, (para usar a expressão espontânea de uma pastora do Montemuro, referindo-se ao uso dos sapatos, em tempos idos) e as que apareciam só podiam ser impressas através de “zincogravuras”.

Uma das primeiras imagens que eu vi na IMPRENSA LOCAL, (a preto e branco) foi a do barco que serve de cabeçalho ao anúncio de José Clemente da Costa, dando a conhecer a sua AGÊNCIA DE EMIGRAÇÃO . (anúncio ao lado)

Assim sendo, sem retrato público nem recurso que me leve à IMAGEM física de RITA AUGUSTA DE FIGUEIREDO, atrevo-me a delinear a sua IMAGEM PSICOLÓGICA: senhora preocupada com os negócios, empenhada em “BEM SERVIR” mirava e remirava as estantes da loja e via as peças em stok. Atendia amavelmente toda a gente e apreciava, por tato e vista, a qualidade dos produtos que vendia. As suas preocupações comerciais faziam dela uma pessoa que se olhava pouco ao espelho. Apesar de ser a única firma, entre as demais, que publicitava “APARELHOS E ACESSÓRIOS KODAK”, não cultivava a sua própria IMAGEM, ainda que cultivasse a imagem dos trechos típicos e representativos da sua terra, como deixou evidente nos POSTAIS ILUSTRADOS que mandou editar. Em nenhum deles ela se fez representar, diferentemente de Mário Jorge Ferreira Pinto que, seguindo-lhe a peugada nesse seu afã, disfarçadamente se “mostra”, no canto de um ou noutro postal. Essas edições, por ele promovidas, não tinham somente o seu nome, mas também a sua figura.

RITA-1914 - CópiaMas RITA AUGUSTA FIGUEIREDO, não procedeu assim. E por força dessa sua maneira de ser, e ausência pública de figura física, nem por isso deixa de ter o seu lugar na HISTÓRIA LOCAL. A sua IMAGEM DE MARCA era, a bem dizer, o seu próprio nome e a forma como se relacionava com os clientes. E isso, atendendo ao seu tempo, deve ser sublinhado. Era uma mulher empresária a sobressair entre as demais, aqui, em Castro Daire. Não assim no mundo inteiro e no fio da HISTÓRIA, é certo. E, cada uma à sua escala, já tive ocasião de, nas minhas crónicas, evocar o nome de ASPÁSIA, do tempo de Péricles. E, igualmente, trouxe a esta página o nome da DONA ANTÓNIA e o seu papel de empresária vinhateira duriense. E não esqueci a imagem de MARIA MADALENA pintada no painel de azulejos existente atrás do cadeiral do coro baixo da Igreja Matriz de Castro Daire. Ela, de braço esquerdo a abraçar Jesus e braço direito esticado, dedo em riste da mão direita apontando o gesto da entrega das chaves do céu a Pedro, a modos que discordando, parece segredar-lhe ao ouvido: M.MADALENAporquê ele e não eu”? E creio ter razão na minha interpretação. Frei Bento Domingues, no programa da RTP1, “LINHA DA FRENTE”, em 30 de janeiro de 2020, designado “E DEUS CRIOU A MULHER...OU TALVEZ NÃO”, de Mafalda Gameiro (et alli), disse taxativamente que a “Igreja tem de desconstruir-se”, no que respeita ao papel da mulher no mundo. É isso. E eu ainda estou à espera de ver “desconstruído” pelos especialistas na matéria, o texto que escrevi e publiquei, a propósito, neste meu site, em 5 de julho de 2017, com o título “ALEGORIAS BIBLICAS OCULTADAS DO PÚBLICO CERCA DE 250 ANOS”. Painéis que nenhum historiador lampejou em todo este tempo (COISA ESTRANHA, NÃO!?!) precisam mesmo de ser lidos e “desconstruídos”. Eles são documentos. Os anúncios publicitários impressos nos jornais são documentos. Todos eles existentes em Castro Daire. E a leitura que faço de todos os documentos - manuscritos, impressos ou imagem - é aquela que eles comportam e me permitem, hermenêuticamente, fazê-la. Daí não me sobrepor ao seu conteúdo, em nenhum deles. Fazê-lo, não é função de historiador. Falo do papel da MULHER desempenhado no fio da HISTÓRIA. E o óbvio não precisa demonstração. É só olhar, ver, ler e entender.

RITA-1913 - CópiaEste texto está, propositadamente, ilustrado com uma foto dos azulejos referidos e com  ANÚNCIOS  publicados nos jornais locais. Ler o conteúdo destes é um trabalho de arqueologia. É desenterramos o tipo de produtos à venda e através deles fotografarmos a sociedade do tempo. É vermos, nas pessoas de posses mais modestas, os vestidos de chita, as calças de cotim, camisas de riscado, os “colarinhos” novos e soltos para camisas velhas e gastas, a baeta para batas, muito usadas pelos barbeiros que por “baetas” eram conhecidos. Neles o “hábito fazia o profissão”. É vermos os xailes e sobretudos de montanhaque, fatiotas de  serrobeco e varinos a agasalhar pessoas abastadas. E deixo as “popelinas”, as “casturinas”, «gorgorinas»,  “casteletas”, “enfestados” “casimiras” e “zefires” ” à escolha do leitor. Faça alguma coisa. Não espere tudo de mim. Pergunte ao Professor Google. Entrar em qualquer loja comercial de Castro Daire, através destes anúncios e ver a gama de produtos à venda, é fazer a radiografia social desse tempo ido. É ficar na vila, descer ao vale e subir à serra. É acompanhar o pastor no monte, o lavrador da vessada, camisa suada a mesma que leva à missa ao domingo de colarinho e peitilho novo. Homens do povo, astutos a enganar os santos, não eram assim tantos que tinham colarinhos e peitilhos substitutos. E já que estamos em maré de artifícios antigos, o mesmo com os cachenés desses tempos idos. e lembro as calças de burel, casacos de burel, coletes de burel, saias de burel, tecido feito nos teares e pisões serranos desde a matéria-prima ao produto final. Não se via nas estantes das lojas comerciais locais. Não entrava no escritório do advogado nem no consultório do médico. Mas entrava  nas muitas tavernas, da vila ou da serra e os cidadãos que o vestiam, de grão na asa, ou bêbado de todo, contavam façanhas passadas de feiras e romarias. depois, de regresso a casa altas horas da noite,  para darem sentido às palavras, os que tinham  “mau vinho” davam sovas nas suas Marias. Sim. É isso. Igualdade de gênero era preciso. Mas tudo era uma “questã” de cultura judaico-cristã em tempo de “desconstrução”. No paraíso Eva mandava e enganou Adão, mas, depois de muito ano, veio Abraão condutor do rebanho de de cajado na mão. E depois veio Jesus e à mesma luz de entendimento, que pena, preferiu Pedro a Maria Madalena. Sim senhor. É isso que vejo naquele painel de azulejo na capela-mor da nossa Matriz. Quem mais o diz? Parece começar a dizê-lo o Papa Francisco. Ele sabe que todo o edifício se começa e desmurona com um risco. Igualdade de gênero? Desconstrução? Façam isso senhores deputados da nação.

FIGUEIREDO  RITA-1917 - CópiaSem imagens, diferentemente dos tempos atuais atafulhados delas, RITA AUGUSTA DE FIGUEIREDO, apesar de vender KODAKS, não nos deixou o seu retrato. Ou se deixou permanece sem nome nos álbuns de família. Mas nem por isso o historiador, no cumprimento do seu dever, a excluiu da HISTÓRIA. Elegante, alta, magra, gorda, baixa, feia, bonita, pouco importa. O que importa foi o que ela fez e a imagem que deixou, enquanto EMPRESÁRIA, reconhecimento que lhe foi dado pelo GRÉMIO DO COMÉRCIO DO DISTRITO DE VISEU, atribuindo-lhe o DIPLOMA de “LABOR, DIGNIDADE E MÉRITO”, em 1966, como já vimos.

E por isso, atendendo ao seu tempo e ao começo que teve, em 1890, no seu CENTRO COMERCIAL, sito na Rua 1. De Maio, bem pode ser considerada uma IMAGEM DE MARCA de Castro Daire. 

Da minha parte é com muita honra, e depois de muito trabalho, que deixo aqui estas linhas relaticas a essa GRANDE SENHORA, tal como a designou o meu pai, Salvador de Carvalho, em 1993, em Cujó, ano em que, pela primeira vez, tropecei no seu nome. (continua)

Ler 1441 vezes
Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.