CAHIMITE=SALGUEIRO MAIA
Na minha crónica anterior, sob o título em epígrafe, a propósito da colocação de uma viatura CHAIMITE à entrada da vila de Castro Daire, junto ao Intermarchê, discorri sobre o nome da viatura e os episódios históricos para onde este nome remetia, e bem assim para as personagens envolvidas, um encontro entre Mouzinho de Albuquerque e Gungunhana, em 1895, em CHAIMITE.
Falei do fim do IMPÉRIO VÁTUA com a prisão de Gungunhana, feita ali por Mouzinho de Albuquerque e aludi ao 25 de abril e ao fim do IMPÉRIO PORTUGUÊS. Quer dizer, deixei claro o fim de DOIS IMPÉRIOS.
Li as razões apresentadas pelos nossos políticos locais, fotografei a legenda posta na placa alusiva ao evento: HOMENAGEM AOS EX-MILITARES E MILITARES DO CONCELHO DE CASTRO DAIRE - AGRADECIMENTO PELOS SERVIÇOS PRESTADOS À PÁTRIA”.
Já não era sem tempo. Até que enfim esses homens que deram o corpo ao manifesto, lá pelas tórridas terras de África, terras de “carreirismo militar, político, administrativo” mas também de malária, de paludismo, de morte, de estropiados de guerra, e sequelas mentais pós-traumáticas, se podem rever, ali, na viatura mais icónica da GUERRA COLONIAL, onde consumiram alguns anos das suas vidas.
Diz a legenda que isso de deveu a um PROTOCOLO assinado com o EXÉRCITO PORTUGUÊS. Andaram bem as partes que protocolaram o evento. É que se aquela viatura, atendendo aos fins a que se destinava, foi batizada com o nome CHAIMITE e, como tal, levava consigo, desde a nascença, o ânimo e a bandeira da vitória - semelhantemente ao encontro entre Mouzinho de Albuquerque e Gungunhana - o decorrer da guerra e o desfecho dela colar-lhe-iam o símbolo contrário, o símbolo da derrota.
Mas eis que um militar, de seu nome SALGUEIRO MAIA, lhe devolveu a dignidade do nome com que foi batizada. Postado frente ao Quartel do Carmo, megafone em punho, metrelhadora apontada ao PODER POLÍTICO ali encurralado, aquele que levou o ESTADO “ao estado a que chegámos” lhe pede a rendição, sob pena de metralhar o edifício.
E a viatura CHAIMITE, concebida para a guerra, viatura que rodou por estradas africanas de matope, orladas de capim, que ouviu tiros, viu mortes e estropiados, agora, de pneus limpos, lavados e a rodar pelas ruas da civilizada Lisboa, só não mudou de nome para SALGUEIRO MAIA devido à crosta histórica que o tempo lhe colou na pele, desde o nascimento. E se CHAIMITE era, CHAIMITE ficou.
Mas o historiador, conjugando os acontecimentos e as personagens a que essa viatura está associada, às motivações que levaram os ORGANIZADORES a que tal PEÇA DE GUERRA fosse ali colocada em TEMPO DE PAZ, está em crer que se lhe colassem no lombo o nome desse militar - SALGUEIRO MAIA - associado ao 25 de abril e ao fim da Ditadura, , a sua exibição pública, ali, tendo de um lado uma escola, onde se busca o alimento do espírito, e do outro o Intermarchê, onde se busca o alimento do corpo, ele teria uma leitura simbólica e histórica muito mais alargada e consubstanciada, v.g. mais FORMATIVA.
E se calhar numa relação empática muito mais de harmonia com o pensar e sentir profundamente democráticos dos responsáveis pela iniciativa (civis e militares), eles que jamais deixaram de festejar, institucionalmente, o 25 de abril e a queda da Ditadura, na Assembleia Municipal todos os anos subsequentes aos factos. E já lá vão muitos. O historiador que não dispensa os documentos para fazer HISTÓRIA, agradece que lhe forneçam os vigorosos e entusiasmados discursos que proferiram na efeméride. No plural. É que “um povo sem memória, é um povo sem história”. E os «discursos» publicados na imprensa regional e nacional durante todos estes anos, não bastam, não abundam, nem abonam.