PRIMEIRA PARTE
No que toca às estradas que ligavam Castro Daire ao mundo, nos fins da Monarquia e nos alvores da República, as forças políticas locais, davam mostras de estarem muito empenhadas na abertura da ESTRADA DO VALE DO PAIVA e viam na pessoa de Frederico Pinto Basto, dono do Palacete das Carrancas, a residir em Caeiras, Óbidos, a “cunha” necessária para que tal acontecesse, junto do Governo. E o jornal “A Voz do Paiva”, 410, de 28 de julho de 1907, faz alarde da sua visita a esta vila. Resumindo:
“A vila inteira preparou-se para lhes ir ao encontro e fazer cumprimentos de boas vindas.
Assim [à hora esperada] todas as classes de Castro Daire, em grande número, aguardavam como a Phialarmonica Castrense (...) na estrada real entre os Linhares e a Regada, a chegada de suas Exas” (...) súbito ouve-se o estampido de algums foguetes. É o automóvel que surge e vem descendo a Carranqueira abaixo, já perto da ponte. Mais alguns minutos e eis o automóvel já perto de nós” [trata-se de uma pessoa fiel] a sua Majestade El-Rei, à Família Real e à estrada do Vale do Paiva”. (A Voz do Paiva”, 410, de 28 de julho de 1907)
Com efeito, no mesmo ano, de passagem para as Termas de S. Pedro do Sul, no seu palacete se aposentou o D. Carlos e esposa, Rainha D. Amélia («A Voz do Paiva”» n. 411, de 11 de Agosto de 1907 e n. 412, de 18 de agaoto de 1907)).
O mesmo jornal, n. 415 de 8 de Setembro, de 1907, reportando-se aos empenhos da abertura dessa estrada - do Vale do Paiva - interroga-se: “quem foi que conseguiu os dois contos de reis para o primeiro kilómetro da estrada do Vale do Paiva? A quem cabe a honra? Dizia “A Aurora do Paiva” em 25 de julho a tal respeito: vá a honra a quem cabe, exclusivamente ao senhor ao Morgado de Eiris”.
Agora, no seu último número dclara ao contrário do que suposera que o Senhor Pinto Basto não foi estranho à dotação, em virtude de ter aderido ao franquismo, prometendo ao próprio senhor João Franco fazer a sua política neste concelho”. («A Voz do Paiva,» 415, de 8 de setembro de 1907)
Não é, contudo, essa estrada o tema desta crónica. Ficará para outra altura, pois tenho matéria sobeja para vermos como PROGRESSISTAS e REGENERADODRES, os dois partidos que alternavam nos destinos do concelho, se atribuiam reciprocamente os louros ou fracassos ligados a esse projeto de obra.
Mas como falo de rodovias e estou a rodar na ESTRADA REAL vem a talhe de foice referir dois acidentes ocoridos nos arredores da vila. O primeiro foi perto de Vila Pouca e é assim relatado:
“ACIDENTE DE AUTOMÓVEL
No passado domingo, seguindo da Regua para Lisboa, em automóvel o senhores Manuel e José Carlos Ferreira, Horá io Ramos, Luis Merino, Eduardo Magalhães e António Cabral Telo, quando se aproximavam desta vila, cerca das 6,30 horas da manhã, o veículo, devido a grande velocidade que trazia, não conseguiu descrever uma curva nas alturas de Vila Pouca indo afocinhar numa valeta, de encontro a uma pequena trincheira, o aue evitou um grande desastre.
Todos os viajantes foram cuspidos do carro, sendo dois, o srs.. Manuel Carlos Ferreira e Horacio Ramos proprietário e chauffer do automóvel (...) todos os outros fiacaram a pequena distância , recebendo ligeiros ferimentos (...) pouco depois do desastre apareceu nesta vila o senhor Manuel Carlos Pereira reclamando socorros aos feridos, seguindo logo em trens várias pessoas, entre elas o médico municipal sr. Dr. Manuel Carlos Cerderia.
Os feridos, depois de pensados seguiram imediatamente de “landeau” da Companhia Industrial para a Regua.
O automóvel , de fabrico inglez, tipo Daimler é de força de 45 cavalos, pesa 2.200 Kilos e custa 4.800$000 reis.” (A Voz do Paiva”, 403, de 9 de junho de 1907)
O segundo, “DESASTRE” deu-se na Garcia, tal qual transcrevo:
“DESASTRE
Na tarde de sexta eira o nosso prezado director, Padre António Silva, na ocasião em que passeava de bicicleta, resvalou pela rampa da estrada, no sítio da Garcia, sofrendo uma luxação do pulso direito e várias escoriações na face.
Lamentamos o desastre e desejamos-lhe um rápido restabelecimento”.(A Voz do Paiva”, 403, de 9 de junho de 1907)
Este Padre António Silva, além de ser o director do jornal foi uma figura política de destque Nesta vila. Sobre ele e as listas que integrou para os Executivos Municipais poderá o leitor ver matéria sobeja no meu livro ”Implantação da República em Castro Daire - I”, editado em 2010. Da minha parte, aqui e agora, apresento apenas a sua fotografia, graças ao meu amigo Luis Alberto (Aveleira) natural de Cetos, que, tendo adquirido recentemente a casa que foi sua morada, no fundo de vila, nela encontrou documentação que achou interessante e teve a gentileza de me oferecer, sabendo que ficava em boas mãos.
Posto o que, sabendo nós, agora, que, nessa altura, se rodava de carro e de bicicleta na ESTRADA REAL a norte da Vila e no sítio da Garcia (mas atenção, a bicicleta não competia com o automóvel, isso só será em tempos do porvir) é o momento de respigar para aqui alguns dados que retirei dos jornais ”A Voz do Paiva“, ”O Castrense”, ”A União” e do “Echos do Paiva”, cuja vida e orientação editorial historiei no meu livro feito “pro bono“ “Castro Daire, imprensa Local, 1890-1960”, editado pela Câmara Minicipal em 2014.
Reportando-me, pois, à ESTRADA DO CARVALHAL, direi que não é um trabalho acabado, ainda que tenha sido exaustivo. Comecei a fazer registos em 1907 e, assim a modos que “por lanços” cheguei a 1930. Os jornais citados enriquecem o meu “espólio” bibliográfico e a sua saga está escrita no no livro acima referido, para o qual remeto, naruralmente, o leitor Interessado na matéria.
E «soma e segue, rompe e rasga». Mas lentamente. E neste jornal “A Voz do Paiva” n. 427 De 1907, leio o seguinte:
”Não é ainda o que se deseja e necessita, é verdade, mas é mais um pedaço de caminho que não temos de andar a pé ou no atrasador carro de vacas, aos solavancos por caminhos escalavrados e encharcados, o que já é alguma coisa.
Assim na penúltima semana foram abertas as regolas de mais um lanço de estrada a partir do pontão de Courinha e avaliados os terrenos atravessados pela estrada. Por mais de uma vez temos narrado (...) as conveniências e benefícios que da realização da abertura desta estrada advém para Castro Daire e para todos os que têm a infelicidade de lhes ser preciso fazer uso das águas daquela estância balnear pelo que não os repetiremos hoje.
E nem isso é necessário porque todos conhecem bem os referidos benefícios.
Muito maiores eles serão se em vez de a estrada ter o seu términus no Carvalhal a ligarem com a que de Viseu termina no Almargem.
Todos os que tiverem algum amor pelo torrão que os viu nascer não devem descurar este assunto e trabalhar para que ele se realize no mais curto espaço de tempo e assim terão dado um impulso grande à nossa terra digna de se enfileirar ao lado das que progridem. São os nossos desejos” (“A Voz do Paiva” nº 427 de 1 de Dezembro de 1907).
E na página seguinte informa:
«No dia 28, pelas 12 horas da manhã, nos paços do concelho, há-de andar em hasta pública a arrematação do segundo lanço da estrada a construir para as Termas do Carvalhal, entre os perfis, 103 e 118, na extensão de 467 metros, e cuja base de licitação é de 373$922 reis» (“A Voz do Paiva» nº 430, de 22 de Dezembro de 1907)
Num tempo em que era tão reduzido o número daqueles que, no concelho de Castro Daire, sabiam ler (nunca é demais sublinhar isto) não deixa de ser pertinente evidenciar a atitude crítica deste articulista. Amigo da sua terra, querendo ver o seu concelho “enfileirado” na linha daqueles “que progridem”, assumindo publicamente a sua opinião em prol do desenvolvimento que passava pela ligação de Castro Daire a Viseu, via Almargem, não sabemos se viveu o bastante para ver concretizada a sua ideia. Mas, se não viu isso, quase de certeza que viu as obras continuarem, pois, quatro meses depois, isto é, em Abril de 1908 a Câmara Municipal publicava um edital onde dava conta da arrematação «do 3º lanço da estrada às termas do Carvalhal na extensão de 986,71 m, sendo a base de licitação da quantia de 928$600 reis» (”A Voz do Paiva” nº 446 de 12 de Abril de 1908).
De resto, a iniciativa da Câmara Municipal proceder à abertua desta estrada, mais não era do que seguir o itinerário da velha estrada romana que ligava Lamego, Castro Daire, Viseu, de que eram prova arquológica de superfície o troço, ainda em uso, a contornar, pelo sul-poente, o morro onde se alcandorou o velho “crasto” em direção à Ponte Pedrinha, coadjuvado por aquele outro troço que ficou vivo nas proximidades de Almargem.
Basta atentar no mapa de J. Alarcão, deixado na “HISTÓRIA DE PORTUGAL“ , (Alfa) coordenada por José Hermano Saraiva e tambem as fotografias insertas no livro “Tesouros de Portugal” , s/d, editado pelo Ministério das Obras Públicas, da autoria fos arquitetos Eugénio Corrêa e Paulino Montez.
Mas o tempo passa e em Dezembro desse mesmo ano (1908) temos novamente notícia sobre o assunto. E a prosa que transcrevo parece sair da mesma pena:
«Encarecer e repetir as vantagens da ligação da estrada do Carvalhal a Viseu pelo Almargem seria fastidioso (...) seria mesmo uma ofensa ao tino e prática dos romanos e lusos, não contando com as gerações posteriores que sempre seguiram a diretriz das referidas estradas e ainda hoje e movimento de peões e montadas se faz por ali (...)
O nosso município está nas melhores disposições e boa vontade de continuar a estrada do Carvalhal até ao extremo do nosso concelho para o que vai fazer subir à aprovação superior os estudos que o sr. António Fernandes Poças lhe ofereceu e que, a expensas suas, mandou fazer d’desde as Termas até à Ribeira d’Arcas.
A par disso temos também a boa vontade do Exmo. Diretor das Obras Públicas do distrito, que reconheceu a sua utilidade e deseja o bem-estar dos povos do seu distrito” (“A Voz do Paiva” nº 481 de 13 de Dezembro de 1908)
«De Castro Daire a Viseu»
Parece-nos já estar a ouvir o epíteto de antipatriotas por advogarmos a causa da estrada de Castro Daire a Viseu, pelo Almargem, como nos apodou o outro no ano passado, por falarmos nesta não queríamos a do Vale do Paiva.
Mas o que queremos é que a estrada dos Casais de D. Inês a Viseu não se fique pelo Carvalhal. Não foi principiada para isso, nem são essas as aspirações da maioria, mas sim que seja ligada à do Almargem.
(..)
Além disso o trajeto de Castro Daire a Viseu não será mais longo do que daqui a S. Pedro do Sul (…) Para a estrada de Vila Nova de Paiva ainda não há estudos feitos, mas o que achamos e desejamos de necessidade é que, de preferência se leve a do Carvalhal ao termino do nosso concelho (…) enfim, foi pelo Carvalhal que os nossos antepassados faziam o caminho para Viseu, por ser o mais curto e ali ser a sede do nosso distrito e não Vila Nova de Paiva». (“A Voz do Paiva, nº 488, 31 de Janeiro de 1909).
«Estrada do Carvalhal»
Esta estrada, cuja conclusão é de uma grande vantagem e alcance para o interesse do nosso concelho, vai continuar.
Na terça-feira última foi arrematado mais um lanço na extensão de 1965 metros, desde as Termas do Carvalhal à Ribeira de Arcas, sendo o adjudicatário o sr. António Carneiro desta vila».
(…)
Concluída ela, estamos a 4 horas e meia de Viseu» (“A Voz do Paiva, nº 496, 28 de Março de 1909)
Feito o risco e com tantas boas vontades, em 25 de Abril de 1909, são tornados públicos os nomes dos beneméritos que cederam gratuitamente os terrenos atravessados pela estrada no lanço compreendido entre as Termas e a Ribeira de Arcas. Tratava-se do «conselheiro Bernardino da Silveira de Lacerda Pinto, Dr. Jacinto de Paula Franco Menezes; Manuel Ferreira; Marcelino Loureiro; José Pinto; José Morgado; Bernardino Pinto; António Ferreira e Joaquim Ribeiro” (”A Voz do Paiva” nº 500 de 25 de Abril de 1909)
Apelando para a ligação a Viseu pelo Almargem o articulista não tira a mira das Termas e não será propriamente por acaso que na fonte por nós consultada aparece a nota: «de passagem para as Pedras Salgadas, esteve nesta vila o Sr. Conselheiro Dr. António Teixeira d’Abreu, lente catedrático da faculdade de direito da Universidade de Coimbra e antigo ministro da Justiça, na situação franquista», (”A Voz do Paiva” nº 518 de 29 de Agosto de 1909) que é como quem diz, se as nossas Termas oferecessem melhores condições, quem sabe se este conselheiro por aqui não ficaria algum tempo em vez de continuar para norte.
Com obras em andamento e troços concluídos a respetiva fiscalização:
«Tendo sido dado por concluído o 4º lanço da estrada municipal do Carvalhal à Ribeira de Arcas, foi resolvido se desse conhecimento ao Sr. Diretor das Obras Públicas, a fim de ser devidamente inspecionado» («O Castrense» nº 5 de 1 de Dezembro de 1912).
A todas estas obras e facilidades de comunicação não será alheio o anúncio da «carreira» oferecida ao público a partir de Castro Daire. Assim:
«Ao Público
Manuel Nicolau participa ao público que faz carreira direta desta vila a Viseu todos os dias de mercado pelo preço de 600 reis. A saída é da rua Comendador Oliveira Baptista às 3 horas da tarde.» («O Castrense» nº 5 de 1 de Dezembro de 1912).
Está-me mesmo a ver que a “carreira direta” oferecida pelo senhor Manuel Nicolau era feita por carro ou carreta de tração animal – equinos ou muares - como já e pliquei no livro “Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura” , no capítulo sobre os transportes e rodovias. Prosseguindo:
Em 1913, o Ministro do Fomento, António Maria da Silva, acompanhado pelo Diretor-geral e Governador Civil deslocaram-se a Castro Daire. E os políticos locais Francisco Eduardo Saavedra, Dr. Joaquim Gomes de Almeida, Dr. João Simões de Oliveira, Dr. Mário de Oliveira Baptista e Dr. Manuel Carlos Cerdeira, membros da Comissão encarregada da receção, acompanhados pelo Dr. Pio Cerdeira, Administrador do Concelho, foram esperar os governantes junto ao «Cruzeiro de Figueiredo» (de Alva) e dali dirigiram-se ao Carvalhal a fim de verificarem in loco «que a conclusão da estrada de Castro Daire a Viseu encurtaria extraordinariamente as distâncias entre estas terras». («O Castrense» Nº 20 de 01-05-1913)
Ao lado de “O Castrense” outro jornal local levantava a sua voz a dar conhecimento das diligências ligadas à construção da estrada. Ora vejam:
«Tomo a liberdade de lhe pedir a construção imediata da estrada distrital nº 84 que vai desta vila a Viseu, pelo Carvalhal, Adenodeiro e Ponte do Almargem e da qual apenas faltam construir nove ou dez quilómetros». («A União», nº 55 de 16 de Março de 1913)
«É-nos muito grato transcrever algumas das palavras de justiça com que o «Comércio de Viseu» advoga a construção da estrada do Almargem.
«E a estrada para Lamego pelo Almargem era um magnífico derivativo, estabelecendo carreiras diárias que não só desenvolveria a vida local das importantes freguesias de Calde e Pindelo dos Milagres que hoje quase só correspondem com S. Pedro do sul, mas também terminaria com um dos principais argumentos da separação de Lamego, a enorme distância de Viseu.
Depois ligava Viseu com as Termas do Carvalhal que é uma estância de larguíssimo futuro não só pela importância que essas águas têm na cura das doenças de pele, dia a dia mais frequentes, mas também pela beleza dos arredores, junto à vila de Castro Daire, uma das mais encantadoras da nossa província». (“A União», nº 56 de 21 de Março de 1913)
E o mesmo jornal publica uma «MENSAGEM» dirigida ao «Exmo. Senhor Ministro», mostrando-lhe o empenho de todos os castrenses nas melhorias locais. E faz o devido enquadramento apelativo:
«Ali, como que servindo de sentinela a esta histórica vila ficam os frondosos bosques de castanheiros, sob os quais se esconde o encantador Poço dos Molgos. Para além serpenteia, em adiantada construção a estrada nº 84, vulgarmente conhecida por estrada do Almargem que atravessa as nossas Termas do Carvalhal, onde brotam as mais afamadas águas medicinais que, no género, existem no País e são a maior riqueza e talvez o único futuro do nosso concelho».
(…)
Este concelho tem a mais ardente fé nos desejos de Vª Exª, toma a liberdade de lhe pedir a dotação e c construção imediata da estrada distrital nº 84 que vai desta vila a Viseu, pelo Carvalhal, Adenodeiro e Ponte do Almargem e da qual apenas faltam construir nove ou dez quilómetros»
Viva Portugal!
Viva a República
Viva o Senhor Ministro do Fomento Ass) Francisco Eduardo Saavedra». (“A União», nº 62, de 4 de Maio de 1913).
Ainda com a estrada do Carvalhal/Almargem/Viseu em construção, o itinerário de automóvel de Castro Daire/Viseu era por S. Pedro do Sul. E foi nessa estrada que em Junho de 1913 se deu naquela estrada o desastre que se descreve:
«No último domingo pelas 9 e meia horas, um automóvel de que era proprietário o Sr. António Almeida Barros, de Vila Real de Trás-os-Montes, e que desta vila se dirigia a Viseu, entre o alto da Carranqueira e Alva, despenhou-se por uma ribanceira, caindo numa poça.
Além do proprietário do automóvel, seguiam também os senhores António Bernardo Gomes, Tenente-coronel da administração militar, Alfredo Pires, um chauffeur mecânico de nome Joaquim da Costa e um ajudante.
Ficaram gravemente feridos o Sr. Almeida Barros e o chauffeur e ligeiramente o Sr. Alfredo Pires.
Foram transportados para esta vila e receberam curativo Almeida Barros e Pires, no Hotel Recreativo e o chauffer no Hospital da Misericórdia» («A União» nº 68 de 15 de Junho de 1913).
E «A união» nº 85, de 19 de Outubro de 1913, informa:
«N última terça-feira foi posto em arrematação que desta vila nos porá em comunicação direta com a capital do distrito, mais conhecida pela estrada do Carvalhal, compreendido entre a Ribeira de Arcas e o souto da Cela, não incluindo a ponte, na distância de 2.342 metros.
Foi adjudicado a António Carneiro Júnior, desta vila por 1.766$000 reis.
De lamentar é que a Câmara de Viseu com muito mais recursos do que a do nosso concelho não a imite e construa os lanços que faltarem desde a Almargem extremidade do nosso concelho.
(…)
Nos lanços já construídos algumas pessoas concederam gratuitamente os terrenos pela estrada atravessados e entre eles os Srs. Dr. Jacinto Menezes, Dr. João Simões, Pe. Luís Teixeira, D. Maria Baptista de Lacerda, Manuel Lourenço, digno professor de Mamouros, Dr. Basílio Teixeira e outros.
(…)
Para este lanço foram cedidos gratuitamente pelo nosso amigo António Fernandes Poças 2.661 metros quadrados de terreno, encarregando-se este cavalheiro da construção da ponte sobre a Ribeira de Arcas, custeando a sua despesa por meio de uma subscrição que estamos certos todos auxiliarão». ( «A União» nº 85, de 19 de Outubro de 1913).
Em 1913, o Ministro do Fomento, António Maria da Silva, acompanhado pelo Director-Geral e Governador Civil deslocaram-se a Castro Daire. E os políticos locais Francisco Eduardo Saavedra, Dr. Joaquim Gomes de Almeida, Dr. João Simões de Oliveira, Dr. Mário de Oliveira Baptista e Dr. Manuel Carlos Cerdeira, membros da Comissão encarregada da receção, acompanhados pelo Dr. Pio Cerdeira, Administrador do Concelho, foram esperar os governantes junto ao «Cruzeiro de Figueiredo» (de Alva) e dali dirigiram-se ao Carvalhal a fim de verificarem in loco «que a conclusão da estrada de Castro Daire a Viseu encurtaria extraordinariamente as distâncias entre estas terras». (”O Castrense» Nº 20 de 01-05-1913)
Sendo as vias de comunicação, apelidados de «melhoramentos locais» a bandeira dos políticos castrenses, fosse em tempos de monarquia entre Regeneradores e Progressistas, fosse em tempos de República entre Democráticos, Evolucionistas e Unionistas, cada qual chamando a si os loiros das verbas concedidas para as obras, a verdade é que elas iam aparecendo lentamente e, em 28 de Julho de 1914, nos Paços do Concelho, procedia-se à «arrematação da terraplanagem e obra de arte (exceto a ponte) de 2.341,m93 do lanço da estrada municipal da Ribeira de Arcas ao Souto da Cela, sendo a base de licitação de 1.774$00 e o depósito provisório de 50$00» (“O Castrense» Nº 33 de 10-07-1914).
A passagem do Ministro do Fomento por Castro Daire, começando pelas Termas do Carvalhal, a partir do Cruzeiro de Figueiredo, onde as entidades locais o esperaram, não foi debalde. A receção do Ministro nesta localidade mostra que a ligação rodoviária a Castro Daire se fazia por S. Pedro do Sul e será essa via que José Clemente da Costa usará para inaugurar a sua primeira «carreira» ligando Viseu, S. Pedro do Sul, Castro Daire, Lamego e Régua. Como veremos.
Mas o jornal, em nota sob o título «Pela Câmara» e subtítulo «A estrada do Carvalhal», diz:
«Na nossa Câmara, deu-se, na terça-feira passada, um facto a todos os títulos lamentável.
(…)
Há tempos foi posto em arrematação um lanço da estada do Carvalhal, sendo a sua construção adjudicada a dois arrematantes desta vila que levaram consigo a planta e caderno de encargos, mas que, por no momento, haver muito serviço na Secretaria da Câmara, não assinaram imediatamente o auto e que depois (por razões várias: falta de tempo, de lembrança, etc.) foram adiando a sua assinatura até que, perto da eleições municipais, aqueles dois arrematantes propuseram a sua candidatura a vereadores.
Sabendo que alguém pretendia recorrer para os tribunais contra a sua eleição, por terem contactos com a Câmara, os dois arrematantes recusaram-se a assinar o auto, ficando a arrematação sem efeito e conseguindo um deles ser eleito vereador.
Mas a planta e o caderno lá continuaram em poder dos dois «arrematantes» não sendo restituídas à Câmara, nem fazendo o secretário desta grande pressão para os conseguir, pois se tratava de um membro da corporação sua superiora, da qual ele havia-de esperar que no momento preciso saberia mover todas as dificuldades possíveis para que planta aparecesse.
Não aconteceu, porém, assim.
Anunciada para o dia 28 a nova arrematação, a ela concorreram vários indivíduos de fora do concelho. A planta, porém, não aparecia, não havendo maneira de a arrancar ao «arrematante» que não conseguira ficar na Câmara e a quem ela estava confiada; não parecendo planta nem caderno, não podia realizar-se a arrematação, porque os concorrentes não sabiam as condições em que contratavam. Houve protestos vários dos concorrentes e bastos recados para casa do tal arrematante, a quem não houve maneira de arrancar a planta.
Por fim e de acordo com os concorrentes, resolveu-se proceder à arrematação, mesmo sem planta, sendo a construção do lanço adjudicada a António Guedes, de Cambres, por 1.489$00, ou seja menos 285$00 do que estava no orçamento.
Que se pretendeu com toda esta trapalhada? Comprometer o secretário da Câmara? Pretendeu-se simplesmente fazer com que os concorrentes desanimassem e deixassem o campo livre para se ganharem 285$00 e mais o resto que o arrematante atual deve ganhar.
É isto bonito?
Não se lembraram de que prejudicavam os créditos da terra e de que a gente que aí veio irá para os seus concelhos dizer que é preciso cuidado com os concursos abertos pela Câmara de Castro Daire, sem que ela tenha neste extraordinário caso uma responsabilidade digna de censura?
Pois se não se lembraram, deviam lembrar-se, evitando assim um grave desaire para o bom-nome de todos nós e as ásperas censuras que toda a gente lhe dirige com mais completa razão». («O Castrense» Nº 35 de 1 de Agosto de 1914).
E como estamos em 1914, apesar das obras prosseguiram nesta estrada, com vista a encurtar caminho entre Castro Daire e Viseu, aqui a referência ao início da carreira a ligar estas duas localidades, mas pela estrada de S. Pedro do Sul. O empresário da iniciativa foi José Clemente da Costa. Aqui deixo o anúncio que ele deixou no jornal “A União”, mas o leitor curioso ou estudioso entrará informação mais desenvolvida no meu livro acima citado. Prosseguindo:
E a estrada, via CARVALHAL/ALMARGEM, vai lentamente rasgando o seu destino:
«Segundo as nossas informações, começaram já os trabalhos na estrada que segue pelo Almargem para Castro Daire, entre a ponte do Almargem e Calde. O Sr. Diretor das Obras Públicas está no firme propósito de gastar ali este ano os sete contos com que foi dotada. Será já um grande avanço que muito nos aproxima das afamadas termas do Carvalhal de Alva».
E oxalá não demore muito a conclusão da referida estrada, cuja necessidade e importância tantas vezes aqui temos salientado, bastando referir que encurta 14 quilómetros a distância de Viseu a Castro Daire e Lamego» («A União» nº 160 de 1 de Abril de 1915)
E em Maio «A União» acompanha as obras a par e passo:
«Vai muito adiantado o troço que as Obras Públicas do nosso distrito resolveram pôr em construção próximo da Igreja de Calde, junto da pequena aldeia da Póvoa.
A construção deste troço vem contribuir consideravelmente para a satisfação do há muito desejado pelos povos dos concelhos de Viseu e Castro Daire pela mais fácil e rápida ligação do centro da Beira Alta com o norte do país» (“A União» nº 167, de 23 de Maio de 1915)
Este jornal terminou em 1915. Foi substituído pelo «Echos do Paiva» que seguia a mesma linha editorial, afeta aos «talassas» castrenses. A partir deste ano foram estes dois órgãos de comunicação locais, cada qual a representar as suas fações políticas, que veiculavam as notícias e outros assuntos de interesse público.
CASTRO DAIRE – ESTRADA DO CARVALHAL – Ponte de Arcas
SUBSCRIÇÃO
«Pelo senhor António Fernandes Poças, desta vila, foi aberta uma subscrição para custear as despesas a fazer com a ponte sobre a ribeira de Arcas que ligará os lanços da estada em construção que nos põe em comunicação com a cidade de Viseu».
E segue-se uma «Lista de Manaus a cargo do senhor António P. dos Santos» com os nomes dos «pagantes» que soma em «moeda fraca» 301$00.
Em Castro Daire, os resultados desta subscrição, contaram com as seguintes participações, por mim vertidas em grelha para melhor leitura:
SUBSCRIÇÃO PARA A PONTE DA RIBEIRA DE ARCAS
ORIGEM |
MONTANTE |
Recebido em moeda portuguesa |
98$00 |
Dr. João Augusto Marques de Almeida, Quinta da Mata |
50$00 |
José Clemente da Costa, Castro Daire |
30$00 |
Dr. João Simões de Oliveira, Castro Daire |
20$00 |
Gregório Duarte Miranda, Castro Daire |
10$00 |
Dr. Bernardino José de Azevedo Mourão, C. Daire |
10$00 |
Julião Maria da Fonseca, C. Daire |
5$00 |
Aristides Osório Couceiro da Costa, V. Boa |
5$00 |
António de Almeida Pinto, Ribas |
5$00 |
Luís Marques do Vale, Rio de Mel |
10$00 |
SOMA |
243$00 |
Fonte: O «Echos do Paiva» nº 11 de 10 de Outubro de 1915
Ora aqui temos uma maleita portuguesa que vem de longe: O PEDITÓRIO. Ficou-nos o vício desde que, na Idade Média, os monges mendicantes, alguns verdadeiros outros fingidos, enchiam Portugal Inteiro de bornal aberto e mão estendida. Os impostos, as décimas, os foros, pagos por todos, por rendeiros, cabaneiros, lavradores, produto de trabalho suado, em vez de serem aplicados nas obras públicas, nas estradas, serviam para comprar os coches e veículos congêneres com assentos de veludo e esculpidos em madeira dourada, puxados «a sangue» no sentido literal da palavra. E quem não se lembra, em tempos mais recentes, dos “cortejos” feitos para a Santa Casa da Misericórdia e para os Bombeiros? E quem não se lembra da Direção dos Bombeiros de Castro Daire, rejeitar o produto da venda de um livro feito “pro bono” que, ao tempo renderia 8.000 contos? Quem esqueceu a conivência entre essa instituição e a Câmara Municipal? Há dias uma ex-Procuradora Geral da República, Drª Marques Vidal, disse, a viva voz, na televisão, que os poderes públicos, o Ministérios e as autarquias estão capturadas por interesses de compadrio e amiguismo. Será preciso dizer mais? Em Portugal pede-se por tudo e para tudo. Metem-se cunhas a torto e a direito. Somos um país de pedintes e a maleita está para durar. Mas...adiante que estamos numa estrada.
Pois é. Estando as obras neste pé, resolveu-se fazer uma ramificação que, saindo dela, estabelecesse a ligação à “Carvalha de Alva” e para isso o jornal “Echos do Paiva” que era a voz da fação política que gravitava em torno do Dr. João Simões de Oliveira, (cujo perfil oplítico apresento no fim deste trabalho) procura sensibilizar os proprietários para não obstaculizarem a passagem, dando o exemplo de próprio Dr. João. Ora leiam:
«ALVA – ESTRADA PARA O CARVALHAL
«RAMAL DO CARVALHAL À CARVALHA DE ALVA»
«O valor que uma estrada dá aos terrenos marginais, digam-no aqueles que os possuem.
Tivemos há dias ocasião de ver com o técnico da Câmara e o Presidente da Comissão Executiva, por onde deve seguir este ramal e qual a sua extensão pouco mais ou menos.
Este encurtará a distância a quem de S. Pedro do Sul tiver devir para as nossas Termas, ou proximidades, cerca de 10 quilómetros. Com este encurtamento de distância muito beneficiadas ficam as pessoas que precisarem de fazer uso das nossas águas, bem como as freguesias de Alva, Mamouros, Mões e Ribolhos.
Cremos que as vantagens que advêm deste grande melhoramento ninguém as ignora, mas também manda a verdade dizer que a Câmara não tem dinheiro para custear tal despesa e por isso para se conseguir é preciso:
1º - Todos os proprietários devem ceder de boa vontade os seus terrenos.
2º - Prestarem todo o serviço braçal que pertence á Câmara e às Juntas de melhor vontade.
3º - Convencerem-se os melhores proprietários de Alva e Carvalhal de quanto o mesmo ramal os beneficia e auxiliarem-no, mesmo pecuniariamente, com o que puderem, pois a verba de que actualmente a nossa Câmara pode dispor para viação, é quase nula e enquanto esta não criar receita não será fácil meter no orçamento verba para viação.
Com a cedência dos terrenos gratuitamente já nós e muitos outros proprietários damos este bom exemplo na estrada que do Carvalhal vai ligar com a do Almargem, cujos nomes então aqui mencionaram.
Nós estamos prontos quando for preciso a ir tratar dessas cedências da melhor vontade, mas desde já pedimos aos senhores proprietários que sejam o mais condescendentes possível e que não procedam como alguns dos que tinham prédios que a do Carvalhal atravessou que nos puseram os cabelos brancos antes do tempo.
Também é certo que este ramal já tem oferecimentos importantes, como sejam o do Exmº Senhor João Simões de Oliveira, sendo de esperar que todos os outros proprietários sigam tão nobre exemplo.
Castro Daire 21-9-1916
António Fernandes Poças» («Echos do Paiva», nº 60 de 21 de Setembro de 1916)
Portugal entrou na GUERRA e isso refletiu-se nas obras em curso, seguramente. E as notícias passam a ser escassas sobre elas. Assim demos um salto para 1922. Nesse ano, «O Castrense», sublinhando que as estradas são um sinal de progresso e desenvolvimento, transcreve do jornal «A Beira» de Viseu uma crónica sobre a ligação de Viseu a Castro Daire pelo Carvalhal e diz:
«Para se chegar hoje de Viseu a Castro Daire, temos de ir forçosamente a S. Pedro do Sul, tendo percurso obrigatório de 49 quilómetros. Como o tempo é dinheiro, diminuir o percurso será economizar dinheiro e com este objectivo pensou-se, há anos, em fazer uma estrada que, saindo de Viseu por Campo, Calde, Carvalhal de Alva, se chegasse a Castro Daire, percorrendo apenas 28 quilómetros. Esta estrada apenas do lado de Viseu começou, sendo construída pela Câmara, passando depois para a Administração das Obras Públicas. Do lado de Castro Daire, se não estamos em erro, a estrada chega a Carvalhal de Alva.
Faltam apenas 10 quilómetros para terminar esta bela via de acesso. O que será preciso para que se acabem?» Ass) A. Xavier da Fonseca». («O Castrense» nº 370 de 17 de Setembro de 1922)
E «O Castrense» nº 406, de 17 de Junho, informa:
«Lemos há dias no Primeiro de Janeiro, em correspondência de Viseu que era fácil e rápida a ligação com as Termas do Carvalhal, logo que estejam concluídos os estudos da parte da estrada que falta concluir.
O nosso prezado colega «A Beira» também há dias se referia ao assunto, parecendo-nos que a Câmara se deve interessar a valer por este importante melhoramento que de certo influirá o progresso das Termas.
E se em Viseu a opinião pública se mostra favorável neste sentido, não é razoável que nós nos desinteressemos do assunto tanto mais que muito temos a lucrar com a sua realização. (“O Castrense» nº 406, de 17 de Junho de 1923)
E no número 424 prossegue:
«Serviços municipais
Estão concluídas asa reparações da estrada do Carvalhal na altura da Ponte de Arcas e ouvimos que é opinião de alguns vereadores continuar a abertura da estreada de Arcas para o concelho de Viseu, aproveitando-se o braçal. («O Castrense» nº 424, de 11 de Novembro de 1923)
E sempre atento mantem o seu público leitor informado. E eu informo que este órgão de comunicação local é o único que esta vivo no terreno. “A União” foi substituida pelo “Echos do Paiva“ em 1915 e este desapareceu dos escaparates em 1919.
SEGUNDA PARTE
Aacabada a PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL, e perdida a batalha de Paiva Couceiro e a sua MONARQUIA DO NORTE e bem assim a PRIMEIRA REPÚBLICA com o 28 de Maio de 1926, “revolução nacional” que retirou das cadeiras do Município as forças políticas do regime implantado em 1910, para colocar outras afectas ao regime emergente, demos um salto para 1930, citando “O Castrense” 706, de 26 de Janeiro desse ano:
«Sessão da Comissão Administrativa do Município de 7-1-1930:
«Pelo senhor presidente a Comissão foi informada de que havia sido procurado pelo senhor Engenheiro-chefe da Divisão de Estradas deste distrito afim de ser entregue ao Estado o lanço de estrada municipal de Ribolhos, Carvalhal, Ribeira de Arcas, entrega que na data acabava de efectuar por lhe ser garantido que o Estado tinha urgência nela para em seguida se proceder à sua ligação com a estrada do Almargem» («O Castrense» nº 706 de 26 de Janeiro de 1930)
E o jornal comenta a propósito:
«Toda a gente deseja de há muito a entrega da estrada do Carvalhal e concorda em que ela se impõe, desde que o Estado a solicite, como solicitou.
Mas quem oficialmente representa o Município e por ele toma resoluções, não é o senhor Presidente da Comissão Administrativa, mas esta Comissão e as suas deliberações só valem (lei 88 de 8-8-1913) desde que sejam tomadas em sessão. Já se deliberou «legalmente» quanto à entrega? Na sessão que estamos comentando a comissão ouviu e calou-se. E em outra sessão não nos consta que o caso tenha sido tratado nos devidos termos.
Ouvimos que na representação dirigida pela Comissão à Junta Autónoma das Estradas se fez o oferecimento do lanço do Carvalhal. Mas o que importa é que esse oferecimento conste expressamente de uma acta. Estamos convictos do contrário, mas é preciso que o caso se legalize para amanhã não haver qualquer trapalhada». (Idem)
E como texto se apela à legalidade dos actos, tudo indica que a sua redação saiu da mão de um jurista, isto é, pela mão do Dr. Pio Figueiredo.
E a advertência não caiu em saco roto. Na sessão de 11 de Março de 1930 lá se ratificou o ato:
«Reconhecendo que a entrega ao Estado da estrada do Carvalhal era vantajosa para os interesses do Município, resolveu ratificar a entrega feita pelo senhor presidente da Comissão e autorizá-lo a assinar os respetivos autos». « O Castrense» nº 714 de 23 de Março de 1930)
Cabe aqui anotar que o presidente da Comissão Administrativa Municipal era, ao tempo, o Dr. João Simões de Oliveira, nomeado após o 28 de Maio de 1926, tomando o lugar da Comissão Administrativa eleita, presidida pelo Dr. pio Cerdeira de Oliveira Figueiredo, que, na sequência do movimento, foi dissolvida.
O leitor atento não deixou de acompanhar-me nesta longa viagem pela ESTRADA que passou a ligar Castro Daire a Viseu, via Carvalhal e Almargem. E lembra-se que esta nossa viagem teve início em 1907 e chegámos a 1930 com esta última picardia lançada sobre a abertura de um troço por Coura. Pois. Só que o Presidente da Comissão Administrativa tinha ali larga cópia de «bens de raiz» ele dispensava o apelo público de qualquer jornal para saber como valorizá-los. E para bem se entender tudo isso convinha ter presente quem era que estava à frente dos destinos do concelho, nessa altura. Mas isso deixei eu no meu livro «Implantação da República em Castro Daire-I», também escrito «pro bono», editado pela Câmara em 2010. E fazer isso, ter o trabalho de trazer a público tanta informação histórica do nosso concelho, mergulhar no passado, falar das suas gentes, das suas obras, dos interesses coincidentes ou divergentes, tudo bem. Mas «solicitar» que «me leiam» depois de tanto trabalho, isso é que não. Prosseguindo, chegámos a 1930.
No mês de Setembro do mesmo ano «O Castrense», sozinho no terreno, informa e critica severamente a Comissão Administrativa, presidida pelo Dr. João Simões de Oliveira, pelo facto de secundarizar o trajeto inicial da estrada Castro Daire/Carvalhal/Almargem e proceder à abertura de troço que passasse por Coura. Já acima disse que era lá, freguesia de Moledo, que ele tinha teres e haveres de Raiz. Veremos, não tqarda nada, a foto do Mausuleu de Família no cemitério de Moledo. Assim:
«Não queremos fazer escândalo, nem baixa política; queremos simplesmente dizer uma parcela da verdade, para vermos se de algum modo se põe cobro aos erros, cujas consequências este infeliz concelho vem sofrendo.
A referida Comissão, foi aqui clara, franca e desassombradamente acusada de proteger interesses particulares, até dos seus próprios vogais.
Quem a acusou disse-lhe que o chamasse à barra do Tribunal; mas essa e outras acusações tinham tanta verdade que não houve reação; nem a mais leve defesa se esboçou.
Pois a estrada de Coura está sendo cortada em prejuízo dos interesses de todos, somente para se beneficiarem os interesses de alguns, mas de alguns que são muitíssimo poucos. («O Castrense» nº 739 de 21 de Setembro de 1930)
O leitor atento não deixou de me acompanhar nesta viagem pela ESTRADA que passou a ligar Castro Daire a Viseu, via Carvalhal e Almargem. E lembra-se que ela teve início em 1907 e chegámos a 1930 com esta última picardia lançada sobre a abertura de um troço por Coura, em desfavor do velho sonho castrense: a ligação de Castro Daire/ Carvalhal/Almargem, em obras desde, pelo menos 1907. Pois. Só que o Presidente da Comissão Administrativa, acima identificado, tinha ali muito haveres de raiz e uma rodovia iria valorizá-los.
Mas para melhor entendimento destes “negócios locais”, conhecimento do PASSADO com influência no PRESENTE remeto o leitor para o livro que escrevi sobre a «Implantação da República em Castro Daire-I» escrito «pro bono», editado pela Câmara em 2010.
TERCEIRA PARTE
PERFIL POLÍTICO DO DR. JOÃO SIMÕES DE OLIVEIRA
Acerca do Dr. João Simões d'Oliveira, que encontrámos a presidir a Comissão Administrativa da Câmara no ano de 1934, aquando da electrificação da vila, «O Castrense», nº 64, de 20.05.1915, diz o seguinte:
«Vai deixar de ser Administrador deste Concelho o sr. dr. João Simões d'Oliveira, que (...) foi monárquico no tempo da monarquia; republicano quando se proclamou o mesmo regimen; que em 1911 tornou a ser monárquico por esperar que a República fosse derrubada; que no mesmo ano tornou a ser republicano por ver que o movimento dos monárquicos não vingava; que entre 1911 e 1913 foi, não sabemos quantas vezes, monárquico e republicano; que em 1913 quando subiu ao governo Afonso Costa se declarou democrático; que nesse mesmo ano escreveu várias cartas «pró alto» afirmando o seu democratismo e reclamando certas concessões; que nesse mesmo ano, em virtude de «no alto» estarem surdos, trabalhou e votou nas eleições contra os democráticos e a favor dos evolucionistas, sem contudo deixar de ser democrático, enquanto o governo de Afonso Costa estava no poder; que caído esse governo abandonou o democratismo para ser monárquico ou republicano, conforme os ventos; que em 1914 foi tão monárquico que até assistiu a várias reuniões de conspiradores; que não obstante assistir a estas reuniões não deixava de ser democrático e até oferecia o seu apoio eleitoral a um candidato a deputado do nosso partido; que com a subida ao poder do gabinete de Azevedo Coutinho voltou a ser um «democrático firme» e tanto desejo tinha que o nosso partido vencesse que (sem lha solicitarem nem aceitarem) ofereceu a sua votação a dois correligionários nossos; que com a queda do gabinete A. Coutinho, deixou de ser democrático para ser... outra coisa; que, convidado pelos evolucionistas locais para ser administrador com o govermo Pimenta aceitou a nomeação e começou a ser tão evolucionista que até foi ao congresso do Partido em Lisboa; que palpitando-lhe uma restauraçãozita voltou a ser monárquico, sem contudo deixar de ser administrador; que agora, restaurada a República, talvez volte a ser democrático, mas preferimos que certas pessoas nos combatam a ter com elas a mais leve parcela de solidariedade".
A diatribe arrasta-se na imprensa e como «O Castrense» passasse a apelidá-lo de «salta-pocinhas», o visado responde no «Echos do Paiva», nº 78 de 28.01.1917, dizendo:
«O facto de me chamarem ‘salta-pocinhas’ não me arrelia. É ária já muito gasta, o que significa que não me encontra outro ponto fraco. Pois fique sabendo que sou monárquico e nunca deixei de sê-lo, nem disso me arrependo".
Segue-se a «Monarquia do Norte» e, em 1919, é ainda «O Castrense» que informa sobre a postura política assumida, na altura, pelo Dr. João Simões de Olveira:
«Foi preso pela autoridade Administrativa, sr. Dr. João Simões d´Oliveira, um dos chefes monárquicos locais e ex-presidente da Comissão que geriu o Município até Janeiro último".(38)
E, alguns números depois, transcrevendo do jornal «Voz da Oficina» que se editava na cidade de Viseu, acrescenta, acerca do mesmo cidadão:
«Ultimamente era monárquico e até director de um jornal da grei e era também, desde fins de 1917, o presidente da Câmara de Castro Daire. Quando da traulitânia, arvorou a bandeira azul e branca na Câmara, botou fala, deu vivório à nobreza e promoveu uma manifestação monárquica à frente da qual percorreu as ruas daquela vila".(39)
O 28 de Maio de 1926 abrir-lhe-ia novamente as portas da Câmara, da qual se tornou Presidente. A partir daí, afeto ao regime vigente, foi Provedor da Misericórcia e Presidente da Direcção dos Bombeiros. As instituições locais sempre sofreram dessa promiscuidade. Às claras ou disfarçadamente.
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NOTA: este trabalho é mais um contributo meu, feito «pro bono» em prol da história e cultura do concelho de Castro Daire. Ele empresta significado e dá conteúdo à atual «ESTRADA NACIONAL Nº 2», na medida em que esta obra, cuja primeira referência localizei em 1907, mais não fez que seguir, com as devidas correções o histórico traçado da histórica ESTRADA ROMANA, como referi em tempo.