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segunda, 13 maio 2019 12:03

CASTRO DAIRE - INDÚSTRIA, TÉCNICA E CULTURA

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ANDANDO POR AÌ...

Quando em 1995, na sequência da minha licença sabática, publiquei o produto escrito dela, isto é, o resultado da “investigação aplicada” levada a efeito sobre a “arqueologia industrial” relativa a muitos moinhos e azenhas de azeite que laboraram no concelho, arrolei muitos desses equipamentos com o cubo na perpendicular e somente TRÊS com o cubo na vertical.

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Um desses equipamentos de CUBO VERTICAL era o MOINHO DO CASAL,  movido pelas águas do ribeiro Aziboso, em Reriz, por má sorte sua e nossa, desmantelado posteriormente com o aval do VEREADOR DO PELOURO DA CULTURA. Os outros dois estavam no espaço da CASA GRANDE DO CHÃO FORNO do Gafanhão. Num deles, nos caboucos (espaço onde funciona o rodízio) foi instalado em 1948, um equipamento para produzir energia e o proprietário, Laurindo Rodrigues de Almeida, por imaginação sua, usufruir de luz elétrica em casa, muitos anos antes da eletrificação do concelho. Tudo demonstrado no meu livro “Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura” (foto ao lado) editado pela turbinaCâmara Municipal, então presidida por JOÃO AUGUSTO MATIAS PEREIRA que, para além das elogiosas palavras da “NOTA PRÉVIA” deixada na abertura do livro, marcou a sua presença na cerimónia do lançamento com o seguinte discurso oral:

«Castro Daire - Indústria, Técnica e Cultura»  é uma obra do Dr. Abílio Pereira de Carvalho, um autor já consagrado em virtude de muito que tem dado de si, do seu tempo e da sua competência ao estudo aturado de múltiplos aspetos histórico-culturais do concelho. Para além de inúmeros artigos em diversos órgãos da imprensa regional, o Dr. Abílio já deu à estampa diversas obras (...) Nos últimos tempos, o autor, aproveitando a licença sabática, lançou-se a um grande empreendimento que é um autêntico inventário da indústria e da técnica que deu àIMG 1913 nossa cultura uma identidade própria. Caracterizado por um visualismo muito próprio do investigador, o Dr. Abílio viveu, nos últimos tempos, um nomadismo característico de quem, não se poupando a esforços, percorre montes e vales para elaborar um trabalho de índole científica e proporcionar (...) uma tradução fiel do mundo que nos rodeia. Foi desta procura incessante dos factos e do intento de conhecer «in loco» a realidade, que resultou o conhecimento do saber e do saber-fazer retratado em «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura». Pela minúcia revelada, pelo conjunto de atividades tratadas e porque cremos que constitui um valioso testemunho, tanto para o presente como para as gerações vindouras, em boa hora deliberou a Câmara Municipal responsabilizar-se financeiramente por esta primeira edição. Aos senhores professores peço que utilizem este rico inventário do património espalhado pelo concelho para que as nossas crianças e jovens conheçam este elo de ligação entre o presente e o passado. Agradeço-lhe esta obra em nome do concelho e fique ciente que a Câmara nada mais fez que, dentro da política cultural adotada, apoiar uma obra de um castrense acerca do que é nosso e que é para nós».

Foi em 1995. Há quanto tempo, senhoras e senhores! O autor das palavras que acabei de transcrever, então Presidente da Câmara, nas listas do PSD (o autor do livro era do PS) faleceu prematuramente de “doença incurável”.

incurável tem sido a minha saga neste vício de calcorrear o concelho, a investigar a nossa História. Os usos, costumes e tradições das nossas gentes. As astúcias, técnicas e inteligência usadas na luta pela sobrevivência ao longo de séculos, neste pedacinho de Portugal periférico. TERRA. GENTE. ANIMAIS. As suas ferramentas manuais, industriais e artesanais, agrícolas e outras, tudo aquilo que já deu corpo aos artigos dispersos na imprensa local/regional, e nos meus livros publicados, tal como disse João Matias.

POÇANHEIROQuantos anónimos conquistadores, povoadores e lavradores interpelei nestas minhas andanças, anos seguidos,  por terras nossas, esses autênticos “heróis da terra” sem hino glorioso atribuído, muitos dos quais nunca viram o Atlântico, distintamente dos “heróis do mar” tão cantados e nacionalmente conhecidos? O pecado do CENTRALISMO, não é apenas, político e administrativo. É também   CULTURAL, como bem evidente deixei, há dias, naquela crónica onde presenciei um amigo a pedir a outro o seu sombreiro para se abrigar da chuva. Usar um objeto cujo nome não correspondia à função para que foi requerido: proteger da chuva e não do sol. 

Recentemente divulguei o “poçanheiro”, a sua estrutura física, a matéria-prima de que era feito e o respetivo funcionamento. Um equipamento lavrado em granito, digamos que uma peça pré-histórica, na cronologia da técnica da rega automática, na medida em que permitia esvaziar uma poça, um tanque ou qualquer reservatório de água, sem necessidade de intervenção humana. Quer dizer, essa pedra de dois furos paralelos (ver foto) assente ao alto numa das paredes do reservatório, esse “engenho”, esse “poçanheiro” foi um diligente criado ao serviço do proprietário, a todo o tempo. Noite e dia, frio ou calor, chovesse ou nevasse.

CUBO PERPENDICULARE, neste ano de 2019, andando eu na cola dessas pedras, que não são tão vulgares assim devido aos custos e trabalho incorporados (autênticas peças de museu) um senhor do lugar do Sobrado, concelho de Castro Daire, de seu nome António Duarte Gomes, falou-me de um moinho hidráulico, em ruinas, que, no seu dizer, possuía dois cubos: um colocado na posição perpendicular e outro na vertical.

Pedi-lhe para me dizer onde era. Ele, gentil e prestável, conduziu-me lá na sua carrinha. Mas, afastado da estrada, para o ver e chegar até ele não foi coisa fácil para mim.

Primeiro, e usando a expressão desse senhor, na sua linguagem chã e serrana (sempre fui sensível a esta “fala” pouco comum, nos livros,  mas muito utilizada entre a gente da serra) eu tinha de “azangar” um muro de xisto, com cerca de 1,5m de altura. Olhei, mirei, remirei e não tive outro remédio senão fazê-lo sozinho sem ajuda de escada e mãos alheias. Mas oCUBO VERTICAL moinho estava lá, atrás daquele arvoredo, junto à ribeira. Eu tinha de vê-lo. Tinha de lá chegar. E vai daí, toca a “azangar”. Um pé aqui, num buraco, mão acolá, firme como garra de águia, agarrada a uma pedra segura, pé numa talisga e joelho acima assente no topo, 80 anos de vida e de experiência a gatinhar, passaram para o outro lado do mesmo jeito. Longe do olhar dos meus filhos e surdo às suas advertências distantes, a primeira dificuldade estava ultrapassada. Quem “azangou” aquele muro (no sentido de saltar por cima)  não foi um cidadão de cerca de OITENTA ANOS de idade. Foi o jovem que, no vigor da vida e futuro longínquo, subiu às cerejeiras dispersas por terras de Cujó, passou de pernada em pernada, ligeiro e leve como um estorninho ou melro. Foi o pai e professor que, na serra do Montemuro, no Penedo Lorcado existente nos arredores de Picão, ensinou os seus filhos a escalar aquele rochedo, vigiados por pai e mãe, mas sem ajuda de nenhum deles. Aquele exercício de subida era a lição simbólica da acensão na vida: sem cunhas nem ajuda de terceiros. A lição contida no adágio popular: “na vida, quem quiser bolota, trepa”.

PICÃOMas voltando ao moinho do Sobrado, “azangado” o primeiro obstáculo, caminhei lameiro acima ouvindo o murmúrio das águas da ribeira. E no sítio da “Mãe de Água” lá estava o edifício à minha espera. Mas estava implantado num plano superior ao que eu pisava. Para chegar até ele, tive de “azangar” (no sentido de saltar para cima) mais outro muro de socalco e passar a perna aberta sobre dois arames de vedação. Sem isso não podia filmar, nem fotografar, por dentro e por fora, o objeto da minha pesquisa. Ossos do ofício. Ao chegar pareceu-me ouvir as “boas-vindas” dadas por aquelas paredes inertes e em ruínas, as mesmas que viram moer incontados alqueires de milho e de centeio granjeados na serra.

BOCA CUBOFeito o trabalho, conseguidos os meus intentos, regressei ao ponto de partida, desdobando agora a meada de dificuldades em sentido inverso. Mas atingi os meus objetivos. Um, era satisfazer a minha curiosidade, sempre insatisfeita no domínio da descoberta e do saber. Outro, era deixar “pro bono” mais um registo fotográfico, fílmico e escrito, sobre um equipamento ligado à indústria moageira tradicional concelhia, movida a energia hidráulica. Um moinho que teve inicialmente um CUBO VERTICAL, lavrado em blocos de granito, integrado no alinhamento da parede da empena mais alta (tão raros são eles), substituído depois por um CUBO PERPENDICULAR de manilhas de fibrocimento. Tudo em ruínas. No interior só existe a mó fixa. O restante equipamento “foi à vida”, enquanto eu por aqui continuo na minha lida.  Ora façam o favor de ver fotos e vídeo.

 https://youtu.be/CDmolD9qAyE

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.