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terça, 01 janeiro 2019 13:44

GRAVURAS DO CÔA (2)

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IDA AO MUSEU

Passados oito anos após a crónica que deixei no meu velho site “trilhos-serranos.com”, relativa à inauguração do MUSEU DO CÔA, feita pela Ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, em 2010, crónica escrita após quinze anos dobrados sobre a polémica que teve eco na imprensa, nos cafés, passeios e mais sítios onde toda a gente botava opinião, uns em defesa da BARRAGEM, desvalorizando o achado arqueológico, e outros em defesa das GRAVURAS, valorizando-as como património ímpar da arte humana sobre pedra.

 

Avô e NetosOs primeiros agarrados ao pendão da ECONOMIA e DESENVOLVIMENTO material imediato e os segundos ao slogan cultural estudantil: «AS GRAVURAS NÃO SABEM NADAR», claramente contra o seu afundamento nas águas da BARRAGEM.

Eu, à minha maneira, fiz coro com estes últimos, ao ponto dos meus amigos e colegas “cultos”, pródigos que eram em “chistes”, me desafiarem a encontrar nas margens do rio Paiva gravuras semelhantes, pois também nelas não faltavam painéis “xistosos”, adequados a tal arte. Mas eu...dizia, ultrapassado que foi tudo isso, em 29 de dezembro de 2018, com 79 anos de idade, acompanhado do meu filho Valter, da sua companheira Sandra, dos seus dois filhos, da minha neta Mafalda e neto Guilherme, fui visitar o MUSEU DO CÔA.

MUSEUEstacionámos a viatura, digamos que no varandim do edifício. Ao lado, de um plano mais elevado, cercado com rede, contemplámos a panorâmica envolvente, os rios, vales e montes. E os meus olhos apressaram-se a descer a encosta que, no princípio da polémica, nos idos anos de 95 do século XX, desci, na companhia da minha esposa, para vermos e fotografarmos “in loco”, o objeto da “descoberta arqueológica”. Esse achado que, mais tarde ou mais cedo, por força da sua preservação se veria embrulhado nas burocracias do costume, nas formalidades inerentes às instituições que, tutelando os bens culturais, dificultam o usufruto livre daquilo que tão livremente foi executado e deixado ao luar pelos nossos ancestrais paleolíticos, ignorantes de canetas, papeis, tintas e visitas guiadas.

Nessa minha primeira visita, fotografei algumas gravuras e junto duma delas a minha esposa, Mafalda Carvalho, professora de História, dedo a apontar como se estivesse numa sala de aulas, frente a um quadro de ardósia. Pois, é que nesse tempo, diferentemente dos tempos que correm, o professor, fosse qual fosse o seu ramo de saber, não dispensava o quadro de ardósia, o giz e o apagador.

IMG 1216Passaram anos sem lá voltar. E quando o jovem encarregado de nos vender os bilhetes de entrada no MUSEU perguntou ao meu filho se eu tinha mais de 60 anos para beneficiar do desconto estipulado para idosos, esbocei um sorriso que ele nunca chegará a entender, a não ser que leia este meu apontamento. Sorri, porque foi isso mesmo que eu pensei naquele ano distante que ali fui pela vez primeira. Sorri porque aquele jovem, zeloso da sua função e dever, estava longe de imaginar os “chistes” que recebi por defender a salvaguarda das gravuras em xisto, contra aqueles que defendiam a BARRAGEM. E, a meu modo, na escola e fora dela, dei um modesto contributo à existência do MUSEU que agora lhe dá emprego. Pois foi. E os “riscos rabiscos” ali estão agora a dar nome e corpo ao MUSEU DO CÔA.

Adquiridos os bilhetes de entrada, perguntámos se podíamos “tirar fotografias”. Que sim, senhores. E podia lá ser o contrário? Se as imagens correm mundo na Internet digitalizadas, para que tolher que naveguem nos barcos, batéis, almadias possíveis e disponíveis, depois de terem escapado à morte por afogamento?

PAINEL-GUILHERMEFotografei e fiz vídeo. Este apontamento, além de ser ilustrado com fotos tiradas nessa minha primeira e longínqua visita, vendo-se numa delas, como disse,  da minha esposa Mafalda (falecida em 1997), tempo de câmaras de rolo, 35mm, a remeterem-nos, ironicamente, para um estádio evoluído do registo de imagem fotográfica, face a este nosso tempo de câmaras digitais incorporadas em todo o objeto portátil, telemóveis e quejandos, todas elas visando o mesmo fim, tais objetos são bem um hino de louvor aos nossos avoengos paleolíticos que na pedra, picando ou riscando, deixaram o retrato, as imagens dos animais que então povoavam a região e com os quais eles lidavam.

Depois da visita ao Museu fomos almoçar no restaurante integrado no edifício, com vista panorâmica para as montanhas e o vale do Côa. Mas, sem que nenhum dos “turistas” circundantes se desse conta, eu, mais do que saborear a refeição solicitada, a minha degustação não se ficou circunscrita às linhas circulares dos pratos, nem ao tilintar dos talheres que, de mesa em mesa, cumpriam a sua tarefa. A minha degustação levou-me até esses tempos distantes de controvérsia pública e as minhas papilas gustativas avivaram-me o paladar e deram-me o sabor de um combate HISTÓRICOGuilherme E IRMÃ, cujo vencedor foi a CULTURA. E que sabor esse, o meu, de ver aqui, neste pedacinho de Portugal Interior, um promissor polo de atração e desenvolvimento, contrariando a fatal tendência de deixarmos que tudo se entorne para o mar e para os centros urbanos que levaram à desertificação e desequilíbrio demográfico, cultural e científico do país que somos.

Em lugar algum jamais me soube tão bem um café, como remate da refeição.

À despedida subimos, mais uma vez, ao miradouro. E na retina retive toda a paisagem envolvente. Fabulosa! Há quem prefira Punta Cana, Haiti...Benidorm e se reclame culto e viajado pelo mundo inteiro...mas a mim encanta-me cada canto nosso, destes cantos geográficos, históricos e culturais, turisticamente esquecidos por entre estas nossas serras e montes.

O meu filho Valter prendou-me com a foto panorâmica que abarca os rios Douro (à esquerda) e o Côa (à direita) como que adivinhando ser nas águas de um rio que, diferentemente das gravuras rupestres, os meus olhos se afundarão para sempre. Despedi-me.

https://www.youtube.com/watch?v=W0wEINdpixE&feature=youtu.be

Panorâmica

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.