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segunda, 19 fevereiro 2018 14:24

CASTRO DAIRE - ESCADÓRIO DA CAPELA DAS CARRANCAS (2)

Escrito por 

 HISTÓRIA VIVA

SEGUNDA PARTE

Mesmo assim, nesta SEGUNDA PARTE das minhas reflexões sobre as obras feitas no escadório, prossigo na minha lengalenga, repescando para aqui um texto que publiquei a propósito do «repuxo» que foi colocado no meio do Largo das Carrancas e julgo ser oportuno relembrar, pois,  como disse então e repito agora, aquela fonte só pode voltar a ter vida e a ser admirada, nestes tempos em que tanta gente sábia e empenhada no desenvolvimento do concelho, enche a boca PATRIMÓNIO, de TURISMO e de TURISTAS. Assim:

 Carrancas-Fonte-2009 - REDZ«Duas bicas com carrancas esculpidas? eis a «Fonte das Carrancas». Por cima dela, um templo?  eis a «Capela das Carrancas». Ao lado dela, uma casa brasonada? eis o «Palacete das Carrancas». Enfim. Eis a força e o valor da água. O templo perdeu o nome do orago. O palacete perdeu o nome dos proprietários. Tal é a importância das fontes.  Esta secou. As minas donde brotava a água, na encosta do Calvário, pela força do urbanismo e do imobiliário, entupiram-se. As águas sumiram-se nos alicerces dos prédios que ali foram construídos. Tempos idos. HISTÓRIA NOSSA.  

Quem sabe algo disto? Quem sabe que o dono do palacete foi Bispo, que teve nome de batismo, e, da mesma família, Luís Malheiro Peixoto de Lemos Melo e Vasconcelos, foi Barão e Capitão-mor de Castro Daire,  menino que nasceu em 1811 e o título recebeu em 1840? Quem sabe disto, afinal, sem recurso a qualquer sebenta? Quem conhece a família Pinto Basto e a família Lacerda Pinto, cujos nomes e rasto, agora, em geral, o vulgo, ignora? Sabem-no os estudiosos, os historiadores metidos nas andanças das leituras e da investigação, que, com estudo, alguma felicidade e sorte, para aquém das sepulturas deles, conhecedores são de que só as Carrancas se livraram da garras da morte, único nome que identifica a trindade: fonte, palacete e templo. Obras feitas no século XVIII, inacabadas no princípio do século XX, chegados os princípios do século XXI, eis que o escadório, com estilo e com gosto, mostra finalmente o genuíno rosto. Mas retornemos ao que escrevi e publiquei há tempos, aquando do repuxo posto no Largo, defronte à fonte:

CARRANCAS-1-2-3"Um repuxo luminoso ali mesmo a meia dúzia de metros de um fontanário histórico, que, paradoxalmente, ficou no escuro, seco e sem vida. Um fontanário de carrancas a fazer carrancas a tal serviço. Um fontanário que, recolhido no seu nicho, se interroga como é que estas coisas acontecem em Castro Daire.

O observador crítico que por ali passe, com olhos de ver e de sentir, que leve em conta a história e a arquitetura envolvente, logo se solidariza com as carrancas e não pode deixar também de fazer carrancas ao que vê e sente. Um observador crítico que por ali passe, pára, olha e pensa. O observador crítico deixa-se levar pela ideia peregrina de ver um fontanário histórico recuperado, ativado, arrancado à morte que lhe foi dada pelo progresso,  por força da mudança operada no abastecimento de água ao domicílio. Um observador crítico, mesmo sem ser Abílio, faz contas e não pode deixar de pensar que com o mesmo dinheiro (ou talvez menos) e com o mesmo sistema (o sistema aplicado no repuxo) se podia ter feito algo melhor, algo diferente e mais atrativo, algo que revertesse a favor do património e da sensibilidade que os nossos autarcas e récnicos municipais parece não terem para estas coisas dao património, da cultura e do desenvolvimento.

Fonte Carrancas-1-2010Passe por lá, caro leitor. Passe pelo Largo das Carrancas e faça a sua leitura crítica ao trabalho realizado. Feche os olhos e de olhos fechados veja o que não vê com os olhos abertos: um fontanário de duas carrancas a jorrarem abundantemente água para um tanque e uma cortina de água transparente, a cair de cima, uma simples película, colocada na embocadura do nicho, vedando a entrada ao tanque e às bicas.Tudo artisticamente iluminado!

O quadro que acaba de ver de olhos fechados, não é um simples e vulgar repuxo colocado num largo. É a recuperação de uma peça histórica que estava morta e ressuscitou; é uma peça histórica que jorra atração, poesia e luz sobre o visitante que não se contenta em ver coisas sem alma, que não se contenta em ver simplesmente “coisas”. Visitante que, dando sentido à história e às palavras, se extasia em frente de uma verdadeira, autêntica e poética “fonte luminosa”. Um quadro assim, com o  passado e o presente acasalados - o passado exibindo a sua arte, a sua arquitetura, a sua história e o presente exibindo as suas  técnicas, a sua engenharia, o seu sentido estético, de desenvolvimento e de respeito pelo património - um quadro assim, dizia, é, no presente, o espelho do futuro. O futuro que espera Castro Daire. Um futuro diferente, inovador e não um futuro acomodado à rotina, às ideias feitas importadas». 

CONCLUSÃO

Fonte-escurasO abade Carlos Caria teve uma oportuna e excelente ideia. Quem viu, como eu vi, aquele escadório e adro ao abandono, quem viu ali, escadas acima, escadas abaixo, um quelho com lixo e excrementos, como o Portugal velho de antigamente, sem saneamento básico, só pode louvar a iniciativa.  Infelizmente não vi a "Fonte das Carrancas» a jorrarem água para o tanque. Mesmo com essa lacuna, ao terminar este meu olhar sobre o nosso património e a nossa história, quero repetir o louvor, aproveitando para sublinhar, aqui e agora, a minha anuência pública à sua iniciativa. Dispensável certamente. Mas faço-o por imperativo de consciência, por dever cívico e de ofício. Sempre estive do lado da meritocracia e contra a mediocridade. E mostro como um clérigo, no exercício do seu múnus (zelando pelos bens materiais que estão sob a sua alçada) e um cidadão, socialista, republicano e laico,  também no exercício do seu múnus - Historiador -  têm ambos de comum a sensibilidade para a defesa e preservação do nosso património histórico. É que, agindo assim, ninguém pode negar que o nosso procedimento esvazia de sentido a expressão latina «argumentum ad populum» que, nos tempos da democracia em que vivemos (sobretudo através da URNA facebookiana) tende a confundir a quantidade com a qualidade e, de caminho,  falaciosamente, tende a convencer os ingénuos de  que é verdadeira e válida a opinião que colhe o amém de um certo número de pessoas que, em uníssono, berram a mesma coisa. Mesmo que tais berros não tenham fundamento substantivo com respaldo na experiência da vida, nem esteja escrito nos compêndios da HISTÓRIA da CIÊNCIA e da ARTE.

E volto às CARRANCAS que deram o nome à Fonte, ao Templo e ao Palacete. Nome genuíno, mais repulsivo do que atrativo, mas muito escolhido para ornamentar fontes e chafarizes, em tempos idos. Quisessem, numa atitude conjugada, o Executivo Municipal e o Abade Carlos Caria  (ou outro que o substituirá) e tudo mudaria. Era só transpor para a Fonte o sistema automático aplicado ao «repuxo», deixando livre  este espaço para nele se colocar uma estátua ou busto, do Bispo obreiro, ou do Barão e Capitão-Mor de Castro Daire, proprietário e herdeiro de tudo isto. Isso feito, por força e significado da escultura ali posta, em homenagem à história local, à religião, à política, e à cultura, lembrando aqueles senhores,  desaparecido o lago,  o tempo se encarregaria de fazer esquecer os nomes anteriores. Sim! Pois foram esses senhores e tantos outros com nome de batismo, de antes e depois deles, tanta Maria e tento Zé, sem nome na HISTÓRIA, que fizeram e mantiveram de pé, dignos de memória, este pedacinho de Portugal em que vivemos. 

Eis o contributo e as razões da aderência à mudança de um incréu, que aqui deixa à laia de profecia.  Eu, que não ando à caça de votos, que não vergo a cerviz para ser simpático, que não molho os dedos na pia da água benta, que não gatinho nas escaleiras de Peter até ao patamar da incompetência, que não aspiro à governança da municipalidade,  que não sacrifico a qualidade à quantidade, que não vejo no número de  "likes"  a justificação das minhas opiniões, tudo isto escrevi e disse unicamente no exercício da minha cidadania. Ciente embora que, Infelizmente, há tanta gente, tanto Manel, tanto João, tanto Pedro, tanto Paulo e tanto Zé que não sabem o que isso é. Sem caráter, membros sociais numa hierarquia de continências, de vénias e de conveniências pessoais, de compadrios e clientelas, só dizem e fazem o que lhes é útil, o que está em linha e a favor da  «vidinha» que levam: eles e elas. 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.