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terça, 03 abril 2018 17:45

INDÚSTRIA LAGAREIRA - O AZEITE

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INDÚSTRIA DE AZEITE - O LAGAR 

Segundo J. L. T. de Menêres Pimentel, em artigo, com o título «Technologia Rural», publicado na «Gazeta das Aldeias» no princípio deste século, o moinho de azeite terá derivado do «trapêto» romano, tipo de moinho caseiro movido por mão-de-obra escrava.

 

 

Moinho Soaleira-1994Engenho de fraco rendimento e sujeito a desarranjos constantes terá feito o seu percurso evolutivo no campo da técnica e da História  aportando às terras onde se passearam os conquistadores, Sertórios e Césares, Kalifas e Emires, mais tarde ditas Portugal, onde se tornou conhecido  por «moinho de atiço»,  descrito   por Dalla-Bella no último quartel do século XVIII.

As inquirições de 1259, bem como os forais manuelinos relativos às terras que hoje constituem o concelho de Castro Daire, atestam que o pagamento de foros recaía essencialmente sobre produtos agrícolas e pecuários, mas só no foral de Reriz se alude ao azeite e, ainda por cima, para o isentar do quinto a que estavam sujeitos outros produtos. Assim: «e por tanto decraramos nam se deve de levar dazeite nem castanhas nem de nehumas outras cousas o dito quinto».

 Não constituiria tal isenção uma forma de incentivo à produção da castanha e do azeite? É que não será propriamente por acaso que ao lado do trigo, do vinho, centeio, e milho, a manteiga apareça frequentemente como substituta do azeite. A azeitona, como produto oleaginoso, não assentara ainda, seguramente, arraiais por estas bandas das Beiras.

Não poderá dizer-se o mesmo no que toca às técnicas ligadas às prensas dos lagares de121-2127 IMG azeite, pois sendo elas as mesmas que eram utilizadas nos lagares do vinho, estes são frequentemente associados a campos de vinha na documentação que trata das «deixas» ou compra  de  terras.  Refira-se    o   testamento   do  Abade  de Castro Daire, Dr. Sebastião Rodrigues do Amaral, que instituiu morgado na capela de Santo António da vila, em 1653. De entre esses bens, deixados ao Dr. António Rodrigues de Almeida, consta «uma tapada da Sobreira que tem campos  de vinha, casa de lagar e moita que tudo está pegado sobre si e as vinhas que eu comprei a António Ferrão desta vila e a Bárbara Vieira mulher que ficou de João Resende desta vila = tudo o que comprei a Maria Mendes sogra de Jorge Cardoso conforme o conserto que fez com António Lopes que é vinha e Lameiro e o terço das casas e lagar que tudo parte com o dito António Lopes».

Saltando para o século XVII, e passando em revista os inquéritos mandados fazer por D. José I, em 1758, nas freguesias que hoje estão integradas no concelho de Castro Daire. Só três delas parece possuírem moinhos/lagares de azeite: a de Mamouros, a  de Pinheiro e a de Reriz.

Ribeira de Mamouros«tem alguns moinhos, dois lagares de azeite e um pisão».

Pinheiro«nesta freguesia ha moinhos que servem para moer pão e engenhos para a fábrica de azeite»

 Reriz, somente: «tem multiplicidade de moinhos, menos pisões, noras e outros alguns engenhos».

No que toca a Reriz, como se vê, relativamente aos lagares, a resposta não é tão elucidativa como as anteriores, mas a forma como foi redigida,  deixa entender que, a par  da tal  multiplicidade moinhos também existiam, em menor quantidade, pisões e noras, tal como  outros alguns engenhos que bem podiam ser lagares.

Estamos no ano de 1758 e referindo o inquérito a existência de lagares  de   azeite    em    Mamoauros,   Pinheiro   e   Reriz  isto   nos transporta para a descrição dos moinhos  de azeite, feita por Dala-Bela no século XVIII e a opinião que sobre eles emitiu Ferreira Lapa, que acima interrompemos:

«Era tosco, irracional, impróprio quanto possível (...) um tanque de alvenaria de paredes esconças para o lado de fora, forrradas de táboas, geralmente empenadas e encardidas que na passagem da mó sustinham as azeitonas, sendo necessário que um homem com uma pá as aconchegasse a todo o instante para o caminho da galga. Uma galga de pequeno diâmetro em relação à grande quantidade de azeitona lançada de cada vez; e ao mesmo tempo muito grossa e tão grossa no centro como nas bordas, o que oppunha enorme resistência ao movimento. A mó tocada por uma «engrenagem de nora»cujos atritos e imperfeições necessitavam um grande comprimento na vara a que se atrelavam os bois (...)».

Fomos buscar esta descrição, tão longa quanto baste, porque reportando-se  ela ao moinho de azeite existente em Portugal no último quartel do século XVIII, bem pode dizer-se que, no último quartel do século XX, passados que foram cerca de 200 anos, foi este tipo de moinhos que, sem alterações técnicas assinaláveis, encontrámos no decurso das nossas pesquisas, como veremos.

Com as intermitências próprias inerentes à produção de azeitona, numa região em que as oliveiras se recusam a produzir todos os anos, daí o serem chamadas  "aneiras", produzindo ano sim, ano não, o lagar tradicional de azeite era, nos meados do século XX, um sobrevivente das técnicas saídas do engenho humano. 

O lagar de azeite, seja de tracção animal, seja o hidráulico, consta sempre de duas partes: o moinho, propriamente dito e a prensa. Da prensa fazem parte a trave, o peso, o fuso, a «sertã», a «tarefa», o «sangradouro» e a «talha».

O moinho de tracção animal (ver desenho acima)  é constituído por um pio, rústico e primitivo, com cerca de dois metros de diâmetro na parte superior e um metro no lastro. Pedras por fora e tábuas por dentro, tipo aduelas de dorna que, encostadas umas às outras, assentam perpendicularmente num lastro de pedra, de cujo centro se levanta, na vertical, a árvore de madeira, onde entronca, a meia altura e transversalmente, o cambão/jugo em cuja extremidade se atrela o animal. Geralmente de uma só «galga» com cerca de um metro de diâmetro e 30 cm de rasto girando na vertical. (ver figura  acima)

Do meu livro «Castro Daire ,Insústria, Técnica e Cultura» ,ed. pela Câmara Municipal em 1995 (esgotado). 

NOTA: ESTE TEXTO ESTÁ DISPONÍVEL NO MEU VELHO SITE, DESDE 2004. FOI TRANSPOSTO HOJE MESMO PARA ESTE NOVO ESPAÇO.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.