«Passado que foi este primeiro centenário, considerando o passado da Associação e as iniciativas que se têm vindo a tomar, considerando que as instituições nunca ficam divorciadas das grandes mutações históricas, seja-me permitida uma profecia: o seu segundo centenário será ainda comemorado com mais vigor e brilho, mas não já com a designação de "Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários", mas sim "Associação Humanitária de Bombeiros Profissionais».
Assim mesmo. Em 1984.
E, em 2005, no meu livro com o título «Castro Daire, os Nossos Bombeiros, a Nossa Música» (de 500 páginas de investigação documentada, morosa e séria, que deu muito que falar e, pelos vistos, vai continuar a dar) reiterei a PROFISSIONALIZAÇÃO dos Bombeiros e rematei assim o último capítulo com o título «NA HORA DO RESCALDO»:
«Prestes a dar por finda a tarefa que me propus levar a cabo, poderia dizer, em linguagem bombeiral, que chegou a hora do rescaldo, o fim do fogo, o retorno ao quartel, a recolha de tamancos, de botas, de agulhetas, de mangueiras, enfim, a hora do descanso merecido. Mas não, mesmo a terminar, em consequência de tudo o que ficou dito, é tempo de lançar a faísca e de dar nota do incêndio que, mas tarde ou mais cedo, terá de dar-se no sistema organizativo dos Bombeiros Portugueses. Será o tempo de outras músicas, de todas as corporações de bombeiros afinarem por diapasão diferente do que tem vigorado até agora. Pode levar tempo. Mas lá chegaremos». (pp. 497)
E chegámos mesmo, neste ano de 2017. Mas foi preciso haver a tragédia que varreu Portugal inteiro, foi preciso a perda de teres e haveres, foi preciso haver animais e seres humanos torrificados no braseiro que foi o país do litoral ao interior, do norte ao sul, para, como eu disse em 1984 e em 2005, se procedesse ao SISTEMA ORGANIZATIVO DOS BOMBEIROS PORTUGUESES, seguro de : «poder levar tempo, mas lá chegaremos».
E chegámos. E o SISTEMA da «Proteção Civil», por agora, e pelo que ouvi na televisão, separa as águas: aos BOMBEIROS PROFISSIONAIS caberá, doravante, a responsabilidade de apagar os fogos florestais e aos BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS a defesa de pessoas e bens. O primeiro passo está dado. O segundo virá seguramente. E não é preciso ser profeta para dizê-lo. Basta ser historiador e saber que a HISTÓRIA é o que é, e não aquilo que se quer que seja.
Ao historiador basta-lhe deslizar na barra cronológica do tempo, conhecer os factos, associar interesses e vontades, vislumbrar e conhecer os seus fundamentos, ter presente a mentalidade corporativa, registar atitudes semelhantes às que vociferou o senhor Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Jaime Marta Soares, no último Congresso, em Lisboa, neste ano de 2017, dirigindo-se ao Primeiro Ministro, António Costa e ouvi-lo naquele tom inflamado e ameaçador (cito de memória) mais palavra, menos palavra: «os soldados da paz farão guerra a quem puser a nossa paz em causa», isto é, se não forem ouvidos nem achados na Reforma da Proteção Civil anunciada pelo Governo. Apesar dos gestos, das palavras e do tom em que foram proferidas, o Governo não se intimidou e, pelos vistos, só lhe deu conhecimento da nomeação do novo Comandante desse organismo, General Mourato Nunes, ex-comandante da GNR. É o que se conclui do desalento manifestado frente às câmaras das TVs, dizendo, em tom pacífico, que não passaria de "bibelô" na reunião para que foi convocado, dado tal nomeação ser «um caso consumado».
Abílio/novembro/2017