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segunda, 03 abril 2017 14:22

BAIRRO DO CASTELO - A IGREJA MATRIZ E AS PEDRAS DAS MURALHAS

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REQUALIFICAÇÃO URBANA 

Castro Daire teve ou não Castelo (3)

Regressando a alguns números atrás deste jornal voltemos ao Inquérito mandado fazer por D. José I aos responsáveis por todas as Paróquias do Reino e às respostas dadas pelo Reverendo de Castro Daire.

 

Matriz1Sabemos que ele respondeu, numa assentada só, ao lote de perguntas que vão da 22 à 27 inclusive, dizendo «do número vinte e dois até vinte e sete inclusive não há que responder». E sabemos também de que  no universo dos itens sem resposta estava o item 25, que visava apurar sobre os efeitos do terramoto de 1755 nas freguesias e o item 26 que visava apurar se nas freguesias havia «muralhas, praça de armas, castelos, torres ou coisa digna de memória» Estas respostas, a serem dadas, algo esclareceriam sobre a História Local e, não o sendo, cabe-nos continuar a estranhar a atitude do Reverendo e, à falta delas, descortinar as possíveis razões do seu silêncio.

No que toca ao item 25, ficámos conversados no artigo anterior. No que toca ao item 26, vamos ver.

Habituado a fazer história não só a partir dos factos e acontecimentos relatados nas fontes e nos estudos, mas também - difícil tarefa - a partir do não dito que neles se pode descortinar,  se corri como galgo em busca de respostas que não encontrei, como paciente perdigueiro pus-me, pé ante pé,  a farejar o que é que poderia esconder aquela maneira de arrumar a questão, dado o assunto não ser de somenos importância.

Não havia muralhas, castelos, torres ou coisa digna de memória? Será que, em 1758, o responsável pela paróquia de Castro Daire ignorava a tradição ligada a D. Dinis, tradição essa que atribuía a autorização da pedra do castelo poder ser utilizada na obra da Igreja?  Tradição  que chegou 'vivinha da silva' aos nossos dias? Tradição oral que Jorge Cardoso passou a escrito no ano de 1666? Será que o pároco de Castro Daire ignorava o importante livro que dava peloR.Virtudes3 extenso e significativo título, «Agiologio Lusitano dos Santos e Varões em Virtudes do Reino de Portugal e Suas Conquistas Consagrado aos Gloriosos S. Vicente, S. António Insignes Patronos desta Ínclita Cidade de Lisboa e a seu ilustre Cabido Sede Vacante, composto pelo Licenciado George Cardoso, natural da mesma cidade, Tomo III, que compreende os dois meses de Maio e Junho com seus comentários, Lisboa na Oficina de António Craesbeek de Mello, Impressor de Sua Alteza, ano de 1666»?  Não era este livro, pelo seu conteúdo, indispensável ao múnus do Reverendo de Castro Daire ou a todo e qualquer clérigo que se prezasse da profissão, digo, vocação, que escolheu? Não era? Repito a pergunta.

Bem! Mas se ele não respondeu a estas duas perguntas, o mesmo não fez em relação a outras, nomeadamente à do item18, àquela através da qual se procurava saber se na terra havia, ou notícia de ter havido, homens insignes em letras, armas e virtudes. A esta respondeu ele, de pronto, com a  alegria do caçador que não quer regressar a casa de grade às costas. Levantada que seja a caça, bacamarte à cara e... pum! Tiro e queda: «Foi natural desta vila o Pe. Sebastião Vieira da Companhia de Jesus que padeceu martírio no Japão em tormentos de covas».

Cópia de Muro-Leitão3-RedPois é. Trata-se exatamente de um dos  «homens de virtude» que Jorge Cardoso incluiu no Agiologio Lusitano. Nem podia deixar de ser. Mas ao fazê-lo, este autor, começou por localizar geograficamente Castro Daire, por falar na Ponte Pedrinha  e só se referiu a Sebastião Vieira depois de ter passado a escrito a tradição D.Dinis/ castelo/igreja. Só na sequência disso, e reportando-se à igreja, diz: «Nela recebeu água do S. Baptismo o Pe. Sebastião Vieira, ano de 1571, insigne mártir da Companhia que passou de Portugal ao Oriente a primeira vez no ano de 1602, onde foi vice-provincial de Japão e Administrador Apostólico daquele tiranizado Bispado, até derramar seu sangue na corte de Yendo, imperando Xogum, a 6 de Junho de 1634, sendo de idade de 63 anos (...)».

Ora, se a informação para a resposta do Reverendo de Castro Daire, à pergunta 18, foi repescada do Agiologio Lusitano, como é legítimo inferir, então o Pároco de Castro Daire teria de conhecer, forçosamente, a  tradição D. Dinis/castelo/igreja. E a conhecê-la, legítimo é perguntar porque é que a omitiu, optando por, comodamente, incluir a resposta no lote daquelas que achou por bem dizer «não há que responder».

MatrizClaro que não ponho de lado a hipótese de ele ter obtido a informação por outras vias, mas mesmo que assim fosse, nunca deixará de estranhar-se ele ignorar o Agiológio e o que este livro refere, de importante, sobre Castro Daire; ele ignorar a tradição oral que Jorge Cardoso registou, a mesma que chegou aos nossos dias. E se  Jorge Cardoso valorizou e passou a escrito essa tradição depois de ela correr de boca em boca cerca de 300 anos, muito mais estranho se torna o facto, de ela não ter merecido, uma letra que fosse, escrita pelo reverendo de Castro Daire,  passados que foram apenas a 92 anos, após a sua passagem a letra de forma.

Porquê? O tempo era de relações tensas entre a Coroa e o Altar. Dizer, nessa altura, que a Igreja tinha aproveitado as pedras do castelo, símbolo político, mesmo com a remota lembrança de que tal teria sido autorizado por D. Dinis, bem podia contribuir para agravar esse tipo de relações. O melhor era omitir. E foi o que o Reverendo fez. Com uma cajadada matou dois coelhos.

Se o raciocínio que perpassa por todas estas minhas interrogações está certo, eis mais um clérigo que, pela sua subtil fuga à pergunta, se antecipou aos estudiosos que, também eles homens de igreja, se recusaram, no século XX, a ver a pedra do castelo levantar as paredes do templo.

É o caso do Pe. Rodrigues da Cunha. Num poema dedicado ao «castro» ele diz:  «o castro erguido ao alto» era «votado ao deus Ario» e as pedras, desfeito o castelo, serviriam para «torça ou verga do solar mais belo». Pedras provenientes de um edifício votado a um deus pagão - Ário -  indignas seriam de estruturarem um templo cristão. Vade retro! Na Igreja não. Mas ou vos mostro que sim.

E parece que Alberto Sampaio, ao dizer que foi em «torno do campanário» que se formaram as vilas do norte de Portugal, não terá aqui razão. A vila de Castro Daire, se não quiser negar o seu próprio topónimo, o seu próprio bilhete de identidade, terá de aceitar que cresceu em torno do «crasto». A igreja veio depois. E são abundantes as pedras que, nos painéis da Igreja (foto 1), nos muros próximos e habitações vizinhas (foto2 e 3)  do  «bairro do castelo» apresentam marcas evidentes de serem provenientes de outras construções.

Cf. «Notícias Castro Daire» 24 de Março de 2005

ADENDA: Já depois destas crónicas publiquei o livro «Castro Daire, Igreka Matriz» (edição do «Notícias de Castro Daire». De borla. O Jornal pagou as despesas da «impressão» e recebeu e recebe o produto  dos  exemplares vendidos . Nesse livro está explicada toda a problemática da utilização das pedras das muralhas do velho  «CRASTO» na IGREJA MATRIZ e outras construções urbanas e muros de socalco.. 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.