Em 8 de Novembro de 1954 foi averbado no mesmo alvará o nome do novo proprietário, Carlos Emílio de Mendonça Oliva, como herdeiro que foi do seu antecessor proprietário. E nesse nome se manteve até ao ano de 1967 quando foi transferido para Maximiano Ramos que o há-de transmitir aos seus herdeiros.
A chaminé de tijolo que hoje sobressai acima do telhado não é a de origem. Ela foi construída em 1964, depois de iniciada a papelada de transferência de propriedade que se deu em 1967.
Nas três imposições estipuladas no Alvará de 1933 lê-se o seguinte:
1- Construir uma cúpula de chapa de ferro que conduza o fumo para a chaminé.
2- O depósito de lenha ficará em local especial afastado do forno.
3- Possuir água e areia em quantidade suficientes para serem usadas em caso de incêndio.
Sabido isto, direi que, neste meu cuidado de historiar o passado próximo e longínquo de Castro Daire, contactei o seu herdeiro Leonel Ramos, da Farmácia Moderna, que, por sua vez, inteirado dos meus propósitos, contactou o irmão José Manuel Ramos, o qual, com a gentileza, prontidão e amabilidade que o caracterizavam e distinguiam como dirigente bancário que foi nesta vila, rapidamente se prestou a fornecer-me a documentação e os esclarecimentos complementares necessários ao seu historial.
Adquirido por Maximiano Ramos, este e a sua esposa, Dona Maria do Céu, decidiram ganhar a vida acordados, enquanto a generalidade os vilãos dormiam. É a sorte de quem se dedica a fazer o pão para os outros comerem. Ele era o forneiro, ela a que tratava das farinhas e temperos. Ela mais comunicativa que o marido, quem é que se não lembra da D. Maria do Céu, do «pão da Maria do Céu»? A sua simpatia e a fama da qualidade do pão que fabricavam chegavam longe. Forasteiro que o provasse, todas as vezes que passasse por Castro Daire, ia comprar e saborear o «pão da Maria do Céu».
Numa primeira fase e sob a gerência deste casal no seu forno cozia-se também o pão do Bairro do Castelo. Amassado, fermentado e tendido nas casas particulares era levado em tabuleiros ao forno para cozer. A «poia», isto é, a maquia que ali deixava cada cliente, era o pagamento.
A evolução veio a acabar com essa modalidade e troca de serviços. Mas, por alturas da Páscoa, era ver chegar as doceiras, a D. Violeta, a D. Maria do José da Laura, a D. Palimira, a D. Aurora e outras mais que ali chegavam com a massa pronta a entrar no forno e a sair dali sair cozida para os consumidores. Era o bolo-podre, a fogaça e o pão-de-ló. E a broa triga-milha, essa mistura de trigo e milho, faz lembrar o pão meado de centeio e milho que, já no século XIII, os naturais da serra pagavam de foro ao rei. Mistura onde o trigo destronou o centeio.
O forno era uma escola. Era, simultaneamente, um local de trabalho, de convívio e de passatempo. Pois então na altura, todos gostavam do calor físico e humano que naquele espaço usufruíam. E onde é que os polícias de giro iam passar parte da noite e matar as manhãs frias de Inverno, senão no forno, junto da D. Maria do Céu, que nunca lhes faltou com a simpatia, boa disposição e um pãozinho quente com manteiga?
Depois da Dona Maria do Céu deixar a profissão que sempre exerceu com zelo e simpatia, a responsabilidade passou, por aluguer do forno, para António José da Silva Almeida, mas, com a sua morte prematura, ainda que continuasse a laborar por algum tempo, o seu fim estava anunciado. Fechou as portas nos finais de Outubro de 2006. O «pão da Maria do Céu» passou à história e à memória., Já não é em todas as bocas que as papilas gustativas têm presente e transmitem ao cérebro o seu sabor.
Situado na parte antiga da vila que se vê cair aos bocados em cada canto, pergunto-me quando é que a «Senhora Cãmbra» trava tudo isto e se preocupa em transmitir aos vindouros um pouco do nosso património urbano habitacional, comercial e industrial. Um pouco da nossa história, dos nossos valores identitários neste confuso mundo da globalização, sem odores, nem sabores?
ABÍLIO/2007
Nota postuma: No dia 02 de Novembro de 2008, a D. Maria do Céu foi a enterrar. Muita gente assistiu ao seu enterro e muitos dos que ali estavam não era para serem vistos pelos familiares e amigos. Estavam lá, isso sim, lembrados e agradecidos do «pão sobejo» que ela lhes dava depois de cada fornada, mitigando-lhes a fome. A sua benfeitora de tempos idos, chegou ao fim dos seus dias, mas o reconhecimento do bem que ela fez prolomgou-se para aquém da sua vida.
MAIS PALAVRAS PARA QUÊ?
ADENDA: PROCEDI À MIGRAÇÃO DESTE TEXTO, IPSIS VERBIS, DO MEU VELHO SITE PARA O NOVO E ATUAL, SOMENTE POR CERTAS COISAS QUE SE PASSAM NA NOSSA TERRA...A BEM DIZER O SILÊNCIO QUE RIBOMBA QUE NEM TROVÃO...
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