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sábado, 18 fevereiro 2017 15:06

ÁLVARES, Joaquim José, de Soldado a General - 2

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HISTÓRIA VIVA

Eis as últimas batalhas de um General que, depois de ter o peito cheio de medalhas pelos bons serviços prestados à Rainha e ao Reino, acabou a sua carreira militar acusado de nepotismo e coisas mais. Seria verdade? Ou ontem, como hoje, quando as pessoas se tornam incómodas, se lança sobre elas o labéu condenatório conveniente a quem acusa? No rascunho de uma carta manuscrita dirigida ao seu sobrinho «Francisquinho» a trabalhar, então, no Ministério da Guerra, ele deixa ver claramente que as acusações de que está a ser vítima, não só são falsas como injustas. 

 

Digitalizar0015Do espólio que adquiri na casa que foi de Maria José de Almeida Matos Cardoso Girão, viúva de Fausto Figueiredo Feio Cardoso Girão, bisneto do General Joaquim José Álvares (cuja biografia resumida já figura neste site) faz parte uma «Certidão» assinada em 1864 pelo Juiz de Direito Domingos José de Carvalho Araújo, de Vila Real, onde se lê que, por falecimento de Dona Maria Carlota Feyo de Figueiredo, tendo-se procedido a um «inventário de menores», que tinha por Cabeça de Casal a sua irmã Dona Mariana Ezequiel Feio de Figueiredo e marido Bacharel Bernardo Pereira Figueiredo Rebelo, se procedeu à divisão de parte de umas casas e quintal, sitos na Rua de S. Pedro, em Vila Real, em que figuravam, além dos nomeados, os coerdeiros «Joaquim José Álvares e seus filhos, Dona Maria, Dona Rosa e Joaquim» a quem coube, feita a partilha da casa,   «todas as outras partes e o quintal».

 No mesmo espólio, para além dos manuscritos relativos à carreira militar do General, figura ainda a minuta da «Escritura de Doação» que Joaquim José Álvares fez à sua filha Maria Carlota e ao filho Joaquim, dado que a filha Rosa tinha falecido em Julho de 1863, cujo funeral, se rodeou de pompa e circunstância, como muito bem demonstra o rol das despesas, onde se vê, para além de outras, a verba de 12$300rs com que se gratificaram 30 clérigos, um licenciado e o sacristão.

Temos assim que o General deixou uma filha e um filho e deles mais não saberíamos caso não figurasse no mesmo espólio um maço de correspondência trocada entre os irmãos, pai e alguns amigos.

Como entendo que o historiador, olhos posto no passado para iluminar o presente, numa perspetiva clara da «História Nova», não se deve ficar pelas glórias e grandezas dos protagonistas da narrativa histórica, mas também relatar as misérias, as desgraças e os interesses pessoais que movem esses mesmos protagonistas (ou disso são acusados), vejamos como o General, que encheu o peito de medalhas pelos bons serviços prestados à Pátria, teve, no fim da sua vida, de travar outras batalhas e certamente sem aquele ânimo com que combateu os miguelistas.

Não longe do fim da sua vida, viu-se acusado de nepotismo e também de suspeitas e acusações de «má gestão» do quartel que comandava, no que respeitava à aquisição de alimentos e de fardamentos. 

Em 21 de Janeiro de 1862, sendo, então, comandante do Regimento de Infantaria 13, em Chaves, com a patente de Coronel recebe, com a advertência de «reservado», um ofício com o timbre da «5ª Região Militar», assim redigido:

«Ilusmº. Senhor

Remeto a V. Sª a inclusa cópia de [carta] que hoje recebi pelo correio desta vila. Conquanto eu não dê crédito ao que aí se encontra relatado porque deposito em V. Sª a melhor confiança e o considero como oficial justíssimo e de toda a retidão, como é mister para um Coronel Comandante de um Corpo e porque por divisa só deve ter a igualdade e imparcialidade na distribuição da justiça e recompensa ao mérito; quero, contudo, dar a saber a V. Sª o que chegou ao meu conhecimento relativo à maneira como se diz pretenderem preencher a vacatura de um 1º Sargento que há no Corpo de um Comando para que V. Sª me informe do que se há passado a este respeito; apurando que no andamento de tal prudência se cumpram fielmente as instruções regulamentares na parte relativa à promoção dos oficiais. Deus Guarde a V. Sª. Quartel-general em Chaves 21 de Janeiro de 1862»

De facto, o conteúdo da «cópia» da carta a que alude o ofício transcrito, também com o timbre da «5ª Divisão Militar», parece não ser nada favorável ao Coronel, devido à decisão que, alegadamente, ele tomou, relativa à promoção de um sargento, preterindo outro que estava mais bem colocado. Assim:

«Exmo. Senhor,

 É para V. Sª que se apela contra uma prepotência que o senhor Coronel do Regimento 13 quer fazer e facto é o seguinte:  V. Ex.ª leia, analise o facto e verá que temos um Comandante mais que despótico. Aí vai o facto: vagou o 1º Sargento da 6ª Companhia e o senhor Coronel chamou o Comandante da Compª. e perguntou-lhe quem propunha para 1º Sargento. O oficial respondeu-lhe que [era] o seu 2º Sargento Sousa, que estava suspendido há muito tempo, que tinha cumprido bem os seus deveres. Porém o Senhor Comandante ordenou-lhe que propusesse o Sargento Gomes da 1ª, calcando assim todas as leis militares. Agora vamos à conduta deste Sargento: tem inúmeros castigos por diferentes faltas e a maior parte delas gravíssimas; é um estúpido e um homem em que se não pode depositar grande confiança, quando no Regimento há 2ºs Sargentos dignos por todos os princípios; conheceu, portanto, que ainda que pelo exame seja vencido é escusado porque o Comandante de certo não faz outro. V. Exª como um General fará, como todos esperam, justiça e não consentirá que assim se calque aos pés as nossas leis. Está conforme. Quartel General em Chaves, 21 de Janeiro de 1862. J.F. Ventura. Ajd. d' (ilegível)»

O Coronel, face a estas acusações (fundamentadas ou não?) tenta defender-se junto das hierarquias, mas no final, como vimos no discurso de despedida que ele ditige aos militares do seu Quartel, no qual deixa a entender que foi forçado a reformar-se e retirar-se das lides castrenses, refugiou-se na sua «Quinta de Tirvide» (servida pelo Correio da Régua)  como mais demoradamente explicarei na Biografia que estou a elaborar.

Rezende-Quinta do Paço-1908 - CópiaE não lhe bastando tudo isto, no fim de uma carreira militar brilhante (se calhar invejada) também as coisas não iam muito bem nas relações com a sua filha. É isso que se vê na troca de correspondência entre os três, seja, a filha mais velha, Dona Maria Carlota Álvares de Figueiredo Feio, a residir na Quinta do Paço, S. Martinho de Mouros, Resende, e Joaquim José Álvares de Figueiredo Feio, a residir na Quinta de Paredes, Régua. Eis a troca de «mimos» entre os três, escritos numa só folha de papel dobrada ao meio, sinal de que, chegando ao destinatário, o subscrito retornou à procedência. Nele vemos que o filho escreve ao pai, chegado que foi a casa da irmã, na Quinta do Paço:

«Meu querido Pai do Cº

Aqui cheguei com saúde encontrando minha irmã boa e o marido Figueiredo. Faça muito por se conservar pois a sua vida é muito precisa principalmente para mim.

Se não fosse os cuidados e as saudades que tenho por meu Pai estava aqui muito, muito bem, mas tenciono demorar-me poucos dias por esse motivo.

O seu filho muito extremoso, verdadeiro amigo Joaquim».

Logo a seguir à assinatura do Joaquim, na mesma face do papel, a irmã Maria, começa a escrever ao pai, texto que ocupa as duas laudas seguintes e nelas, para além de se mostrar satisfeita com a chegada do mano a sua casa -  Quinta do Paço -  tenta sensibilizar o pai no sentido de ele deixar de «estar zangado» com ela. Assim:

«Meu querido Pai do cº

Fiquei contentíssima ao ver chegar o Joaquinzinho, mas ele está impaciente por ir para lhe fazer companhia. Diga-me como passa de saúde e não esteja ainda zangado para mim, não? Quando tiver a ventura de o ver aqui creia que me perdoará tudo só por ver a certeza de que tem uma filha completamente feliz em todo o sentido e a quem só a amargura a saúde do meu caro Pai que adoro como sempre.

Não sou mais extensa porque tenho cá muitas visitas.  Jantou ontem aqui o Girão, tenho cá também o Pe. Hermenegildo e a Mª Emília prometesse para a semana com 8 dias de demora.

Saudades do meu marido para o meu caro Pai e a Piedade também se recomenda e ambos nós à Maria e mais pessoas amigas incluindo neste número toda a família dos senhores Pintos Machados. Aceite um saudosíssimo abraço da sua filha extremosíssima e sempre do cº
Maria. Quinta do Paço, 23 de Julho
».

D. Carlora-1912 - CópiaO filho não datou a carta, a filha referiu-se ao mês omitindo o ano, mas o pai que, no mesmo papel, respondeu ao filho, não esqueceu o dia, o mês e o ano. Não disse foi uma só palavra acerca do que incomodada a filha. E até ironizou chamando à Quinta do Paço «essa linda Corte». Assim:

«Querido Quim do cº

Datada de 23 do corrente vejo que chegaste a essa linda Corte sem novidade o que estimo e que a todos encontraste de saúde a qual eu igualmente gozo e gozarei enquanto Deus quiser.

Faz muito por ter saúde e enquanto às muitas saudades que dizes ter por meu respeito muito e te agradeço, pois o céu te pagará essas finezas. Verdade é que a tua companhia me é sobremaneira satisfatória, assim como a tua ausência sensível, mas em tudo sei disfarçar convicto de estar gozando a melhor companhia. Vejo o que dizes, porém só mesmo [a] um pai como eu é que se reconhecem finezas e gratidões. Porém Deus super omnia como tu em todo o tempo te julgues feliz, nada mais se pretende. Eu gozo saúde e vivo sossegado e tranquilo. Recomenda-me à Senhora Piedade e Maria  e desta Maria receberás igualmente. Teu saudoso Pai, Quim. V.R. 25 de Julho de 68».

Extremoso para com o filho, frio e distante para com a filha, esta carta teria sido, seguramente, uma das últimas redigidas pelo punho do General. A par das acusações que lhe foram feitas de nepotismo, somavam-se as frias  relações com a filha. Um guerreiro a bater-se desde os dezasseis anos de idade nas fileiras do Exército, tinha aqui uma das suas últimas batalhas. Carta escrita em 25 de Julho de 1868, ele viria a falecer em 18 de Novembro do mesmo ano.

Dez anos depois, o filho, Joaquim José Álvares de Figueiredo Feio, em missiva dirigida à irmã escreveu pesaroso: «faz hoje dez anos que faleceu o nosso saudoso pai». Para o General Joaquim José Álvares tinham acabado as batalhas e as medalhas. Não foi assim com os filhos. Havemos de ver isso mais desenvolvidamente, quando o tempo mo permitir. 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.