Trilhos Serranos

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quarta, 15 fevereiro 2017 13:53

REGIMENTOS MILITARES - ORGANIZAÇÃO DO EXÉRCITO, 9

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HISTÓRIA VIVA

Quem tem acompanhado estas minhas reflexões e transcrições de  textos sobre os REGIMENTOS MILITARES (chegamos ao número NOVE, o número do meu alistamento como soldado) já percebeu que a organização das TROPAS no tempo de D. Sebastião e D. João IV sobre o  RECRUTAMENTO à força ou voluntário por este Portugal fora se foi alterando e adequando aos tempos. Não podia ser diferente no tempo do Príncipe D. João (futuro d. João v) que assumira a REGÊNCIA DO REINO, quando a sua mãe, a Rainha D. Maria I, enlouqueceu em 1792.

Já vimos, a propósito dos jovens de Cujó, (um aprendiz de ferreiro e outro pastor) que conseguiram escapar às mãos dos imprevistos recrutadores e, consequentemente, furtarem-se às  «vexações e violências que em casos de recrutamento violento se tem algumas vezes praticado», como reza o ALVARÁ, com força de Lei, assinado em 1797, diploma que empresta autenticidade aos dois episódios mantidos na MEMÓRIA ORAL.

 

Mas a ORGANIZAÇÃO MILITAR que o Príncipe Regente e os seus Conselheiros de Guerra puseram no terreno, não se ficou pelo recrutamento voluntário privilégios concedidos por D. João IV, após a Restauração da Independência, como já vimos. A sanfona começava a tocar mais fino para todos os vassalos, fosse qual fosse a sua condição social. Lembram-se de D. Sebastião elevar à condição de cavaleiro, (mesmo que não o fossem) todos aqueles que assumissem os cargos militares, desde o Cabo de Esquadra ao Capitão Mor? Vamos ver o que pensa agora o Príncipe e futuro Rei D. João V, em 1797:

D. João V - REDZ«Declaro e ordeno  que da publicação deste Alvará em diante, aqueles dos meus vassalos que não tiverem legítimo impedimento para me servirem na Tropa por causa das ocupações civis, ou políticas e se considerarem hábeis pelos seus serviços, para pretenderem, em remuneração deles, Bens da Minha Coroa e Ordens, Títulos e outras Graças de semelhante natureza, não sejam admitidos, nem respondidos com Mercê alguma dos referidos Bens da Coroa e Ordens de qualquer qualidade que sejam e em que não tiverem  vida, ou qualquer outra Mercê anteriormente concedida, sem que mostrem estar voluntariamente empregados  no Serviço da Tropa regular do meu Exército, ou das Armadas, ou de serviço nelas o referido espaço de seis anos.

Item, ordeno que a mesma condição hajam de verificar aqueles que aspirarem à honra de servirem-me no meu Ministério de Criados da minha Casa».



Quer dizer, a partir a publicação deste diploma todos os vassalos eram obrigados a alistar-se no Exército e na Armada. Era inútil alguém alegar as "ocupações civis e políticas" que eventualmente desempenhasse. Bastava que fossem considerados hábeis para a tropa e ala, em frente marche. E o mesmo para quem aspirasse desempenhar funções administrativas ou outras na Casa Real. Em primeiro lugar estava a tropa. E desse serviço também não se iam livrar os que até ali passavam a vida na ociosidade, a administrar morgados bens vinculados. Ficava esclarecido que, não lhe sendo retirado esse estatuto, concorrendo para «decoro e conservação do Reino, servindo nas Armas ou nas Letras», nova obrigação tinham a partir de agora. E de duas uma: ou se alistavam, ou eram obrigados a participar nas despesas militares com um QUINTO dos bens administrados. Assim:

MORGADIOS«E porque sendo a amortização dos Bens Vinculados admissível nos Governos Monárquicos, não só para o estabelecimento e conservação da Nobreza, mas também para que hajam Nobres que possam com decência servir ao Rei e ao Reino, assim na Paz como na Guerra, é urgente e conforme a causa pública que para não serem tão pesados os referidos Bens, os possuidores deles, desprezando a ociosidade, concorrem  para o decoro e conservação do Reino, servindo nas Armas ou nas Letras: ordeno e declaro que todas as pessoas que daqui em diante houverem de suceder em Morgados e Capelas e, consequentemente, em Bens Vinculados Patrimoniais, de regular sucessão na forma das Minhas Leys e forem hábeis para servir a Tropa e havendo chegado à idade de vinte anos não tiverem assentado Praça voluntariamente, ou mostrado legítimo impedimento para o fazer, contribuirão para as despesas da Tropa com o Quinto dos sobreditos Bens vinculados que possuírem, a exemplo do que pelos Bens da Minha Coroa e para as urgências do Estado contribuem os Donatários dela, sendo porém a cobrança da contribuição penal que nos referidos termos devem prestar os sobreditos Administradores particulares, promovida pelas Provedorias encarregadas de fazer cumprir os Encargos Pios dos mesmos Vínculos pela facilidade que têm os seus respectivos Magistrados de examinar nas suas repartições com toda a exatidão e vigilância (que muito lhes recomendo)  quais sejam os Administradores que devendo servir ao Rey e ao Estado querem antes incorrer na sobredita pena».

Claro.  Se os Bens da Coroa participavam com o QUINTO dos seus rendimentos para as despesas militares, porque raio se haviam de isentar desse encargo os bens vinculados que polvilhavam o Reino, instituídos em morgados e capelas? 

Dito isso, D. João V  (e os seus CONSELHEIROS MILITARES) ciente de que na guerra havia baixas, «mortos, ausentes e inválidos», esclarece como e onde se devem recrutar os soldados em falta. Assim:


«Item, ordeno e declaro  que os Recrutas que daqui em diante se levantarem , ou para completar os Regimentos ou para acrescentar o Exército, ou ainda os Recrutas Provisionais que em todo o tempo devem estar prontas para se preencherem as Praças dos mortos, ausentes e inválidos, sejam feitas e extraídas das Povoações compreendidas nas diversas freguesias voluntariamente e com a boa fé que espero da fidelidade e amor dos meus Vassalos e da obrigação que eles tem de concorrer para a defesa  do Reyno, como para o seu próprio e particular interesse, o número competente que lhe couber em rateio conforme o método que Eu houver por bem  prescrever às pessoas que forem por Mim encarregadas desta importante comissão. Sendo cada um dos recrutados da idade de dezoito até quarenta anos, constituição robusta, bem morigerados, e daqueles cuja falta seja menos sensível à cultura das Terras a ao progresso das Artes que devo promover, animar e proteger (...)

Pelo que mando ao Meu Conselho de Guerra, ao Duque de Lafões, Meu Prezado Tio e Marechal General dos meus Exércitos, Concelho da Minha Real Fazenda, Junta dos Três Estados, Mesa da Consciência e Ordens, Regedor da Casa da Suplicação, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, Generais e Governadores das Províncias, Inspetores Gerais dos Meus Exércitos, provedores e mais Magistrados das Comarcas dos meus Reinos o cumpram e guardem pelo que lhes toca e o façam cumprir e guardar por todas as mais pessoas a quem competir. Dado no Palácio de Queluz, aos vinte e três dias de Fevereiro de mil setecentos noventa e sete". PRÍNCIPE».


Que diferença esta! Viram bem? Fazer o recrutamento pelas «diversas freguesias voluntariamente e com a boa fé que espero da fidelidade e amor dos meus Vassalos»!. Estivesse  este Alvará em vigor quando os tais recrutadores foram a Cujó e nem o aprendiz de ferreiro, nem o pastor tinham de dar às-de-vila-diogo, pois protegidos estavam por despacho real, empenhado em engrossar as fileiras do seu  EXÉRCITO com vassalos dos «dezoito até quarenta anos (...)»,  mas preferencialmente «daqueles cuja falta seja menos sensível à cultura das Terras e ao progresso das Artes que devo promover, animar e proteger (...)».

Olhem só! (esta expressão devo-a ao meu neto Guilherme, de quatro anos, que, olhos e dedos no Ipad, esforçando-se por iniciar-me no jogo digital do «Super Mário», face à minha tacanhez, insistia: "olha só, avô, olha só!), o PRÍNCIPE, dizia eu, futuro D. João V, apelando ao  voluntariado, deixa em diploma a vontade de não se retirarem da agricultura e das artes aqueles que nelas fizessem falta! E eu, que nasci e cresci a esgravatar a terra, de enxada, aguilhada e arado na mão,  quase dois séculos passados, mal cheguei aos Capa-Redz18 anos de idade, ignorando este privilégio real, ala, corri a alistar-me voluntariamente no Exército, em 1958. No mesmo quartel que, cem anos antes (1859) teve como  COMANDANTE  JOAQUIM JOSÉ ÁLVARES,  a quem, seguramente, pertenceu o «VADE MECUM» que tenho andado a escalpelizar. Ele chegou-me às mãos no espólio que recebi da CASA GIRÃO, de Castro Daire,  incluído no monte de manuscritos relativos à sua carreira militar. Um monte de documentos que «in extremis» (desconjuntados e soltos) evitei que apodrecessem no Aterro do Planalto Beirão, que recebe todo o lixo das redondezas.  Documentos que não existem, sequer, no ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO. Disso dei prova na BIOGRAFIA  resumida que, em 2005, publiquei no meu velho site e remeti ao DIRETOR daquele Arquivo, em Lisboa e ao Regimento de Infantaria 14, em Viseu. BIOGRAFIA essa que, depois de ser descoberta e lida por um DESCENDENTE do militar,  me pediu autorização para fazer uso dela no seu BLOGUE e mais alguns manuscritos, cuja cópia lhe forneci de boa fé. Após o que não foi sem estranheza minha que vi esse descendente acrescentar, errada e abusivamente, dois apelidos de FAMÍLIA ao nome desse militar. Apelidos que ele jamais usou (por não ter) em toda a sua carreira, desde SOLDADO a GENERAL. Fiz-lhe ver esse erro, por e-mail, contudo, não fui ouvido, alegando-se, como explicação, que ele somente não "assinava" com  tais apelidos. Não "assinar" é coisa diferente de não haver REGISTO desses apelidos associados ao seu nome em nenhum documemto OFICIAL e PARTICULAR durante doda a sua carreira militar, desde 1808, data de alistamento com DEZASSEIS ANOS DE IDADE, que remete o seu nascimento para  1792 e não para 1790. E tivesse esse parente feito a devida leitura hermenêutica de todos documentos disponíveis, inclusive os que resultaram da sua investigação v.g. o que se refere ao nascimento e casamento do dito Vaz Guedes, TENENTE à data em que o não Vaz Guedes já era CAPITÃO, dois anos antes, tivesse feito isso, e atentasse também nos nomes das MÃES (que são diferentes)  ele concluiria tratar-se de dois irmãos, de diferente idade, filhos do mesmo pai e mães distintas. Um deles usava esses dois apelidos, o outro  não. Ambos militares obtiveram as promoções na carreira em anos diferentes e também o nome e número dos filhos que cada um deles teve, mostram tratar-se de pessoas distintas. Pelo que, na minha leitura, sem desprestígio para os parentes, mas bem pelo contrário, honroso e nobre era descobrir-se a autenticidade de todos estes laços de parentesco e explicá-los sem necessidade de adulterar a IDENTIDADE de cada um deles. É que nestas coisas da história pátria, mal anda quem exibe os brasões da fachada nas moradias da família, quem se arroga à  nobreza de sangue e, por conveniência de família, numa atitude bem pouco nobre, adultera a identidade dos seus protagonistas, porque dá jeito.

(Ver, neste site, a BIOGRAFIA - resumida - de JOAQUIM JOSÉ ÁLVARES - DE SOLDADO A GENRAL)



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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.