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segunda, 13 fevereiro 2017 18:40

REGIMENTOS MILITARES-PRIVILÉGIOS DOS SOLDADOS AUXILIARES, 8

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HISTÓRIA VIVA

Decorria o ano de 1645. D. João IV estava sentado no trono, a cinco anos da RESTAURAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA. Havia que proceder à organização militar e reforçar a defesa nas fronteiras. 

Não vou falar das fortalezas que se construíram no seu reinado, mas omitir nesta série de crónicas que me dispus a escrever sobre a forma como se procedia ao recrutamento para a tropa, tomando por exemplo aqueles os dois mancebos que, em CUJÓ se não deixaram arrebanhar pelos recrutadores aparecidos de imprevisto, era um lapso meu de lesa coerência na linha do conhecimento e esclarecimento que resultam da investigação e das leituras afins à temática visada. Assim, aqui deixo:

D. JOÃO IV-REDZ

«EU EL REY. Faço saber aos que este meu Alvará virem que, por desejar que os que se alistarem nas companhias de Soldados auxiliares, o farão de melhor vontade e se animem a me servir com mais gosto, daqui em diante na maneira que se lhes ordenava pelos Oficiais a que a disposição dos mesmos Soldados tocar, houve por bem de lhes conceder os Privilégios abaixo declarados: que não sejam obrigados a contribuir com peitas, fintas, taxas, pedidos, serviços, empréstimos, nem outros alguns encargos dos concelhos, nem lhes tomem casas, adegas, estrebarias, pão, vinho, palha, cevada, lenha, galinhas e outras aves e gados e assim  bestas  de cela e de albarda, não as trazendo a ganho. Que gozem de todos os Privilégios do estanque do tabaco que sejam filhados nos foros da Casa Real aqueles que melhor o merecerem  conforme a qualidade das suas pessoas, aos quais terei particular cuidado de mandar prover nas propriedades e serventias dos Ofícios que vagarem nas suas terras e nelas couberem. Que gozem dos mesmos Privilégios dos Soldados pagos todo o tempo que estiverem alistados e posto que deixem de ir às Fronteiras por não ser necessário, se lhes terá respeito como se servissem na guerra. Que os que tiverem um ano de serviço das Fronteiras na forma do Regimento se poderão  isentar de ir a elas, pedindo-o eles e em seu lugar se nomearão outros. Que os Capitães e Oficiais, enquanto o forem, dos Auxiliares gozarão dos mesmos Privilégios da gente paga e se lhes passarão Patentes ALVARA-INÍCIO-REDassinadas por mim como os mais, reputando-se-lhes o tal serviço como se fora feito nas Fronteiras do Reino em viva guerra. Tento que os Soldados Auxiliares  forem alistados logo isentos dos mais alardos das Ordenanças: que os bagageiros que se alistarem para acompanharem os mesmos soldados, além de se lhes pagar os caminhos até entrarem no Exército pelos preços da terra, e depois na forma, que por conta da Fazenda Real se costuma fazer, gozem dos Privilégios do estanque do tabaco e dos mais Privilégios contidos no princípio deste Alvará e da mesma maneira se entenderá nas pessoas que forem servir em sua companhia de gastadores:  que assim os Soldados como as mais pessoas referidas servirão somente nas Províncias de cujo distrito forem e nos Lugares das Fronteiras sujeitas ao seu Governador das Armas: que aqueles que corem servir cora do limite de seus Capitães, serão obrigados mostrar certidão de como ficam alistados debaixo da bandeira de outros para poderem lograr o Privilégio e saírem com suas bandeiras quando for necessário: que com consentimento dos Soldados Privilegiados demitindo eles de si os Privilégios em favor de seus pais, ficarão gozando deles os mesmos pais somente. E para que os referidos Privilégios venham à notícia de todos, os mandei imprimir e remeter às Câmaras para que os escrivães delas havendo-os registados em seus Livros passem  deles certidão aos que estiverem alistados somente;  e sendo assinados em Câmara pelos Oficiais dela se lhes dará fé e crédito em toda a parte para gozarem dos Privilégios acima declarados, advertindo aos mesmos Oficiais que quando faltem pessoas que espontaneamente se alistem, eles terão cuidado de buscar e escolher tais Soldados por sua via e de qualidade e partes que oferecendo-se ocasião de mandarem para as Fronteiras não faltem de nenhuma maneira1;  e porque à conta das Câmaras há de ficar socorrer  os Capitães, Oficiais e Soldados e mais pessoas que  com eles forem até chegarem ao primeiro Lugar da raia para que forem conduzidos, as Câmaras que não tiverem bastantes rendas para fazer a despesa na ocasião se poderão valer para o mesmo efeito dos rendimentos das sisas por ordem do Provedor da Comarca, lançando-se no cabeção de mais o que para a tal leva for precisamente necessário. O qual Alvará quero se cumpra e guarde tão inteiramente como nele se contém, sem contradição alguma, posto que seu efeito haja de durar mais de um ano e não passe pela Chancelaria sem embargo da Ordenação do Livro segundo, Título trinta e nove, parágrafo quarenta, que o contrário dispõe. António do Couto Franco o fezem Monte-Mor o Novo a vinte e quatro de Novembro de mil e seiscentos quarenta e cinco. Gaspar de Faria Severim o fiz escrever. REY».  ("REGIMENTOS", p.p 262-260- 265)

Longa foi a transcrição deste Alvará. E face aos excertos que já deixei digitalizados anteriormente, nos quais vimos o "arrebanhamento" forçado dos mancebos para as fileiras da tropa;  nos quais vimos o "fumo" a ser usado como sinal de alerta nas vigias em lugares e portos de mar; nos quais ouvimos o repique do sino a tocar a reunir a Ordenança e bem assim os Privilégios dados por D. Sebastião, elevando à condição de cavaleiros (mesmo que o não fossem) os graduados encarregados de reunir e comandar as tropas, temos de convir que este Alvará de D. João IV, fazendo mercê de todos os Privilégios nele consignados e a forma deles serem conhecidos por todos os vassalos do Reino através do PODER LOCAL, conteúdo registado em todas as Câmaras pelo respetivo Escrivão, reflete não só uma filosofia diferente de  recrutamento dos "soldados auxiliares" mas também, de forma circunstanciada, «as vexações e violências  que em casos de recrutamento violento se tem algumas vezes praticado», como denunciaria D. Maria, uns anos mais tarde. 

RECAPITULEMOS: a bem do esclarecimento e do vislumbre do ânimo acalentado na alma da gente camponesa, face ao recrutamento forçado para a tropa, antes e depois do domínio filipino:


ALVARÁ-FINAL-REDZ«(...) Que não sejam obrigados a contribuir com peitas, fintas, taxas, pedidos, serviços, empréstimos, nem outros alguns encargos dos concelhos, nem lhes tomem casas, adegas, estrebarias, pão, vinho, palha, cevada, lenha, galinhas e outras aves e gados e assim  bestas  de cela e de albarda, não as trazendo a ganho. (...) 

Que gozem dos mesmos Privilégios dos Soldados pagos todo o tempo que estiverem alistados e posto que deixem de ir às Fronteiras por não ser necessário, se lhes terá respeito como se servissem na guerra. Que os que tiverem um ano de serviço das Fronteiras na forma do Regimento se poderão  isentar de ir a elas, pedindo-o eles e em seu lugar se nomearão outros. Que os Capitães e Oficiais, enquanto o forem, dos Auxiliares gozarão dos mesmos Privilégios da gente paga e se lhes passarão Patentes assinadas por mim como os mais, reputando-se-lhes o tal serviço como se fora feito nas Fronteiras do Reino em viva guerra. Tento que os Soldados Auxiliares  forem alistados logo isentos dos mais alardos das Ordenanças".


E saibam os meus leitores amigos, todos os que aqui me seguem ansiosos de aprenderem o que ignoravam, que isto dos camponeses verem assaltadas as suas «adegas, estrebarias, pão, vinho, palha, cevada, lenha, galinhas e outras aves e gados»  era coisa que vinha de longes tempos e por longes tempos, espaços e latitudes se manteria,  dentro ou à margem de todos os REGIMENTOS MILITARES. Bastava, para tanto, que houvesse  soldados camponeses. Mas tais atos gloriosos, estou disso certo, não se converteram nas medalhas que ornamentaram o peito daquele jovem militar que, assentando praça como soldado em Bragança, disposto a enfrentar as hostes napoleónicas, chegou ao posto de General de Brigada, feita que foi Guerra Peninsular e implantado o Regime Liberal, que, por ser seu defensor, lhe valeu o degredo para Moçambique, por decisão de D. Miguel. Já escrevi e publiquei a sua BIOGRAFIA resumida neste meu espaço. A ele pertenceu o VADE MECUM que tenho vindo a escalpelizar com evidente proveito próprio e para todo aquele que gosta de conhecer a nossa HISTÓRIA, extraindo dela a lição individual ou institucional que reverta para o BEM COMUM

E presumo que ex-proprietário desse VADE MECUM, o militar que foi Comandante do Regimento de Infantaria 14, de Viseu, cem anos antes de eu ali assentar praça como soldado voluntário, sabia muito mais do que cevar um arcabuz, com mecha ou sem ela; sabia muito mais do que manejar uma espada; sabia muito mais do que fazer uso expedito de um mosquete e, em termos atuais, muito mais do que saber de cor e salteado o manual de uma G3..

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.