HISTÓRIA VIVA
Estamos no ANNO DOMINI 1570. E D. Sebastião, recorrendo aos eficientes meios de comunicação coletiva da época (à Internet do seu tempo, os sinos das igrejas) a fim de, pela melhor forma, se processar o "ajuntamento" das tropas integradas nas ORDENANÇAS dispersas pelas cidades, vilas e aldeias de Portugal, tropas sem quartel, com Rei, mas sem Roque, com muitas rocas a fiarem o linho e a lã com que vestia o Reino camponês que ele governava e com quem contava para icombater os Mouros em Marrocos. Não era ainda o tempo dos quarteis, das casernas, das camaratas, tempo do clarim a tocar a "alvorada" e a "silêncio". E quantos militares fizeram a tropa, a guerra, com galões, divisas ou sem coisa nenhuma, sem saberem nada disto? Enfim, D. Sebastião determina:
«(...) E porque é necessário para os ditos Capitães e gente de cada lugar se ajuntarem quando cumprir e lhes for mandado pelo Capitão Mor, haver algum sinal para que se ajuntem e acudam aos lugares e para isso forem ordenados, e o melhor e mais conveniente sinal é repique de sino: ordeno que nos ditos tempos se repique um sino da cidade, vila ou concelho, qual para isso se ordenar, o qual se repicará por certo espaço e da maneira que se assentar para que se entenda e conheça que é para efeitos de se ajuntar a dita gente. Ao qual, tanto que ouvir o dito repique, com a mais presteza que for possível, acudirá com suas armas onde estiver o seu Capitão para o acompanhar e fazer o que lhe ele mandar. E nos lugares portos de mar e nos mais onde o Capitão e Oficiais da Câmara parecer necessário, haverá sino para isso somente, o qual estará em boa guarda em lugar apartado.
(...)
E mando que às ditas pessoas, que pela maneira neste Regimento declarada forem eleitas e nomeadas para Capitães e para os mais Ofícios da Ordenança, que sirvam os ditos ofícios sem disso se escusarem. E qualquer que assim não cumprir e se escusar, sem justa causa, incorrerá em pena de dez cruzados e um ano de degredo para África, nas quais penas o Capitão Mor o condenará e dará suas sentenças à execução sem apelação nem agravo.
E mando a todos os meus Corregedores, Ouvidores, Juízes e Justiças que em tudo o que tocar a este negócio e às execuções do que por este Regimento ordeno, deem aos ditos Capitães toda a ajuda e favor que lhe requererem e pedirem todas as vezes que por ele, ou por sua parte, lhes for requerido, porque não o cumprindo assim, além de incorrerem em suspensão de seus ofícios até minha mercê, haverão a mais pena que eu houver por meu serviço.
E assim mando a todas as pessoas de qualquer qualidade que sejam que conforme a este Regimento são obrigados a ter armas e ir com elas em Ordenança nos tempos nele declarados que obedeçam mui inteiramente a seus Capitães (...)
(...)
E posto que algumas pessoas por razão de suas idades e indisposições sejam escusas de ir à Ordenança e exercícios dela, não o serão de terem armas que conforme a dita Lei são obrigados a ter. E os ditos Juízes de Fora e os Capitães Mores dos lugares, onde os não houver, constrangerão todas as pessoas com as penas da Lei a terem as armas da sua obrigação, no dia em que a avaliação de suas fazendas for feita a seis meses; as quais penas serão daqui em diante para as despesas da Ordenança sem embargo de, pela dita Lei das armas, ser a metade delas aplicada para os cativos e a outra metade para quem acusar (...)» (ob. cit. pp. 120-144)
Pois é. Destaco a parte que refere a metade da pena em numerário «APLICADA PARA OS CATIVOS E A OUTRA METADE PARA QUEM ACUSAR».
Sim, sim! O que é que nos faz lembrar isto, nos tempos de hoje? Neste princípio do SÉCULO XXI? Quem é que anda por aí, nos nossos tribunais e fora deles, incluindo jornalistas e outros intelectuais moralistas, a apelar à existência de uma LEI que permita ao ESTADO «pagar» e/ou a «compensar» o ACUSADOR do seu concidadão em falta?
Só falta o REPENIQUE dos sinos sebastiânicos, ou, à moda dos nossos tempos, uma NOTÍCIA VIRAL, qual praga do Egito, a espalhar-se pela WEB, num ESTADO DE DIREITO, a louvar todo e qualquer DELATOR de modo a que este seja recompensado com a METADE DA PENA! É caso para dizer: ó Sebastião, ó Marquês, voltem cá outra vez!?
A HISTÓRIA é uma LIÇÃO!
Hei de voltar ao assunto.