Escusado será dizer que, decorridos tantos anos após a minha saída daquela terra, não foi sem comoção e agrado saber que o meu nome se mantém nos ficheiros municipais de Castro Verde, sem que sobre ele se tenha aposto o carimbo de «persona non grata», apesar de, enquanto ali residi, tornar públicas na imprensa regional, v.g. «Diário do Alentejo» as minhas discordâncias sobre certas decisões políticas locais. Nem podia ser de outra forma. Só pessoas incivilizadas são capazes de segregar e minimizar aqueles que connosco discordam, não se dando conta que é na diversidade de pensamento e ação que podemos contribuir para os melhoramentos locais e uma sadia relação humana.
Devido à idade e à distância geográfica (que não afetiva) que separa CASTRO VERDE de CASTRO DAIRE (dois «castros» com razões sobejas para promoverem a sua GEMINAÇÃO em torno da BATALHA DE OURIQUE, como sugiro no meu livro «Afonso Henriques, História e Lenda») declinei o amável CONVITE e justifiquei as razões disso, aludindo ao CONTRIBUTO que, no exercício da minha profissão e cidadania, sempre dei nestes dois concelhos por forma a que os PODERES consignados na CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA, não só fossem consolidados, mas também alargados, nomeadamente cumprindo-se o grande desígnio nacional da REGIONALIZAÇÃO que tarda a chegar.
Curiosa coisa esta! Recebo um CONVITE para ir a CASTRO VERDE e, declinando embora a minha presença física, pelas razões apontadas, a CASTRO VERDE me transportaram de imediato as MEMÓRIAS e os DOCUMENTOS manuscritos pelos meus alunos que engrossam os meus arquivos pessoais.
Ora, para melhor se entender a existência desses REGISTOS, tenho de recuar ao longínquo ano de 1976, ano em que fui colocado ali, na Escola «Dr. António Francisco Colaço».
Com o SISTEMA DE ENSINO em REORGANIZAÇÃO por força da «Revolução dos Cravos», coube-me lecionar a disciplina Ciências Sociais no CURSO NOCTURNO SUPLETIVO.
Lidando com alunos adultos, não me foi difícil perceber até que ponto as ideologias tinham penetrado nas instituições. Ao silêncio imposto, durante anos, pela DITADURA, sucedia uma gritante anarquia, onde a liberdade assumia laivos de libertinagem, com manifesta falta de respeito pelo «diferente».
Havia que combater essa postura e educar para a DEMOCRACIA e para a LIBERDADE, no exato sentido dos termos. E foi na lógica desse desiderato e consequente ação pedagógica que, em 14 de junho de 1976, muito antes, portanto, de chegarem às escolas normativos legais apelando para esse fim educativo, os meus alunos foram chamados a fazer um «Apontamento Crítico», sobre a «A Gestão Democrática da Escola» com o objetivo primordial da «Tomada de consciência pelo envolvimento nos Problemas».
E foi assim que vieram a terreiro, melhor dizendo, à sala de aulas, as ideias e o contributo que a seguir transcrevo, acompanhados dos manuscritos e nome dos alunos, que sendo já então, adultos (hoje serão, seguramente "idosos", como eu) e, por isso, sentir-se-ão orgulhosos de, com as suas ideias, terem contribuído para o melhor funcionamento de uma «Escola Democrática», para que eu me tornasse melhor profissional de educação e, agora, poder mostrar o quanto eu e eles, dentro e fora da escola, demos o nosso contributo à implantação e consolidação do PODER LOCAL DEMOCRÁTICO nas nossas instituições. Coisa que nem todos os que atualmente tomam assento nas cadeiras do poder, podem dizer. Comparo-os aqueles que, em redor da roda de oleiro, sem apetência para essa profissão, nem meterem a mão no barro, assistem pávidos e serenos à moldagem da «ânfora» e depois da obra feita, servem-se imediatamente dela para matarem a sede com o líquido que tem dentro.
a) JOSÉ MESTRE MARQUES (3. Ano supletivo noturno)
«Aqui dentro desta escola tentou-se formar uma comissão de gestão por intermédio dos N.E.I.P., ou seja, Núcleo Estudantil de Intervenção Política, há perto de 8 meses, onde se preconizava sanear o ex-diretor desta escola, portanto, tudo isso se estudou, mas nada se conseguiu (...)"
b) JÚLIO AUGUSTO VARGAS CHAVES (idem)
«(...) Todo o ensino deve ser debatido por professores e alunos até ser encontrado o método ideal a aplicar.
É necessário que os alunos se capacitem que vêm para as escolas com a finalidade única de se formarem intelectualmente, cirando uma personalidade e um caracter bem vincado. Não creio que seja possível adquirir estas qualidades na anarquia. Sei que os alunos têm tido um comportamento indisciplinado, não respeitando não só os colegas como os seus professores e ainda o próprio edifício onde vêm receber ensino. Na minha maneira de ver o problema, deveria haver mais autoridade da parte dos professores e do Ministério da Educação, coisa que não seria necessário se houvesse mais educação por parte dos alunos e mais sentido de responsabilidade».
c) ALVINA MARQUES AFONSO ROMÃO (idem)
«(...)No que diz respeito às aulas, há-as mal aproveitadas, onde se perde tempo com ninharias que a nada nos conduzem. Esse tempo poderia-nos ser bastante útil. Assistia aulas onde nada foi dito sobre essa disciplina (...)»
d) MARIA LINA MATOSO COSTA (idem)
«(...)O que diz respeito às aulas eu gostaria que se tratassem de assuntos que nos interessassem e não de política, como acontece em certas aulas (...)»
CONTINUA