Nesse cruzamento existe um cruzeiro e dali se vê a povoação da Relva e a ermida de Santa Luzia, situada no outeiro oposto fronteiriço, freguesia de Monteiras. Entre os dois outeiros corre o rio Paivó que, nascendo no Monte dos Testos, desce em direção ao sítio da Louçã e, no seu percurso, rega lameiros, terras de semeadura e faz girar alguns moinhos. Estes montes, sempre foram "corridos" por ribeiros, rios e gentes, como bem rezam as Inquirições de D. Afonso III, do ano de 1258, onde esses topónimos são referidos.
E também aprendemos que, virados a sul, vemos, a olho nu, a vila de Mões e, no sentido oposto, fora do alcance da nossa vista, mas por nós conhecida por ser trajeto obrigatório "pedibus calcantibus" em direção à Senhora do Remédios, em Lamego, fica a aldeia de Várzea da Serra, terras estas (Mões e Várzea da Serra) que pertenceram a Egas Moniz, Aio de Afonso Henriques.
Na escola primária obrigaram-nos a decorar o nome dos reis de todas as dinastias e o nome de todos os rios de Portugal. O Paivó não fazia parte dos livros. Esse era por nós conhecido, porque nele íamos tomar banho, na Galboeira, e o nome nos era ensinado pelos nossos pais, que o aprenderam dos nossos avós, transmitido assim de geração em geração. Esses nossos avoengos sabiam mais de Geografia e de Hidrografia locais do que muitos académicos diplomadas pela Universidade de Coimbra.
Mas nos livros de história, o nome de Afonso Henriques e do seu Aio Egas Moniz, eram aqueles que primeiro se aprendiam, não só por ser ele o Primeiro Rei de Portugal, mas também devido àquela edificante atitude do Egas Moniz ir de "corda ao pescoço" resgatar a palavra não cumprida do seu "criado", junto de Afonso VII, primo de Afonso Henriques.
Aprendemos as valentias e as façanhas desse nosso Primeiro Rei, aquele que de uma assentada só, na Batalha de Ourique, fez rolar pelo chão as cabeças de "cinco reis Mouros". Ora tomem lá!
O que não nos ensinaram foi que esse rei, esse herói, esse "mata-mouros" tinha nascido de "pernas coladas às costas", tolhido, manco, coxo, doença de que veio a curar-se, dizem alguns, através de um milagre realizado no Mosteiro de Cárqure, mosteiro existente no outro lado da serra do Montemuro, a ver o Douro, onde Egas Moniz, seu Aio, o levou e donde ele, depois de feito o milagre, saiu a saltar que nem um cabrito montês.
Especula-se muito sobre isso. Que o rei Afonso Henriques que estudámos no Ensino Primário, esse valentão, não é o verdadeiro filho do Conde D. Henrique. Tendo este nascido aleijado, enfezado, terá morrido e Egas Moniz, homem sabido, tê-lo-á substituído pelo próprio filho, da mesma idade, ou pelo filho de um pastor transmontano, num dia que ia a caminho de Chaves. Pois. Isso não nos ensinaram, na escola. Não vinha a propósito. Mas, seja como for, Egas Moniz era dono e senhor da maior parte destas terras em redondo, desde Viseu a Lamego, incluindo Cujó e Monteiras.
No meu livro "Afonso Henriques, História e Lenda", editado em 2010, digo o seguinte:
"Afonso Henriques andou por aqui (...) pois ninguém pode deixar de admitir que sendo ele "criado" por Egas Moniz não deixaria de acompanhá-lo nas deslocações que fazia pelas suas terras e honras espalhadas pela serra (...) Afonso Henriques andou, seguramente, por estes caminhos, por estas serras, por estes montes". (pp 130-131)
Foi em 2010 que escrevi o texto para aqui repescado seis anos depois. A que propósito? Poderão perguntar-me. E a minha resposta é simples, pois resulta das investigações que fiz posteriormente, correndo povoações, montes, ermidas e cruzeiros concelhios. Numa dessas minhas deambulações vim a encontrar no adro da ermida de Santa Luzia, freguesia de Monteiras, um marco de pedra, coberta de líquenes, patine de séculos, que na face superior , (ver foto) tem inscrita a palavra "MACO". Desse "monumento" fiz o vídeo que alojei no Youtube, mostrando e comentando o achado. (ver link no fim deste texto)
Face às inscrições, conclui que se nasalarmos a letra "A" da palavra "MACO", obtemos a palavra "MÃCO=MANCO", nome que imediatamente relacionei com "MANCÃO", pois trata-se de dois nomes aproximados existentes em dois outeiros próximos fronteiriços um ao outro: o das Monteiras coroado pela ermida de Santa Luzia e o de Cujó, por um cruzeiro trevolado, símbolo cristão pouco vulgar no topo dos montes, onde é muito mais vulgar e frequente a cruz latina de topos quadrados.
Como historiador não vou afirmar que Afonso Henriques, o "manco", ou o "mancão" passou por aqui, antes de receber o milagre em Cárquere, que o pôs mais ágil do que um cabrito e, já adulto, capaz de manejar a espada melhor do que eu manejava a aguilhada, antes mesmo de manejar a caneta. Mas como não tenho "tolhida" a imaginação e procuro nexo entre as coisas, não posso ser acusado de ocultar os resultados da minha pesquisa e as reflexões que elas me permitem. As palavras não caem do céu como a chuva e a neve. Elas carregam em si um significado qualquer, por mais oculto que ele esteja.
Fique, pois, cada um na sua. Eu, assim penso e assim faço os meus registos, permitindo que outros, depois de mim, cheguem a conclusões fundamentadas que a história exige, mesmo aquela que, seguramente, se perde nas teias da LENDA.
Link do vídeo..... https://youtu.be/1ZLPyS6UBn4