PEDRAS QUE FALAM
Nas minhas deambulações feitas, durante anos, pelas ruas, ruelas, quelhos e becos da vila de Castro Daire, mirando, fotografando e filmando janelas, portas e paredes (incluindo muros de socalco), dialogando com as pedras que me falam do nosso passado histórico (mais do que muitas pessoas que se julgam muito sabedoras) aquelas pedras que, depois de eu muito insistir, me confirmaram ser verosímil a tradição registada em 1666 no Hagiológio Lusitano, de António Cardoso, a tradição que dizia ter D. Dinis autorizado a construção da igreja com as pedras do velho "crasto", (não confundir aqui "crasto" com "castelo"), assunto que já tratei amplamente no "Notícias de Castro Daire" e no meu site "trilhos-serranos" versão ".com", em crónicas com o título "Castro Daire, teve ou não teve castelo?", trago hoje, à vista do leitor amigo que se interessa pela HISTÓRIA LOCAL, algumas DATAS que fui encontrando dispersas por torças de portas, janelas e muros de socalco.
Ordenei-as cronologicamente em blocos para efeitos de melhor acomodação a este meu espaço "online". A maior parte delas não oferecem qualquer dúvida. Indicam-nos somente o ano em que a obra onde estão foi feita, e pronto.
Mas três dessas datas não deixam de ser deveras intrigantes. Encontram-se em pedras diferentes, não muito distanciadas umas das outras, no mesmo muro socalco. E uma delas é repetida - 1779. (mil setecentos e setenta e nove), tanto mais intrigante que, estando esta data coberta de líquenes, patine natural, se distingue claramente de uma outra posterior integrada mesmo muro, a poucos metros de distância: 1928.
Encontrei-as no muro do carreiro que, da Ferraria, sobe para a Igreja Matriz, conhecido pelo «Quelho do Passal.. Do lado esquerdo para quem sobre, direito para quem desce, claro está.
Aconteceu até que, em tempos diferentes, quando procedia às pesquisas e revisão do material encontrado, passaram por lá os dois amigos que se deixaram fotografar a apontar para duas delas. A ambos perguntei se por ali passavam com frequência e se tinham notado aquelas datas. Que sim senhor, que passavam, mas nunca se tinham data conta de tal coisa.
Fui então indicar-lhe onde estavam essas datas e pedi-lhe para se deixarem fotografar junto delas apontando-as. Um deles desempenha, recentemente as funções de cantoneiro municipal. Acederam ambos ao meu pedido e a foto aqui fica a ilustrar este apontamento, com os meus agradecimentos a ambos. Pelo menos duas pessoas muito mais novas do que eu, reterão em memória aquele achado e perguntar-se-ão, tanto quanto eu, das razões da sua existência naquele local.
Depois de muito refletir sobre a razão de ali coexistirem três datas, duas delas repetidas, em pedras diferentes que não viram nem régua, nem esquadro, conclui que elas provieram de obras anteriores e foram reaproveitadas na construção daquele muro.
Acontece que a data de 1779 coincide com três acontecimentos muito importantes ligados à história nacional, acontecimentos mas bem longe de Castro Daire. Nesse ano foi fundada a «ACADEMIA REAL DAS CIÊNCIAS, EM LISBOA, a ACADEMIA REAL DA MARINHA, iniciou-se a construção da BASÍLIA DA ESTRELA e terminou a construção do OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO, DE COIMBRA.
É caso para perguntar se, nessa altura, já haveria alguém em Castro Daire que, preocupado com a ciência e com a história, quis deixar gravada em pedra a data de qualquer destes eventos?
Fica o registo para quebra-cabeças dos estudiosos, sobretudo dos ARQUEÓLOGOS, quando em Castro Daire arqueólogos houver que, manipulando as ferramentas científicas próprias da sua especialidade, possam dizer algo mais sobre aquilo que eu já disse, corrigindo-me, completando.me ou desmentindo-me, a mim, que, nessa área do saber, apenas fiz a cadeira universitária obrigatória, e mais não.