Trilhos Serranos

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sexta, 02 setembro 2016 12:33

CASTRO VERDE - TESTAMENTO - III

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 O companhêro e companhêra ainda tém fôlego para prosseguirmos, ou já sufocaram? Respirem fundo. Nã há pressa nenhuma. Lembrem-se que estamos no Alentejo, em São Marcos de Ataboêra, concelho de Castro Verde e decorre o ano de 1867. E, por aqui, nã ter pressa é uma atitude inteligente e nã um sintoma de preguiça. Lêmbrem-se que, nos meados do século XIX,  nã há telenovelas, Internet, Facebook, telemóveis e e toda a «manicaria»  diabólica que conhecemos em 2016. Lêmbrem-se de que estamos na companhia do tabelião João António Figuêra, bota canelêra,  pêna de pato na mão, e da menina Perpetua Joaquina Carlado, grande saia rodada, apertada na cintura,  com o testamento quase lavrado.

 Repartidos os bens e identificados os legatários, «item» por «item» (que nos deram a conhecer o nome de pessoas e de propriedades, tanta coisa não despicienda neste meu processo de «fazer história com gente dentro»)  só falta um niquinho. É a parte que respêta à sua «APROVAÇÃO». E se do ofício de História sabe o historiador, que não cai no ridículo de «querer ensinar o padre nosso ao vigário», do ofício de notariado sabe João António Figuêra, tabelião de "Notas, Público e Raso" no Julgado de Castro Verde. 

Dai,  ele não deixar o instrumento a meio e, em resultado do seu zeloso procedimento, inclusive referindo o número de laudas e linhas escritas, completas e incompletas, «sem borrão ou rasura»,  ficarmos a dever o conhecimento das obrigações legais a que estava sujeito e de alguns nomes e profissões mais, que muito úteis podem ser aos seus descendentes locais vivos que se interessem pela HISTÓRIA GENEALÓGICA.  

Afonso Henriques-16Eu, tal como ele, no rigoroso cumprimento do meu ofício, aqui os deixo, com a nota de constatarmos que a testadora era irmã de JOÃO DE VISEU, ramo da frondosa árvore dos "VISEUS" (mais tarde Mascarenhas) com Monte próximo de São Pedro das Cabeças, onde a tradição situa a BATALHA DE OURIQUE. A essa família  pertenceu Marcos Viseu, que, em 1680, como reza o «Livro das Vereações da Câmara», desse ano, foi escolhido para «depositário do cofre dos órfãos desta vila por ser um homem muito rico e onde seguramente estava posto o dinheiro (...)  cinco ou seis mil cruzados (já que) os moradores (...) homens eram pobres os mais deles (por isso) muitas poucas pessoas capazes do dito cargo»

 O testamento deste homem foi incluído por mim, primeiramente num trabalho académico, depois publicado no Boletim «Castra Castrorum»  e, ultimamente, no meu livro «Afonso Henriques, História e Lenda», editado em 2010

Sim, por mim. Um cidadão natural do distrito de Viseu que, por ironia do destino, se viu a ensinar, a investigar e a divulgar História (tal qual estou fazêndo agora)  nas terras que, em grande parte, foram dele. E vem tudo à colação pela simples razão desse JOÃO DE VISEU ser irmão da testadora e contemplado no testamento com «um trintário de missas».

Irmã dele e ligada ao monte do Laranjo, que veio a ser de Cesário Francisco Lampreia de Brito, nos princípios do século XX, um proprietário que, entre 1903 e 1906 (onde é que já ia a Revolução de 1820 e as leis fundiárias decorrentes?) procurava engrossar o seu património rústico e urbano adquirindo em hasta pública os Bens Nacionais, cuja venda era anunciada em listas espalhadas por tudo quanto era sítio aberto. É o que veremos depois de lermos a «APROVAÇÃO DO TESTAMENTO». Assim: 

Laranjo- TRILHOS«Testamento de aprovação. Saibam quanto este publico instrumento de appprovação de instrumento cerrado virem que no ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos sessenta e sete aos oito dias do mes de março n'esta aldeia de São Marcos, Julgado de Castro Verde e casas de morada de Perpetua Joaquina Carlado, solteira de maior idade e aqui moradora, aonde eu Tabelião ao diante nomeados vim a rogo e chamado da sobredita, a qual sendo presente, de perfeita saude, claro conhecimento, segundo o meu entender e das testemunhas que presentes foram ao diante nomeadas e no fim assinadas, pessoas cujas identidades reconheço de que dou fé, bem como a mencionada Perpetua Joaquina Carlado ser a própria de que trato, por ser de mim e testemunhas bem conhecida e perante estas por ela Perpetua Joaquina Carlado me foi entregue de suas mãos às minhas este papel dobrado, dizendo-me que é o seu testamento que de seu rogo eu tabelião como particular lho havia escrito e ela ditado e aceitado-o eu vi e não li, conheci que era o próprio que dizia que não tem borrão, rasura ememda ou cousa que dúvida faça, que é com effeito escripto por mim, em quatro laudas de papel de alto a baixo e em outra se acham dezasseis linhas, sendo a última incompleta e por baixo se acham as assignaturas da testadora e a minha de cujos sinais comecei este instrumento que estando n`nestes termos fiz  à testadora as perguntas da lei, se é este seu testamento, se o dá por  bom, firme e válido, digo, firme e valioso ao que me respondeu com acerto e juízo, dizendo-me que sem dúvida este é o seu testamento o qual dá por bom, firme e valioso e que n`nele  não quer acrescentar nem diminuir o presente instrumento, em vista do que eu tabelião lho approvei e dou por aprovado tanto posso e devo e em direito me é permitido em razão do meu  publico offício. E para constar lavrei este instrumento que li à testadora em presença das testemunhas simultaneamente presentes a todo este auto. Severino António Guerreiro, casado. proprietário, morador em Castro Verde. Mário Mestrte Lopes, casado, ferreiro. António Godinho, casado, ferrador. António Ignácio, casado, logista, moradores nesta aldeia que vão assignar e a testadora o que tudo posto por fé por se passar na verdade. Eu João António Figueira, tabelião de Nottas n`este julgado que o escrevi e assigno em público e raso. Perpetua  Joaquina Carlado, Severino António Guerreiro, Manoel Mestre Lopes, António Godinho, Anrónio Ignácio, João Antonio Cartinha. Em fé e testemunho de verdade. Logar do signal público. O Tabelião João António Figueira. número vinte e um. Pagou de selo  dois mil e quatrocentos reis. Castro Verde, cinco de fevereiro de mil oitocentos setenta e um. O escrivão de Fazenda J. Bernardo Silva Veloso. O recebedor proposto, J. M. Baião. Nada mais se continha no dito testamento que para aqui fielmente fiz copiar e no caso de dúvida ao número me reporto. Castro Verde , seis de fevereiro de mil oitocentos setenta e um. O escrivão da Administração. Eduardo Antonio Nobre Figueira».

 Afinal, a testadora, de boa saúde em 1867, ano em que ditou  o seu «testamento cerrado», em 1871, esse instrumento de vontades particulares abriu as portas ao público e deu que fazer ao «escrivão de Fazenda J. Bernardo Silva Veloso e ao recebedor proposto, J. M. Baião»  que fielmente o copiaram para os competentes livros, concluindo:  

«Nada mais se continha no dito testamento que para aqui fielmente fiz copiar e no caso de dúvida ao número me reporto».

  E como sabemos tudo isto?  perguntará o estudioso que teve a paciência e a complacência de me acompanhar nesta «romagem a Santiago, perdão, a São Marcos», freguesia do concelho de Castro Verde. Eu lhe explico:

Relógio -1Da família da minha esposa, Maria Mafalda de Brito Matos Lança Carvalho, natural do concelho de Castro Verde, Monte das Fontainhas, filha de Augusta de Brito Matos Lança e de Guerreiro Colaço Parreira Lança,  a sua tia Gina, nada e criada no Monte do Laranjo, a par das ofertas que me fez (um chocalho enorme, que enfeitou o gado dos Britos, de um relógio incrustado numa torre de louça, com uma deliciosa escultura bucólica (um pastorinho descalço, bilha numa mão, cajado noutra, ladeado por três ovelhinhas) e de um polvorinho manufaturado em corno de bovino,  três autênticas relíquias do mundo rural), doou-me, igualmente, alguns manuscritos ligados ao registo de propriedades esquecidos nos fundos de um baú de família. Um deles foi a «Certidão do Testamento» que temos estado a seguir, mandada extrair, em 1914,  dos competentes livros, por um ascendente. Assim: 

 «José Francisco Lampreia, solteiro, proprietário, residente no Monte Carvoeira, freguesia de Entradas, d'este concelho, necessita para fins convenientes que V. Exa. por seu despacho se digne ordenar ao secretário d'esta administração lhe extraia certidão do testamento com que faleceu Perpetua Joaquina Calado que foi da aldeia de São Marcos d'este mesmo concelho. Nestes termos. E.R.J. Castro Verde 18 de Agosto de 1914».

O secretário da Administração, no cumprimento do seu dever, satisfez o pedido em doze «laudas» cujo remate é o seguinte:

 «Nada mais se continha no mencionado registo de testamento que para aqui trasladei por certidão sem cousa que dúvida faça, porque havendo-a ao número me reporto arquivado nesta secretaria. Vai esta  conferida por mim secretário d`administração que de ir conforme dou minha fé publico e raso. Castro Verde e administração do concelho aos dezanove dias do mês de agosto de mil novecentos e quatroze. D`esta pública e raso: seis escudos e dez centavos. E eu António Maria de Brito Torres, secretário da Administração que a escrevi, conferi e assigno». 

O mesmo testamento que me meteu nesta grande trabalhêra, a mim e a todos os compenhêros e companhêras de jornada, por môr da história e do conhecimento. (Continua)

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.