Não fora o artigo online publicado na Revista da Faculdade de Letras de Universidade do Porto, assinado por três docentes (identificados nos apontamentos precedentes) longe estava eu de pensar que voltaria a ocupar-me com a Ermida do Paiva, depois do meu livro "Mosteiro da Ermida", editado em 2001, na peugada de Aarão de Lacerda que revelou o monumento ao mundo estudioso com o seu livro "O Templo das Siglas".
Mostrei que antes dele, que se deslocou pela primeira vez ao local em 1916, já, em 1915, Aires Pinto Marcelino tinha deixado um artigo de página inteira sobre o monumento no jornal "O Castrense", incluindo o desenho da inscrição alusiva ao óbito do Padre Roberto, na era de César de 1198=1160 AD.
Mas este cidadão não era um académico e foi o livro de Aarão de Lacerda que se tornou a pedra angular de uma porta aberta aos saberes e às interrogações posteriores sobre aquele monumento. Isto é, foi um livro que fez doutrina e parece que, para certos investigadores, o saber cristalizou ali. O desenvolvimento dos estudos posteriores sobre os "símbolos e o seu significado" não encaixa ali. O que está dito, está dito e, à boa maneira portuguesa "não se fala mais nisso".
Acontece que eu não perfilho tal filosofia. Estou muito mais sintonizado com o espírito e a letra da PEDRA FILOSOFAL de António Gedeão..."o mundo pula e avança"...por isso, e nesse entendimento, vejamos agora um passo de Arão de Lacerda ("O Templo das Siglas", Porto, 1919, pp 54/55) reportando-se aos elementos de um capitel que encima uma coluna exterior da capela-mor. Assim:
"O outro capitel representa duas feras dilacerando um condenado que esquecera em desvario sobre a terra a vigilância divina. Os crentes olharam-no outrora com grande piedade. Era um espelho que afastava o pecado".
Só.
Na sua peugada, eu, no meu livro "Mosteiro da Ermida", editado em 2001, nos ANEXOS juntei uma foto desse capitel com a legenda: "capitel do monstro a comer uma figura humana pelas pernas, na coluna exterior da capela-mor". Isto depois de ter deixado no texto: "Naquele capitel ornamentado com aquelas feras a engulirem uma figura humana pelas pernas, quis o canteiro simbolizar, certamente, o castigo de todos aqueles que são condenados e "atirados às feras", sabe-se lá um ladrão, um herege, um excomungado".
Só.
Mas, porque o "mundo pula e avança", em 2004, na Introdução do meu livro "Lendas de Cá, Coisas do Além", com
respaldo no livro "A Cultura em Portugal", Gradiva, 1991, de António José Saraiva, referi as atribulações por que passou a alma do cavaleiro Túndalo, a "única" que teve o privilégio de ir ao outro mundo e regressar a este para contar cá o que viu lá. E que viu lá para contar cá? Foi que, entre tanto sofrimento, teve de ser engolida e dejectada por uma besta de boca flamejante que engolia as almas para dentro da fornalha do seu ventre e deitava-as depois pelo traseiro, pois tal era "o castigo dos sabedores" que não faziam bom uso da "ciência e da língua". (Pp. 221)
De modo que os elementos daquele capitel e o seu significado não foram lavrados e colocados ali por acaso. Ele e todos os outros. E cada um com seu significado, senão mesmo polissémicos. E o mesmo para as SIGLAS.
A este capitel, para além do que disse Arão de Lacerda, bem podemos associar-lhe as atribulações da alma do cavaleiro Túndalo, mas, a séculos de distância da construção do monumento, os textos escritos não dão respostas fáceis às interpelações que nos põe todo aquele bestiário em pedra, religioso, simbólico e mágico.