HISTÓRIA COM GENTE DENTRO
Colocado que fui, como professor, na Escola Preparatória de Castro Daire, no ano letivo de 1983/84, casado e com dois filhos em idade escolar, procurei não residir longe da Escola e acabei por radicar-me na aldeia de Fareja, sita 2 quilómetros a nascente da sede do concelho.
Ora, conciliando eu a docência com a investigação da HISTÓRIA LOCAL, mal ficaria não deixar neste meu apontamento alguma informação sobre o passado longínquo da terra que escolhi para morada e onde os meus filhos herdarão um pedaço de chão a que possam chamar seu quando chegar o tempo disso.
Direi assim que esta aldeia remonta aos primórdios da nacionalidade portuguesa, pois constatei que mais do que uma dúzia de testemunhas desta terra, como veremos a seguir, fizeram o seu depoimento nas Inquirições de D. Afonso III, em 1258, acerca dos caminhos e descaminhos que levavam os foros rei, fossem eles do seu tempo ou dos seus antecessores. Remetemo-nos para o texto (com a grafia atualizada) e vejamos os termos das Inquirições:
PRIMEIRA PARTE
«Martinho Pelágio, jurado e interrogado disse que Pelágio Mendes, seu pai, fez testamento, no termo de Fareja, à igreja de Castro Daire, uma herdade foreira ao Rei, no lugar que se diz Esculca de Sousa, no tempo de D. Sancho, pai do atual Rei; e acrescentou que Dona Eugênia, sua mãe fez testamento à mesma Igreja, no tempo do rei D. Afonso, pai do atual Rei, de outra herdade no ripário de Madrona; e acrescentou que a dita Dona Eugênia fez testamento aos Hospitalários, ao mesmo tempo, de uma pensão de herdade foreira ao Rei, no lugar dito Paivó e Salzeda».
FAREJA - Vista panorâmica – 2008
Idem, Martinho Pelágio, de Fareja, disse que João Pedro, de Linhares, fez testamento ao Ermitério D. Roberto de uma herdade foreira ao Rei, no sítio que se diz Monteira, no tempo do Rei Sancho, irmão do atual Rei; Pelágio Pedro disse o mesmo;
Idem, Martinho Pelágio jurado, disse que Pedro Gonçalves, de Fareja, fez testamento ao Ermitério de uma herdade foreira ao Rei, no termo de Castro, no lugar dito Monteira, no tempo de D. Sancho, irmão do atual Rei; Pelágio Pedro, de Fareja, disse o mesmo;
Idem, Martinho Pelágio disse que Teresinha, de Fareja, fez testamento, pela alma do seu marido, de uma herdade e um souto foreiros ao Rei, no termo de Fareja, no sítio que se diz Ripario, onde murou Peláio Mendes, no tempo de D. Sancho, irmão do atual Rei; Pelágio Pedro, de Fareja, disse o mesmo;
Idem, Martinho Pelágio disse que Dom Pelágio, de Ripario, dez testamento à igreja de Castro de uma herdade foreira ao Rei, no termo de Fareja, ao lado do souto, depois do tempo do Rei D. Sancho, irmão do atual Rei;
Idem, Martinho Pelágio jurado, disse que Pedro de Pedro e Martinho de Pedro, de Fareja, doaram, em sua vida, ao Ermitério uma herdade foreira ao Rei, no sítio denominado Portela de Espinho, no tempo de D. Sancho, irmão do actual Rei; João Martinho, de Fareja, jurado, disse o mesmo, Pedro de Pedro disse o mesmo; Martinho de Pedro e Pedro de Pedro que doaram essa herdade ao Ermitério disseram o mesmo. Lobo Joanes, de Fareja, jurado, disse que Legundina, sua esposa, fez testamento à igreja de Castro de uma leira de herdade foreira ao Rei no termo de Castro, no sítio que se diz Vale de Monione Mendes, no tempo de do atual Rei; Pelágio Pedro, de Fareja, disse o mesmo; e Pedro de Pedro, disse o mesmo;
Idem, Lobo Joanes disse que ele próprio doou, em sua vida, ao Ermitério D. Roberto, quatro partes de uma herdade foreira ao Rei, três leiras das quais ficam entre Paivó e Espinho e outra fica no sítio que se diz Ervedeiro, no tempo do atual Rei. Pedro de Pedro disse o mesmo; Martinho de Pedro disse o mesmo; D. Pelágio, de Baltar, disse o mesmo; Pelágio Pedro, de Fareja, jurado, disse que Pedro Gonçalves, de Fareja, seu pai, fez testamento ao Ermitário de uma herdade foreira ao Rei no Miravai e outra no lugar dito Monteira, no tempo de D. Sancho, irmão do atual Rei; Pedro de Pedro, de Fareja, disse o mesmo; Martinho Pedro disse o mesmo;
Pedro de Pedro, de Fareja, disse que Dona Marina, sua mãe, fez testamento à igreja de Castro de uma herdade foreira ao Rei, no termo de Fareja, no sítio que se diz Chã de Dados, no tempo do rei Sancho, irmão do atual Rei; Pedro Viegas de Fareja, disse o mesmo; Pelágio Pedro, de Fareja, jurado, disse que Gontina Garcês, sua mãe, fez testamento, no tempo do atual Rei, de uma herdade foreira ao Rei, no termo de Fareja, no lugar do Prado. Matinho Rodrigues, jurado disse o mesmo; Vicentino Pedro, de Folgosa, disse o mesmo; D. Pedro de Carreira disse o mesmo;
Idem, Pelágio Pedro disse que Maria de Pedro, sua sogra, fez testamento aos Hospitalários, de uma herdade foreira ao Rei, no Paivó, no tempo do atual Rei e, ao mesmo tempo, fez testamento à igreja de Castro de outra herdade foreira ao Rei no ripário de Madrona; Pedro de Pedro, de Fareja disse o mesmo;
Idem, Pedro de Pedro, de Fareja, jurado, disse que Pedro de Pedro, seu irmão, fez testamento à igreja de Castro de uma herdade foreira ao Rei no lugar que se chama Monteira, no tempo do atual Rei; Martinho Rodrigues disse o mesmo; Pedro de Pedro disse o mesmo; Martinho Rodrigues de Fareja, jurado, disse que João, de Fareja, seu sogro, entrou para a Ordem do Ermitério e doou aquele Ermitério uma pensão de herdade foreira ao Rei, no sítio dito Monteira, no tempo do atual rei; Pedro de Pedro disse o mesmo; Martinho Pedro disse o mesmo;
Idem, Pedro de Pedro disse que Elvira Heris fez testamento à igreja de Castro de uma herdade foreira ao Rei, no termo dos Braços, no tempo de D. Sancho, irmão do atual Rei; João Joanes, dos Braços, jurado, disse o mesmo; outro João Joanes, jurado, disse o mesmo; Joanes Moniz, jurdo, disse que Dona Eugénia, sua mãe, fez testamento à igreja de Castro de uma herdade foreira ao Rei, no termo de Fareja, no lugar chamado Egrejó, no tempo do Rei D. Sancho, irmão do atual Rei; Mingueiros, de Fareja, disse o mesmo; Pelágio Pedro, de Fareja, jurado, disse que Pedro Monis, de Lameiras, seu pai, fez testamento à igreja de Castro de uma herdade foreira ao Rei, no termo de Castro, no lugar que se diz Lazeiras, no tempo do atual Rei; D. Pedro, de Fareja, disse o mesmo; Martinho Pedro, disse o mesmo; Pedro de Pedro disse o mesmo;
Idem, Pelágio Pedro disse que Maria Pelágio, sua avó, fez testamento à mesma igreja de outra herdade foreira ao Rei, no sítio do Sobrado, no tempo do atual Rei; Domingos Pedro, de Fareja, disse o mesmo Martinho Pedro disse o mesmo; Domingos Pedro, de Fareja, jurado, disse que Martinho Gonçalves, de Fareja, fez testamento à igreja de Castro de uma herdade foreira ao Rei, no termo de Fareja, no Porto Godinho, no tempo do Rei Sancho, irmão do atual Rei; Pedro Martinho, de Folgosa, disse o mesmo; Pedro de Pedro, de Fareja, disse que Martinho e Domingos Martins fizeram testamento ao Ermitério de uma boa pensão de herdade foreira ao Rei no lugar dito Monteira, no tempo do atual Rei; Martinho Pedro disso o mesmo;
Idem, Pedro de Pedro disse que Mauro e Dono fizeram testamento ao Ermitério de uma boa herdade foreira ao Rei, no termo de Castro, no lugar dito Monteira, no tempo do Rei Sancho, irmão do atual Rei; Martinho Pedro disse o mesmo;
Idem, Pedro de Pedro, jurado, disse que Marilina, sua mãe, fez testamento à igreja de Castro de uma herdade foreira ao Rei em riba Paiva, abaixo de Folgosa, no tempo do Rei Sancho, irmão do atual rei; Martinho Pedro disse o mesmo.
Idem, Pedro de Pedro disse que Dona Leocádia fez testamento à igreja de Castro de uma herdade foreira ao Rei no sitio dito Olho Marinho, no Ripário de Santo Pelágio, no tempo do Rei Sancho, irmão do atual Rei; Martinho Pedro disse o mesmo; Mingueiros, de Fareja, jurado, disse que ele próprio em sua vida doou à igreja de Castro uma herdade foreira ao Rei, no Casal dos Linhares, no tempo do atual Rei e um souto em Folgosa».
Esgotada a informação pretendida sobre as terras de Fareja, os «inquiridores», no cumprimento do trabalho de que foram incumbidos, seguiram adiante e foram assentar praça nos Braços para saberem mais.
De tudo o que registaram em Fareja, ficaram cientes, pelos testemunhos prestados, de que muitos dos bens de D. Afonso III, por via testamentária e doação, estavam a ser absorvidos pela Igreja de Castro, pela Ordem dos Hospital e pelo Mosteiro da Ermida. E nós, a muitos séculos de distância, ficámos a saber, também, que os habitantes de Fareja, mais do que cumprirem os seus deveres de vassalos, neste mundo, para com o seu Soberano, não descuravam a preocupação de comprar, com os foros devidos do Rei, um lugar seguro para a sua alma no ALÉM, tendo a Igreja e os seus representantes na TERRA por medianeiros.
Verifica-se que a maior parte das testemunhas ostenta o apelido «Pedro» e Pelágio, ambos com a distinção «DOM» antepostA ao nome, o que lhe atribui a qualidade de «cavaleiros vilãos» e, como tal, gente grada da aldeia. Dos nomes PEDROS prevaleceram muitos pela história fora, até aos nossos dias, mas o mesmo não aconteceu com os PELÁGIOS. Esses eclipsaram nas brumas do tempo e disso já fiz notícia circunstanciada na crónica específica, em 2015, a que dei o título «CULTO DE HERÓIS E SANTOS», tal qual se mostra a seguir.
SEGUNDA PARTE
1 - CULTO DE HERÓIS E SANTOS
Uma leitura minuciosa das «Inquirições de 1258» no que respeita às terras que hoje estão integradas no concelho de Castro Daire, diz-nos muito sobre a História Local sobre a identidade dos seus protagonistas, sua categoria social e relações que eles tinham com os bens materiais e espirituais.
Ali vemos que muitas das testemunhas ouvidas pelos inquiridores incumbidos se de apurarem do caminho ou do descaminho dos foros reais, tinham o nome e/ou apelido Pelágio, o nome do herói de Covadonga, aquele que, em 718, derrotou os Mouros, dando início à Reconquista Cristã.
Ora, para melhor entendermos esse facto, convém recordar que, em 1249, D. Afonso III, expulsou definitivamente os mouros do Algarve, prosseguindo a luta iniciada por aquele guerreiro fundador do reino das Astúrias, cujos feitos o tornaram popular em toda a Península Ibérica. Tão popular quanto o foi, cerca de 200 anos depois, um menino com o mesmo nome, Pelágio, natural da Galiza, sobrinho do Bispo de Tui.
Aconteceu que, por volta do ano 920, num recontro entre cristãos e mouros os cristãos saíram derrotados e cativos que foram levados e metidos nas masmorras do Emir Abdemarrão III, de Córdova. Entre eles estavam o bispo Hermígio e o seu sobrinho Pelágio.
Tratando-se de um menino de belas feições não tardou a ser cobiçado sexualmente pelo Emir que, «ardendo nos seus mais torpes desejos lhe fez grandes ofertas (…) e querendo acariciá-lo, tocou-lhe brandamente o rosto, dizendo-lhe palavras aliciadoras», mas Pelágio repeliu as carícias e retorquiu-lhe: «desvia-te, ou pensas por acaso que eu sou algum dos teus afeminados lacaios?»
Face a tal recusa, o Emir encarregou alguns dos seus cortesãos de «perverterem o nobilíssimo mancebo», sem que o tivessem conseguido.
Abdemarrão, vendo gorados os seus intentos, mandou que esquartejassem o menino cristão e atirassem as partes do seu corpo ao rio Guadalquivir. Tinha apenas 13 anos de idade e decorria o ano de ano de 925.
Neste ponto da narrativa (dando de barato o raciocínio adulto da criança na palavras que ela dirige ao Emir, donde ressalta claramente a falsidade dela) convém ter presente que as lutas da Reconquista Cristã decorriam sem tréguas e, divulgando o resultado das intenções e ações sodomitas do Emir mouro, o episódio prestava-se muito bem a acirrar os ânimos dos cristãos contra os infiéis, ainda que o gosto de acariciar meninos, como o tem demonstrado a História, não se circunscreva àquele tempo, nem seja exclusivo de mouros, como muito bem sabemos pelos media do século XX, ao denunciarem os casos de pedofilia praticados por alguns padres e bispos cristãos, ferida que o Vaticano tenta sarar a todo o custo.
Mártir em nome da fé cristã, o menino foi levado aos altares com o nome de São Pelágio e o seu culto veio a tornar-se muito popular em Portugal.
2 - A FORÇA DA MEMÓRIA
Temos assim que o nome Pelágio, seja o do guerreiro de Covadonga ou seja o do mártir de Córdova, se popularizou em Portugal e, por largo tempo, foi adotado por muitos pais e padrinhos, nas pias batismais das nossas igrejas.
Não estava ainda em moda dizer-se, aquém fronteiras, que «de Espanha nem bom vento, nem bom casamento» e, por isso, tal nome aparecer a identificar algumas das testemunhas de nobre condição que, em 1258, depuseram nas Inquirições de D. Afonso III. E havia, pois, razões de sobra para que o culto e o nome do herói de Covadonga, bem como o nome do menino retalhado em nome da sua fé, se projetassem no espaço e no tempo, durante as lutas entre Mouros e Cristãos.
Então, como agora, pôr o nome de um herói, de um santo, ou de uma figura prestigiada a um filho ou a um afilhado, não é coisa de somenos. E quer o Pelágio guerreiro, quer o Pelágio santo, tinham fama e auréola bastante para que o seu nome fosse adotado, com honra e glória, tal como atualmente se adotam os nomes de alguns jogadores de futebol, protagonistas de romances, artistas de telenovelas ou, então, de pessoas que, por uma qualquer ação extravagante e sem qualquer sentido ou valor, se tornam heróis e ídolos através da Internet, basta que no Youtube ou no Facebook, obtenham o maior número de «clics».
Assim sendo, vejamos, agora e em rigor, todos os que, com o nome ou apelido Pelágio, aparecem referidos nas Inquirições, relativamente às terras hoje integradas no nosso concelho, alguns deles com o título de «Dom» anteposto ao nome:
Reriz, isto é, na Quinta do Rabaelo: Martinho Pelágio; Alva: Gontina Pelágio; Carvalhal: Pedro Pelágio; Arcas: Pelágio Rodrigo, prelado da Igreja de S. Miguel Mamouros; Casal: D. Pelágio e Pelágio Moniz; Ribolhos: Pedro Pelágio e Martinho Pelágio filho de Plágio; Castro Daire: Mauro Pelágio, juiz; Braços: Pelágio Pedro; Farejinhas: D. Pelágio, Pelágio Mendes e Martinho Pelágio; Lamelas: Pedro Pelágio filho de D. Pelaio, Pedro Mendes e Pelágio Pedro; Covelinhas (1) : Miguel Pelágio, Lourenço Pelágio, João Pelágio e Pelágio, filho de Pelágio, ambos testaram à Igreja de Castro Daire, duas leiras foreiras ao rei, de jugada, sitas no termo de Covelinhas: uma em Vale Cuterra e outra perto de Rosada; Folgosa: D. Pelágio, Pedro Pelágio, pai de D. Pelágio; Pedro Pelágio Pereira, sogro de D. João de Folgosa; Folgosinha: João Pelágio; Mosteiro: Pedro Pelágio; Baltar: Maria Pelágio, D. Pelágio, Mendes Pelágio; Domingos Pelágio, filho de Pelágio Domingues; Fareja: Martinho Pelágio filho de Pelágio Mendes; Pelágio Pedro, neto de Maria Pelágio; Ribas: Miguel Pelágio e Martinho Pelágio; Moção: D. Pelágio; Gandivao (2) (Cetos): Garcia Pelágio; Parada: João Pelágio, prelado da Igreja de São João de Parada; este prelado disse que viu D. Lourenço Pelágio possuir a terra de Parada vindas da mão de D. Pedro Portucalense, seu sogro, e este deu um seu escudeiro, Estêvão Viegas, vilão Dornelas e Vila Maior, metade destas duas vilas; Nodar: Gelvira Pelágio Gaga; Savariz: Pedro Pelágio e Pelágio Pedro; Pelágio Chão, dono da quinta.
Ora, sabendo nós que as testemunhas ouvidas pelos «Inquiridores» eram pessoas idóneas, conhecedoras da história local e da identidade dos proprietários de bens rústicos e urbanos, constatámos que entre os indivíduos com o nome e/ou apelido Pelágio havia juízes, clérigos e outros que antepunham ao seu nome o título «Dom» próprio da nobreza de sangue e também dos cavaleiros-vilãos.
E, face a isto, uma pergunta se impõe: que é feito atualmente do nome Pelágio entre nós? A lista da «Onomástica Portuguesa», disponível na Internet, inclui o nome Pelaio, uma derivação de Pelágio, tal como e são as derivações Palaio e Paio.
Procurei, mas não encontrei nas terras concelhias, pessoas que atualmente usassem o nome Pelágio, Palaio, Pelaio ou Paio. O mais que encontrei foi São Pelágio (dito nas suas derivações, Palaio, Pelaio ou Paio) oragos de Vila Boa e de Vila Pouca, sendo que São Paio era igualmente o nome do lugarejo atualmente integrado em Vila Pouca, tal como se vê numa sentença de 1860, relativa à demanda que opunha os moradores de Fareja aos de Vila Pouca e Baltar de Cima.
E isto me leva a concluir que ao desaparecimento de tal nome bem pode estar ligado o tipo de relações políticas e militares existentes entre Portugueses e Espanhóis registadas no decurso da História. Daí, também, a expressões populares, «virai costas a Castela» e «de Espanha, nem bom vento, nem bom casamento».
Certo, pois, é que o nome Pelágio, o guerreiro de Covadonga, adotado durante séculos entre nós, esquecido que foi o culto do herói, deixou, gradualmente, de receber a água benta nas pias de batismo. Mas se isso aconteceu, o nome Pelágio, o do santo, o menino mártir cobiçado por Abdemarrão III. Esse, que subiu aos altares pelas razões expostas e neles se manteve como orago de alguns templos, deles desceu tornando-se no apelido frequente e duradouro, Sampaio ou São Payo, já conhecido, em Portugal, em 1288, na pessoa de Vasco Pires de São Payo.
Diferente deste meu raciocínio linear resultante desta minha romaria em torno do nome Pelágio, visando extrair das «Inquirições de 1258» a identidade dos protagonistas da História Local, a sua categoria social, as suas relações com os bens materiais e espirituais, bem como a força da memória e a prova histórica do culto de heróis e santos verificado através dos tempos, é a conclusão de Manuel de Sousa ao afirmar que o apelido Sampaio ou São Paio é de «raízes tipicamente toponímicas, por ter sido tirado da honra desta designação, em Trás-os-Montes», pois assim o diz no seu livro «As Origens dos Apelidos das Famílias Portuguesas».
Voltando a Fareja, depois deste nosso longo percurso justificativo do «CULTO DE HERÓIS E SANTOS», vimos que no seu depoimento, Domingos Pedro disse que «Martinho Gonçalves, de Fareja, fez testamento de uma herdade foreira ao Rei no sítio do Porto Godinho», que vem a ser o lugar onde, durante séculos as gentes circundantes atravessavam rio Paivó de uma margem para a outra, saltando as poldras que chegaram aos nossos dias. Atualmente, (2007) ficam sob a ponte da A24/ Viseu/Lamego - logo à saída do túnel, sito na margem direita do rio Paiva.
TERCEIRA PARTE
O PINHEIRO DE S. JOÃO
Em Fareja mantêm-se viva a velha «costumeira» de, anualmente, se levantar no adro da Ermida, o «Pinheiro de S. João». É um «mastro» com cerca de 20 a 25 metros de altura e, como todos os «mastros» de S. João que se levantam por Portugal inteiro, é de forma disfarçada, o símbolo fálico do deus Príapo, cujo culto se praticou na Grécia, passou a Roma e com as legiões romanas se espalhou pelo império.
Ao deus Príapo, pelo Solstício do Verão, se ofereciam os primeiros «frutos da terra» e na ponta do Pinheiro de S. João são postas, por duas mordomas da festa, que, antigamente, teriam de ser obrigatoriamente virgens para ocuparem essa missão, as «primeiras cerejas» do ano e, à falta delas, ramos de rosas vermelhas.
Na véspera do S. João, ao fim da tarde, levanta-se o pinheiro e, à noitinha, faz-se o baile. E é no meio de tudo isto, em ambiente divertido e profano (a Igreja não mete bedelho na parte profana da festa) erecto e altaneiro, viçoso, que o «tronco» assume seguramente o significado que vem do fundo dos tempos e que só a forma camuflada o deixou resistir às intempéries da História e aos valores sociais de uma comunidade cristianizada.
QUARTA PARTE
Nos anos oitenta do século XX os habitantes de Fareja resolver criar uma Associação Recreativa e Cultural por forma a de terem um espaço para usufruir nos tempos livros, já que até então tempos livres não tinham e trabalhavam de sol a sol.
Acompanhei esse esforço e fui PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA GERAL dessa ASSOCIAÇÃO mesmo antes de possuirmos um edifício-sede onde pudéssemos proceder às reuniões, no princípio reuníamos ao ar livre, sem mesas nem cadeiras. De pé se definiam os objetivos e se deliberava o que teria de se fazer para a sua persecução. E pelo meu COMPUTADOR passou a maior parte da burocracia que se relacionasse com a ASSOCIAÇÃO e subsídios ligados à construção da SEDE, nomeadamente os dinheiros que o GOVERNO CIVIL DE VISEU disponibilizava anualmente para prédios inacabados de reconhecido interesse público. E foi com um subsídio desses, dado a fundo perdido, que a sede se terminou, depois de alguns anos levantada «em grosso», de tijolos à mostra, sem reboco, á espera de melhores dias.
Acabada que foi, feita a inauguração, um PAINEL DE AZULEJOS colocado na fachada lateral replica uma foto da minha autoria (ver fotos acima) com os carros de vacas a transportar o PINHEIRO DE SÃO JOÃO, sendo que nesse mesmo PAINEL está escrita a seguinte quadra da minha autoria:
PARA QUE TODA A GENTE VEJA
O PINHEIRO DE SÃO JOÃO
ESTA VELHA TRADIÇÃO
QUE SE MANTÉM EM FAREJA
[1] Covelias é igual a Covelinhas e esta «aldeola» tomou o nome de Santa Margarida, algures no tempo que não me foi possível apurar. (Cf. o meu artigo sobre o assunto no «Notícias de Castro Daire» e neste site em artigo próprio.
[2] Idem