Combateu os Franceses desde que assentou praça. Participou
em todas as campanhas da «Guerra Peninsular» e foi gravemente ferido na ponte de Mucela, em 18 de Março de 1810. Esteve presente na «Batalha de Vitória» e isso lhe valeu a respectiva condecoração. Expulsos que foram os Franceses prosseguiu a carreira de armas, aderiu às ideias liberais em 1820, mas foi «desligado do serviço» em 1823 por suspeita de ter participado na Vila-Francada. Comprovada a sua inocência, foi reintegrado nas fileiras 1826. Em 9 de Julho de 1827, foi promovido a «tenente» e, em 1828, recusando-se a aclamar D. Miguel, como «rei absoluto», foi preso na Praça de Elvas e mandado para as prisões do Castelo de S. Jorge, forte de S. Julião da Barra e Cova da Moura, onde esteve até 1832, data em que foi degredado para Moçambique. Ali tentou uma revolução fracassada a favor da Rainha. Isso valeu-lhe a despromoção ao posto de «simples soldado», seguida de transferência para a Companhia de Quelimane e Rios de Sena.
Com a implantação do Liberalismo reassumiu o posto perdido - «tenente» - e regressado à metrópole, em 1835, foi promovido a «capitão» a contar de 24 de Julho de 1834. Recebido pela Rainha, em 1835, ficou «empregado no Ministério da Guerra até Fevereiro de 1836». Participou nas campanhas militares solicitadas pela «Revolução de Setembro», «Maria de Fonte» e «Patuleia», sempre do lado do poder político instituído, pois dizia ter por divisa «Honra, Dignidade e Fidelidade ao Rei e à Pátria». Em 1837, o Visconde das Antas, do Quartel General de Vila Real, incumbiu-o de tomar o «comando do 3º de Caçadores»; Em 7 de Novembro de 1846, foi «ferido em Sintra». Estando desde a primeira hora ao lado de D. Maria da Glória contra as forças políticas e militares que se lhe opunham, em obediência ao marido e Rei D. Fernando de Saxe-Coburgo Gotha, comandante-chefe do exército, recebeu a gratificação de 10$000 mensais, a partir de Dezembro de 1846 em diante, por «ter estado sempre comandando forças em diferentes pontos», incluindo a «Praça de Abrantes, onde tomou o comando de cento e trinta e tantas praças ali existentes». Em 1848, recebeu guia de marcha para Abrantes a fim de assumir o comando das «forças que ali se achavam».
Prestou serviço em diferentes quartéis do país, ascendeu aos diferentes postos da hierarquia militar. Em 1847, no posto de «Major» desde 19 de Abril, recebeu guia de marcha para Lamego. Foi promovido a «Tenente Coronel» em 29 de Abril de 1851 e «Coronel» em 12 de Setembro de 1859. Com essa patente tornou-se comandante do Regimento de Infantaria 14, de Viseu, em 1859-60, e, logo a seguir, do Regimento de Infantaria 13, em Chaves, e do Destacamento do mesmo Regimento, em Vila Real, até 1864, ano em que foi reformado com a patente de General de Brigada, da qual beneficiou apenas quatro anos de vida, já que o «Jornal do Comércio» de 2 de Dezembro de 1868, dá conta do seu falecimento nos seguintes termos:
«Faleceu no dia 18 de Novembro, na sua casa de Vila Real de Trás-os-Montes o Exmº. Senhor Joaquim José Álvares, general de brigada (...) O ilustre general foi sempre afeiçoado e estrénuo defensor da causa liberal, pela qual derramou o seu sangue nos campos da batalha. Este veterano da liberdade contava mais de 60 anos de relevantíssimos serviços à Pátria».
ORDENS E CONDECORAÇÕES
A participação nas campanhas da «Guerra Peninsular» mereceu-lhe a Cruz de Distinção pela Batalha de Vitória e, em 1825, pôs ao peito a «Cruz de Guerra nº 3»; Em 6 de Setembro de 1838, a insígnia de «Cavaleiro da Ordem Militar de S. Bento de Aviz»; Em 19 de Novembro de 1846, a de «Cavaleiro de Torre e Espada»; Em 1847, foi louvado no «Boletim Oficial» por Sua Majestade, o Rei D. Fernando, Portaria de 21 de Abril; Em 5 de Julho de 1852, a placa de «Comendador da Ordem de Cristo» e, em 1862, recebeu a sua última condecoração oficial: a «Medalha de D. Pedro e D. Maria, nº 9».
Na situação de «General de Brigada» na reforma, juntou às condecorações oficiais, por sua conta e risco, a «banda de General».
1: Torre e Espada; 2: Avis; 3: Cristo; 4: Vitória
DESPEDIDA DAS TROPAS
«Senhores Oficiais, oficiais inferiores e mais praças do bravo Regimento 13 de Infantaria. O Coronel Álvares faltaria ao seu mais sagrado dever se, no momento de separar-se de vez, deixasse de abraçar a um por um e a todos em geral, único penhor de que se lembra dispor como recompensa do imerecido apreço e consideração que a todos mereceu durante o período de quatro anos que teve a mui distinta honra de comandar-vos, ufanando-se sobre a maneira em confessar que em toda a ocasião e para tudo vos achou prontos, dando assim decisivas provas de valor e coragem próprias de soldados transmontanos.
Forçoso, pois, lhe foi reformar-se e terminar com a nobre e activa carreira das armas que, de menor idade e voluntariamente, havia encetado; se, contudo, a Pátria que nos viu nascer, algum dia precisar de seus serviços ? ele voará a unir-se-vos, convicto de que será por vós o melhor escolhido e, no entretanto, sempre pronto à vossa disposição, rogando-vos por último, a continuação da disciplina em que vos deixo, a continuação da melhor camaradagem, o devido respeito aos vossos superiores e bem assim, a devida harmonia para com os habitantes de Chaves pelo apreço e mais simpatias que, como militares, lhe merecemos».
Estas são as breves palavras de despedida que o General dirigiu aos seus camaradas de armas. Nelas perpassem, claramente, a satisfação do dever cumprido, mas também, por força das leis da vida, a angústia de ver chegada ao fim a profissão que abraçou desde os 16 anos de idade, ainda menino.
Guindando-se de soldado raso ao posto de General, ele bem podia orgulhar-se da sua progressão na carreira de armas. Seguramente que teve de vencer todas as exigências e dificuldades da profissão, as vicissitudes da vida próprias dos tempos, política e militarmente instáveis, em que viveu. As invasões Francesas. A corte no Brasil. O comando de Beresford. As Ideias Liberais. A Execução de G. Freire de Andrade, as revoluções de Setembro, Maria da Fonte, Patuleia, a Regeneração, etc. Atendendo à sua progressão na carreira, aos cargos que desempenhou e comandos que assumiu, disciplinado e disciplinador, fiel à divida «Honra, Dignidade e Fidelidade ao Rei e à Pátria», fiel às ideias liberais, atendendo às medalhas e condecorações que recebeu, à vontade férrea de que deu provas não se deixando abater com os ferimentos em batalha, a morte dos camaradas, com o degredo em África, com a morte da esposa e, também, em 1863, da filha mais nova, Rosa Margarida Álvares de Figueiredo Feio, saudoso pai lembrado, ainda, 10 anos depois da sua morte, na correspondência trocada entre o casal de filhos restantes, D. Maria Carlota Figueiredo Álvares Feio, a residir na Quinta do Paço (Resende, e mais tarde em Castro Daire) e Joaquim de Figueiredo Álvares Feio, viticultor na Quinta de Paredes (Régua), este litle big man, de «60 polegadas de altura» (= 1,53m), é bem o exemplo de coragem, de combatividade, de persistência, de vontade de vencer na vida, na guerra, na paz, entre amigos e família, exemplo que consubstancia a sabedoria popular traduzida no velho aforismo: «os homens não se medem aos palmos».
Neste começo do século XXI, quando os jovens actuais, mesmo com as dificuldades que a conjuntura lhes oferece de momento ao nível de emprego, usufruem de facilidades de estudo e outras que este HOMEM não tinha no seu século, apraz-me discorrer sobre ele, sobre o comandante do Regimento de Infantaria 14, em 1859, um século antes de eu ali assentar praça, em 1958, também como «soldado raso». Apraz-me arrancá-lo aos arquivos militares, ao baú onde jazeram esquecidos os seus documentos e manuscritos pessoais (originais, cópias e rascunhos) que, in extremis, evitei que fossem parar ao «Aterro do Planalto Beirão» a fim de poder extrair deles matéria bastante para ilustrar uma página da sua vida, entrosada na história local e nacional. Homem que, por força da intolerância das ideias e dos valores, dobrou o equador degredado que para África, que sentiu o calor dos trópicos e a picada dos mosquitos na outra banda do globo, onde podia prosseguir a carreira militar, mas preferiu regressar e morrer na Mãe-Pátria, apraz-me ressuscitá-lo, arrancar a sua alma à estrita tumba das mafientas estantes e gavetas e, sem uso de papel, caneta e tinta, colocá-lo na WEB (www.trilhos-serranos.com), espaço etéreo onde marcha, navega e voa o conhecimento, as forças da terra, mar e ar. Capítulo antecipado da Biografia que estou a elaborar.
Enfim! Claro fica que um simples «soldado raso» de 67 anos de idade, incorporado no exército das letras, batalhão da História, nesta eterna batalha travada entre o esquecimento e a memória, sem aspirações a galões nem condecorações, salvou General Joaquim José Álvares da segunda morte certa, quando, por imperativo de cidadania e da profissão que exerceu, chamou a si os seus documentos pessoais, aqueles que, por um triz, não tiveram o fim inglório de desfazer-se em pó, a par de todos os elementos descartáveis de que se livra a sociedade de consumo em que vivemos. Uma sociedade em que o ter sobreposto ao ser já não distingue lucidamente o que de material e moral deve viver e/ou morrer.
ABÍLIO PEREIRA DE CARVALHO/CASTRO DAIRE (2005)