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sexta, 30 janeiro 2015 09:52

CASTRO DAIRE, TERMAS DO CARVALHAL

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UM PROJECTO SEMPRE ADIADO (I)

Do muito que já investiguei sobre as Termas do Carvalhal, cansado de as ter visto, ao longo da história, sempre como bandeira política partidária em tempos de eleições autárquicas, tal como acontece neste ano de 2013, depois de muitos textos publicados e vídeos colocados no Youtube, não resisto a trazer a público o projecto de um cidadão que, interessado naquilo que é nosso, passou as suas ideias a  escrito e deixou para a História (distinta do «foguetório, flauta e pífaro») o seguinte texto, datado de 1912:


1 – BALNEÁRIO E HOTEL

 «Comecemos pelos edifícios: Balneário e Hotel.

Devem estes servir em si não só todos os requisitos de conforto e comodidade, mas também todas as condições de elegância e originalidade. Em regra o que mais se vê nos edifícios públicos ou particulares, mesmo aqueles para cuja empresa houve dinheiro abundante, são moles imensas de granito e madeira revestidas de pinturas e feitios secundários que logo lançam no espírito a impressão banal de uma coisa vista em toda a parte.

Armazéns de fábrica, cubatas de convento monacal, inspiradas e presididas pela tradicional competência do nosso mestre d’obras que não devendo sair da natural função de mandar operários e fazer caixilhos, tudo risca, tudo determina, tudo estabelece, suplantando e suprimindo, dono, engenheiro e arquitecto. E é que a nossa educação, a nossa curteza de vistas mesquinha, bacoca e medíocre, também nada encontra, nada confia, nada reconhece, além da proficiência prática, habilidosa, infalível, do mestre António, ou do mestre Jacinto, espécie de faz-tudo, no género.

O resultado é o que por toda a parte estamos fartos de ver: construções erguidas a esmo, sem consciência, sem ciência, sem elegância nem estética, sem inspiração ou originalidade, uma banalidade insulsa e tacanha de gosto caraíba ensaboado com pretensões artísticas. 

(…)


Outra coisa temos que estudar: são as cercanias. E neste objecto há muito que fazer e transformar. Felizmente que naqueles sítios, embora de terreno irregular, não existem valores de grande monta que se oponham à iniciativa fértil, ao traçado rasgado e livre do artista que para isso for escolhido.

Mas o que desde já se nos oferece dizer é que o Balneário e o Hotel sem umas cercanias aprazíveis e pitorescas, além de ficar sem a graça de conjunto, não realizam a utilidade, nem o fim a que se destinam todas as estâncias de verão.

Preciso é pois aformosear aqueles arredores, dividindo-os em alamedas, com renques de árvores apreciáveis, como plátanos, acácias, palmeiras, magnólias, ailantos, etc. que tornem o sítio apetecido e deleitoso. Carreiros ornados de relvões, onde os passeantes deslizem sem esforço, clareiras onde as crianças brinquem livremente, e os rapazes façam exercícios de jogos físicos, tudo na distribuição inteligente e artística de conforto de «far niente».

E nada disto é difícil e demasiado caro. A terra nestes sítios é muito propícia à cultura das árvores. Os soberbos exemplares de carvalhas que abundam demonstram que as tentativas bem cuidadas não resultariam infrutíferas. Água também não falta. A pequena regueira que passa junto bem aproveitada chegava para muito; a própria água dos banhos, depois de finda a sua função, pode novamente ser captada e dirigida para irrigação dos jardins e árvores e com tanta mais facilidade, se por ventura efectuassem o projecto na parte sul do balneário para a água correr naturalmente.

Mas por hoje basta». (1)  

 E o mesmo articulista, no número seguinte de «A União», discorre sobre o que devia ser um projecto urbanístico do CARVALHAL de modo a evitar-se a tipologia das aldeias e vilas antigas, de ruelas sem jeito. Até mesmo as novas cidades de África, diz ele, obedecem a projectos modernos. Antes de se começarem as obras não é pô-las velhas logo à nascença. Ora veja-se a visão deste homem que viveu, seguramente fora do seu tempo, ou então rodeado de políticos medíocres que deixaram para o futuro, para o nosso tempo, não o projecto queele preconizou, mas aquele que todos vemos e ali está como prova da «governança». São palavras dele as seguintes: 

 2- URBANIZAÇÃO EM REDOR TERMAS

«Paralelamente às obras do balneário, necessário é delinear a projecção do futuro burgo que naquelas formosas colinas se há de erigir em breve. Para este efeito mister se torna que um engenheiro de larga competência, faça quanto antes um traçado que abranja a povoação nas maiores dimensões e com a faculdade de se estender quanto possível. E depois da perspectiva feita com segurança e certeza se poderão construir prédios à beira das ruas e avenidas, dos largos e das praças, não havendo receio de, passados alguns anos ter de se deitar abaixo o que se edificou, resultando daí uma burla para o proprietário que julgou construir em bom sitio. (...) O traçado simples de uma rua, de uma avenida, não é suficiente. Amanhã, quando a futura povoação se desenvolver, reconhecer-se-á a necessidade de um novo largo e a conveniência das ruas ou avenidas com outra direcção, ou com outro local mais cómodo e mais apropriado. E então será tarde. Por isso, o mais pequeno recanto, a mais insignificante travessa se deve traçar em relação e correspondência com o conjunto do projecto. Se assim não fizerem quanto mais tarde mercê do desenvolvimento certo da estância balnear quiserem abrir novos arruamentos e submeterem o projecto à competência de um técnico, este terá de sujeitar e tolher o seu traçado, subordinando-o à rua, avenida ou bairro já construído. Ficaria uma povoação como qualquer dos nossos antigos burgos, irregulares, acanhados, sem simetria, nem estética, sem harmonia nem beleza.

Era velha e antiga logo ao nascer, em pleno século XX. Em parte nenhuma se tem consentido ou coisa dessas. 

Na própria Africa as primeiras bases das cidades recentes obedecem sempre a um traçado primitivo, dentro do qual se distende e desenvolve a nova povoação.

Em Portugal basta uma rápida vista de olhos pelas nossas praias modernas, pelas nossas estâncias de mais fama pelos bairros novos das cidades velhas, par se constar o critério que para as Termas do Carvalhal venho defendendo.

E por certo não há-de ser agora. Já que «ainda estamos a tempo de tudo» que se vai fazer uma coisa que hoje ninguém faz e que constitui um erro crassíssimo que os nosso vindouros nos não perdoariam. Depois um projecto que nos forneça, desde já, toda a planta da povoação futura além de estimular imediatas construções, determina também um sistema de obras que pouco a pouco se podem ir fazendo.

Gasta-se muito dinheiro, mas para esse fim, gasta-se de uma só vez.

Depois dos arruamentos traçados logo devem ser plantados renques d’arvores em toda a sua margem, de forma que quando as construções se fizerem, e sejam habitadas, árvores crescidas aformoseiem e amenizem os passeios».

E neste ponto não podemos deixar de censurar acremente os responsáveis do corte de algum carvalhas cujos troncos se vêem tombados ao lado direito de quem da estrada se dirige para as Termas.

Aquilo não se fazia!

Só quem não faz uma ideia do trabalho e principalmente do tempo que uma árvore daquelas leva a criar-se, só quem não tem a mais leve noção do valor utilitário, estético e até sentimental de uma árvore, é que permite uma monstruosidade daquelas. Ao menos deixassem-nas estar até crescerem outras, ou até que o seu corte se tornasse indispensável, o que não cremos. Nem ao menos tiveram a lembrança de plantarem outras para as substituírem» (2)


Eis um cidadão a exercer, em plenitude e na imprensa, a sua cidadania, um cidadão ciente não apenas do valor das árvores, do tempo que elas levam a crescer, mas também do juízo que os vindouros, nós mesmos que vivemos 101 anos depois (digamos um século em contas redondas) faríamos sobre o mau planeamento que se fizesse do espaço envolvente das termas e da nova urbanização da aldeia. Como ele tinha razão. Espaço envolvente das Termas, que é dele? Avenidas, renques de árvores, relva e espaço para crianças e adultos usufruírem em tempo de lazer, o que é isso?  Tudo atrofiado em seu redor. Os nossos autarcas, aqueles que não ouviram esse cidadão, em 1912,  e os que se lhe seguiram,  não podem orgulhar-se da obra feita. Mas há mais.

Abílio/Agosto/2013

NOTA: ainda que numeradas, omiti propositadamente a identificação das fontes consultadas por saber que há por aí uns passarões, armados em historiadores, que se servem das minhas referências bibliográficas e citam os meus textos sem se darem ao trabalho de queimar as pestanas na investigação, procurar as fontes, lé-las, interpretá-las e só depois divilgá-las.

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.