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quinta, 27 novembro 2014 13:55

POLÍTICA E JUSTIÇA (3)

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POLÍTICA E JUSTIÇA (3)

Mas a promiscuidade da POLÍTICA e da JUSTIÇA, com as esposas dos políticos e cunhados Desembargadores metidos numa e noutra até ao tutano,  vê-se bem na carta da viscondessa de Samodães, com data de 8 de Junho, sem referência ao ano, mas que, pelo conteúdo, estamos seguro ter sido escrita antes de 1840, já que o irmão do Padre Bizarro, a quem se refere a viscondessa, foi assassinado em Maio desse mesmo ano.
 Samodães, 8 de Junho

Pe. António

Meu irmão José escreveu há tempos a seu irmão a respeito do grande negocios das novas elleições em que todos nos achamos empenhados e exigia a sua cooperação em Crasto Daire. Seu irmão respondeu-lhe escusando-se debaixo de pretextos mui frivollos e muito inacreditáveis e posto que meu irmão já com a primeira resposta ficou muito quezilado, contudo, como a questão he de vida ou de morte, tornou a escrever-lhe e nos recomendou que lhe falássemos e o convencêssemos a que tomasse parte. Em consequência disto, logo que aqui cheguei escrevi a seu irmão e lhe pedia que nos fosse fallar a Goujoim, assim como o Pe António, porem logo recebo uma carta delle, não só recusando-se a hir a Goujoim, mas ahte em tomar parte nas elleições ao menos a nosso favor.

Confesso-lhe Pe. Antº que se eu não estivesse tão acostumada a conhecer os homens e a sua versatilidade, esta carta de seu irmão me lançaria na maior estranheza. Felizmente estou muito calejada e por isso já me não altero e com toda a tranquilidade digo = a minha famª ainda está caída e assim não se podia esperar outra coisa = Todavia, como não tenho o coração de bronze confesso-lhe que este comportamento de seu irmão me fere e oprime mui dolorosamente, pois em verdade não esperava e custa muito ouvir frustrar uma esperança que parecia infalível. Eu conheço o Pe. António, avalio o seu carácter e não duvido de sua honra e por isso queria saber se o Pe. António quer cooperar connosco na parte que lhe cabe para ver se conseguimos uma elleição que remedeie os malles incalculáveis que nos fez o ultimo Congresso.

Pe. António eu peço favor, não em meu privado nome, mas no da Pátria agonizante. Veja que esta tábua de salvação é a única que nos resta, se a não agarramos o nosso naufrágio é infalível. Lance os olhos, eu lhe rogo, sobre a nossa situação e diga aonde está o comercio, a agricultura, aonde a segurança individual e a de propriedade e que da justiça e que da tranquilidade ameaçados de uma banca rota, todas as classes morrendo de fome. Todas as fontes de prosperidade publica exaustas, a anarquia, a dissolução social iminentes e, por cima de todos estes horrores carregados de tributos enormíssimos, impagáveis, para serem engolidos por uma dúzia de malvados. E deixaremos consumir a obra da nossa perdição? Não faremos um esforço para nos salvar? Pense bem nisto Pe. António e compadeça-se de si próprio, de mim e de todos.

Cá conto com sua cooperação e achar-me-ei também enganada? Não espero e aguardo a sua resposta para meu governo pedindo-lhe que me diga se não teremos no Crasto alguém que se unir a nós para este fim, visto seu irmão estar voltado  pª outra parte? O Máximo, o Jucundino não. Não quererão fazer nada? Enfim, Pe. António, espero a sua resposta com aquela circunspecção que eu sempre lhe conheci e de que agora mais do que nunca espero me dê provas. Aceite saudades do meu homem, eu as envio a sua mãe e acredite que sou

Muito sua verdrª  amiga

Viscondessa de Samodães

Samodães 8 de Junho

 Decorria, em Portugal, o agitado tempo do Setembrismo e depreende-se pela angústia da Viscondessa que a sua opção e a do seu marido, Francisco de Paula de Azeredo Teixeira de Carvalho, era a parte contrária, isto é, o cartismo com Costa Cabral à frente, esse o maçon que, nos anos de 1840-1841, procurou maçonizar o exército «fomentando a fundação de clubes para-maçónicos e agrupando-os depois em lojas regularmente constituídas»; tempos agitados em que a contra informação, ontem como hoje,  tinha lugar através de boatos postos a circular para se desacreditar a parte contrária.

Prova isso bem uma outra carta que a mesma Viscondessa remeteu, do Porto, ao seu confidente e correligionários de Castro Daire, nos termos que se seguem:

            «Ora saberá que ontem veio aqui o Serrão Velozo pedir-me que lhe escrevesse e lhe perguntasse se era certo um caso que lhe contaram ter aí sucedido e que é o seguinte:

Vinha de Lamego para Viseu uma Senhora, mulher do Coronel do Regimento 24, ou do Tenente Coronel, ou, enfim, de algum outro oficial e, chegando ao Crasto, alguns indivíduos lhe foram oferecer uma casa para pernoitar debaixo do pretexto de ser muito má a Estalagem. Ela aceitou essa casa e, durante a noite, 12 indivíduos lhe entraram no quarto em que ela pernoitava, abusaram dela, etc. etc.

No dia seguinte acompanharam-na até fora da vila e a mulher chegou a Viseu alienada da razão e que tem sido por isso guardada à vista para não se suicidar.

Ora aqui tem uma história que, para lhe falar a verdade, mete todas as feições de romance, porém, diga-me se tem alguma ideia disto e ciente-me do que souber para eu confirmar ou desabusar o Serrão. O mesmo noticiador lhe disse que o marido da vítima tinha partido para Lisboa a pedir vingança ao Governo.

Adeus, responda-me logo e creia que sou

            Sua mais sincera amiga

            Porto 4 de Maio de 1841»

 O Reverendo Abade António Bizarro de Almeida, de Castro Daire, não tardou a responder e a dizer-lhe o que sabia sobre o assunto, pois outra coisa não se infere das palavras que, em resposta de agradecimento, ela lhe escreveu numa outra carta, com data de 15 do mesmo mês. Assim:

            «Agradeço as explicações que me dá, e veja como se mente e o crédito que se pode dar às novidades que correm, no entanto o caso não é totalmente destituído de fundamento».

            A Viscondessa, ainda que «o caso não fosse totalmente destituído de fundamento», não deixou de mostrar a sua desilusão quanto à forma como se «mentia» e ao «crédito que se podia dar às novidades».  

É claro que o caso se inseria no quadro político da ocasião e as partes em confronto tudo faziam para se desautorizarem mutuamente.

            Queixava-se a viscondessa da escusa do Padre José Joaquim de Almeida Bizarro, irmão do seu confidente, de não aderir à sua causa  «debaixo de pretextos mui frivollos e muito inacreditávis», chegando mesmo a sugerir, ainda que sob a forma de pergunta, que ele estaria do «outro lado», isto é, do lado dos setembristas. Não sabemos se estava, dado que tanto uns como outros se diziam «liberais» em defesa da Rainha e das Instituições vigentes, mas sabemos que este Padre, em 20 de Maio de 1840, foi «barbaramente assassinado pelas sacrílegas mãos dos sempre infames José de Almeida Simões, por alcunha o «Raposo», Bernardo da Silva e José Ferreira Novo, o «Farrinho», seus próprios fregueses do lugar de Farejinhas (…)  Motivou este atroz assassínio a renitência que sempre o assassinado Pároco mostrou a desobediência ao legítimo Governo da Rainha, a Senhora D. Maria Segunda e actuais Instituições Liberais do País, a que sempre aqueles foram adversários, a cuja desobediência os malvados o queriam arrastar como vários outros seus fregueses que para o mesmo assassínio concorreram», tal qual se lê no assento da «certidão de «óbito» feito pelo seu irmão para que, como ele acrescenta «a todo o tempo conste quem foram os abomináveis excomungados que tão horrendo sacrilégio cometeram e os motivos de tão execranda crueldade, fiz o presente assento como irmão do assassinado e Reitor Colado da Igreja Matriz da Nossa Senhora da Conceição da Ermida do Paiva. Declarando que os mesmos assassinos e mais cúmplices ainda hoje confessam quanto aquele seu pároco era exacto e perfeito no desempenho das suas obrigações paroquiais, o que se deixa à inteligência dos seus dignos sucessores, examinando a perfeição e asseio com que neste livro e nos mais acharem seus respectivos assentos. Castro Daire 11 de Julho de 1840 – O Revdº António Bizarro d’Almeida». (Certidão de Óbito, maço documentos fornecidos pela D. Alice Aguilar)

 in meu livro «Castro Daire, Clero, Nobreza e Povo» (inédito)


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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.