«Porto 6 de Julho de 1841
«O Visconde Francisco lá está hoje tb doente, tendo tido à noite bastante febre, mas creio que não será coisa de cuidado. O meu cunhado chegou hontem de Samodães e me encarregava de te dizer da sua parte o seguinte.
Vai-se proceder nesse circulo à eleição de um deputado em consequência da morte de Gonçalo J. da Svrª Lobo. O nosso comum amigo Aguiar, actual ministro do Reino, quer ser proposto para deputado por ahi, visto ter perdido o seu lugar pela entrada no ministério.
Nestes termos tu farás chamar o actual Administrador, António Duarte Pinto e lhe darás /confidencialmente/ que temos a quase certeza de que elle fique Administrador do Concelho, porem para isto he necessário fazer serviço ao Ministério que o há de despachar e por conseguinte que vá dispondo as coisas de forma que possamos obter ahi os votos que nos for possível. Escrevas também ao capitão-mor de Cabril em nome e por ordem do meu cunhado para o mesmo fim, bem como ao filho, actual Reitor ou Abade em Alvarenga, para que compareça em Cabril para promover o mesmo.
Enfim, escreverás e farás de baixo de capa o que estiver ao teu alcance para fazermos triunfar uma pessoa a eu tanto somos obrigados, mas com a reserva da tua parte de forma que te não comprometas e sobretudo que não corras o menor risco.
Só com esta terminante cautela que eu te imponho da minha parte. Eu quero que promovas a eleição dita como se nomeia um substituto, podem meter o Dr. J. Alves de Maria Coelho, Juiz desta Relação. Não he elle muito da minha relação e se houvesse tempo outro se podia lembrar, porem assim vem recomendado de Lisboa e como não se possa propor outro que mais facilmente o devesse substituir, deixá-lo ir ao menos he dos nossos princípios. Todavia se for necessário com elle fazer alguma transacção he faze-la, o ponto está o primeiro. Mas repito da tua parte que nem haja comprometimento nem risco porque he so debaixo desta hypotese que sequer que tu cooperes. Mete os cães à moita e tu joga de fora. Chama do Duarte Ptº na forma dita e já que elle quer ter os prós tenha tb os percalços. Que elle trabalhe para colher o fruto da sua seara. Escreve ao Capitão das Bombas e ao filho na maneira apontada enquanto te lembrar, mas encastelado nas casas da Praça. Creio que sobre isto não he preciso dizer mais e que tu bem me entendes. Eu tinha protestado não dar nem escrever huma palavra sobre elleições, mas esta bem vês tu que vem jogada do baralho e então não há remédio – repetirei novamente que tu encastelado na casa da Praça he só de lá que arteiramente deves dirigir a operação. É bem de ver que o nobre Barão faça das suas. Tu irás tomando nota dos seus passos para em tempo ser levado tudo em conhecimento do Ministro a quem elle decerto vai hostilizar. Creio que me entendes.
Ads. Meu Amº tem saúde e diz-me em que termos vae a demanda.
Teu do cor.
B. de Lemos»
Os amigos viram bem! Tudo feito à socapa, sem dar nas vistas. E seria da casa da praça que, «arteiramente», o abade devia dirigir a «operação». «Mete os cães à moita e tu joga de fora». É o conselho e o empenho do Senhor Desembargador Bernardo de Lemos. E as coisas depois aparecem assim como que «caídas do céu». Ontem e hoje. Face ao que me atrevo a dizer que ao contrário do que alguns políticos, juristas e comentadores encartados, inteligentemente nos querem fazer crer, que a POLÍTICA E a JUSTIÇA são duas SANTINHAS do mesmo PANTEÃO, adoradas em altares separados, elas são para mim duas PUTAS do mesmo BORDEL, sempre dispostas a servirem a cama das conveniências.