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quarta, 29 janeiro 2014 13:10

CASTRO DAIRE - ALVA COMEMORA OS «500 ANOS DO FORAL MANUELINO»

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Tomei conhecimento de que a Junta da «União de Freguesias de Mamouros, Alva, Ribolhos» resolveu comemorar os «500 ANOS DO FORAL DE ALVA» dado por D. Manuel I, em 10 de Fevereiro de 1514.
Eu, que ando metido nestas coisas da HISTÓRIA LOCAL há muitos anos e que, sem qualquer interesse oculto (antes pelo contrário) fui um dos seus apoiantes públicos nas últimas eleições autárquicas, não podia deixar de felicitá-la pelo evento e, à minha maneira, dar-lhe o meu contributo «pro bono»,  isto é, elaborar um texto relacionado com ele, sem onerar num cêntimo os cofres da autarquia. Faço-o e digo-o por dever de cidadania e travar, desde logo, as más-línguas que, no âmbito destas coisas concelhias de interesse comum, só deslizam muito bem nos carris dos interesses pessoais, de família ou de amigos.

FORAL COLUNAS-TEXTO-1Tratando-se de matéria do meu foro profissional, solo arável onde a minha aiveca vira a leiva do campo gótico, tornando legível o «húmus» escondido para os leigos (aqui deixo apenas a tradução da 1ª coluna) a tarefa, apresentava-se-me,«ab initio» facilitada, proporcionando-me até o prazer de retornar às velhas «leituras novas» dos forais manuelinos e manter viva e actualizada a aprendizagem que, para o melhor desempenho profissional, tive de fazer, não só por obrigação, mas também por gosto. Isto fez-me retornar ao tema da reforma foralina empreendida por esse monarca,  visando claramente um melhor controlo administrativo e fiscal do território, tão ao jeito dos nossos dias, neste princípio do século XXI. E, de caminho, revisitar também a grande discórdia política que se verificou, em 1821-1822, entre duas correntes ideológicas presentes na Câmara Vintista, aquando da «REFORMA» ou da «EXTINÇÃO» desses instrumentos político-administrativos manuelinos.

Com efeito, D. Manuel, pela mão de Fernão de Pina, procedeu à reforma dos «forais antigos», dando origem aos que se chamam os «forais novos», ou de «leitura nova».  E assim sendo, numa ocasião em que se comemoram os 500 anos da doação  desse foral a Alva, mal faria eu se ficasse calado e omitisse que o seu primeiro foral foi dado pelo Conde D. Henrique, marido de D. Teresa, mãe de Afonso Henriques, que estava em Viseu, no ano de 1109, onde nasceu, nesse ano, o menino que viria a ser o PRIMEIRO REI DE PORTUGAL, tal qual nos diz o historiador A. Almeida Fernandes, no seu bem fundamentado livro «Viseu, Agosto de 1109, nasce D. Afonso Henriques», onde transcreve da PMH, IS 930, o seguinte:

«1097-1112: «Nos vero inquisitores dommini regis interrogamtis si concilium de Alva habent cartam de foro dixerunt quod habent e nos vidimos cartam de foro que fui de tempore domini comiteis Henrici, tamem magis sequuntur usam cartam». (A.FERNANDES, pp. 36)

Ora, da carta de foro aqui referida vista e manipulada pelos ditos «vero inquiridores», não resistiu letra. E o próprio D. Manuel I, antes de proceder à reforma foralina, refere ter procedido também a INQUIRIÇÕES, a fim de levar por diante tal tarefa.
O território era uma manta de retalhos dividida em REGUENGOS, COUTOS, HONRAS E CONCELHOS e o poder dividido estava pelo CLERO,  NOBREZA E POVO. Isso fazia  com que muitas propriedades e foros reais levassem descaminho, pois não faltava quem chamasse a si o que a outros pertencia. Inquirir o que se passava no Reino, sobre os títulos de propriedades, direitos e obrigações, rendimentos e foros, geralmente pagos em géneros, era pois a abundante fruta da época. E foi assim que, no século XIII, D. Afonso III, procedendo a semelhante trabalho, deixou nos arquivos as «INQUIRIÇÕES de 1258», conhecidas pelo seu nome. E o registo do foral novo manuelino, feito no «Livro dos Forais Novos de Beira», destaca, a cor encarnada, o foral dado anteriormente «às terras de Alva por El Rei Dom Afonso, Conde de Bolonha», ele próprio, D. Afonso III.

Posto isto, direi que quando o Rei Venturoso procedeu a essa reforma, não foi para revigorar a autonomia dos municípios, mas bem pelo contrário. Isso contribuiu para que os forais perdessem o seu carácter original de estatuto político-concelhio, tornando-se, como convinha à centralização do poder, então em ascensão sem mais parar,  o registo dos encargos e das isenções locais, face ao poder central.
Vigoraram séculos os instrumentos político-administrativos saídos dessa reforma. Mas, com o tempo, foram sendo considerados entraves ao desenvolvimento do país, do comércio e da agricultura. A Revolução Liberal de 1820, ditar-lhe-ia o seu fim. Mas não sem que, ao tempo e em torno deles, se travasse acesa polémica, entre as duas correntes ideológicas em confronto, representadas na Câmara Vintista, de 1821-1822.

José Tengarrinha no Prefácio que faz ao seu livro «A Revolução de 1820» mostra-nos, de um lado, os políticos interessados na sua REFORMA e, do outro, os políticos interessados na sua EXTINÇÃO pura e simples.
Ele era Fernandes Tomás que, condenando, embora, «os odiosos forais que tanto pesam sobre o infeliz agricultor», apontava para a sua reforma. Ele era o deputado Bettencourt que, relacionando o caso com o direito de propriedade, afirmava que tal direito não respeitou o rei D. Manuel e concluía que a «antiguidade de certas pessoas não consolida o direito de propriedade, quando o princípio dessa aquisição, é nulo, vicioso e despótico». Ele era Borges Carneiro que, na mesma linha de pensamento, afirmava:  «eu não conheço senão um foral, que é o direito da natureza, tudo o mais são roubos».

Vingaram os argumentos dos políticos que apelavam para a sua extinção. E logo depois dessas acesas discussões (que nunca faltam em momentos históricos visando a mudança do «statu quo»)  o Decreto de 13 de Agosto de 1832, e a sua consequente aplicação, remeteu os forais para a poeira dos arquivos.
E já agora, poderá perguntar-se: por que razão lembro eu tudo isto, em 2014, no evento comemorativo dos «500 ANOS DO FORAL DE ALVA»? Respondo: só para não esquecermos a importância da HISTÓRIA e sabermos quanto o PASSADO tem o seu pé de dança metido no arraial do PRESENTE e também ficarmos cientes de que tê-lo-á no FUTURO, sempre que do Terreiro do Paço saiam leis ligadas à divisão e organização administrativa do território, sem auscultação das populações.

Fiz este trabalho com entusiasmo, não só pelas razões de cidadania acima ditas, mas também porque, posto ao corrente dele, contei, de imediato, com a colaboração do meu amigo e conterrâneo, natural da Granja, José Antonio de Almeida Silva, funcionário da Torre do Tombo, a residir na área da Grande Lisboa, sempre disposto a atender os meus pedidos e, em prol do saber e do conhecimento, a remeter-me os documentos solicitados relacionados com a minha investigação. Grato lhe estou por isso.

Abílio Pereira de Carvalho

Janeiro/2014

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.