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sexta, 10 janeiro 2014 13:02

CASTRO DAIRE - TOPÓNIMO

Escrito por 

TOPÓNIMO

1 - Célio Rolinho Pires, o autor do livro «Na Rota das Pedras» (2011), mostra-nos que aos pés de um par de campas, sitas na zona que ele estudou, (distrito da Guarda) se encontra o nome do deus «ARYS», ou «ARES», dito deus dos Lusitanos

ARES-1Com a devida vénia do autor, aqui deixo a foto dessa pedra, emparceirada com a ARA que foi encontrada na velha Ponte Pedrinha, sobre o rio Paiva, inserta no livro «Castro Daire», onde Inês Vaz diz estar inscrita uma dedicatória ao deus ARUS, e que, segundo ele, seria uma «divindade importante», ao ponto de perpetuar o seu nome no «topónimo Castro Daire»
E ficou-se por aí, Inês Vaz. 
Mas, face à descoberta de Célio Rolinho, aproximando estes três nomes  ARYS=ARES=ARUS, parece-nos que o topónimo Castro d’AIRE, Castro DAIRO, Castelo d’AIRE, grafia que nos aparece nos documentos antigos, se encontra mesmo ligado a ARES, a esse deus grego da guerra, correspondente ao deus Marte dos romanos, protector da cidade, mas também da agricultura e dos rebanhos. 

2 - A anterior dupla de fotografias faz-nos retornar à ARA que foi encontrada na demolição da velha Ponte Pedrinha, em 1877/78, para se construir a que existe actualmente.
A foto, «data vénia» aos autores, está inserta no livro  «Castro Daire». Nela vê-se toscamente esculpido um quadrúpede e o nome ARUS, o mesmo que Inês Vaz associou a uma divindade local importante, mas não ao deus ARES grego. Isso leva-nos de retorno ao trinómio ARYS=ARES=ARUS. E,  para aquém das cogitações que já foram feitas sobre o assunto, afigura-se-nos  que o topónimo Castro d’AIRE, Crasto DAIRO, Castro de ARIO, Castelo de ARIO, tal como aparece escrito nas Inquirições e nos forais, se encontra ligado, efectivamente, a ARES, a esse deus grego da guerra, protector da cidade, mas também da agricultura e dos rebanhos. 

Ares-2Os Lusitanos, segundo Estrabão, comiam essencialmente  «cabritos e sacrificam a ARES um bode, prisioneiros de guerra e cavalos».  E  bode ou  porco parece ser o quadrúpede esculpido nesta ARA votiva. E de sacrifícios de animais nos falam, também, os textos inscritos nos penedos de Lamas de Moledo (Castro Daire) e no Penedo de Fráguas (Sabugal), terras da Lusitânia, nos quais comummente se aceita referirem a imolação de uma ovelha de um porco e um touro, ritual de sacrifício que os eruditos designam por «suovetaurilium».

                                                                                                                                                                         *

                                           *       *

                                                                                                                          Animais sacrificados aos deuses, às divindades, em tempos pagãos, dirão uns. Mas outros lembrar-se-ão de Isac, filho de Abraão, estendido sobre a ara e o pai disposto a sacrificá-lo, fogo numa mão e o cutelo na outra, salvo por um triz, ao ouvir a voz de Deus: «não estendas a tua mão sobre o menino e não lhe faças mal algum; agora conheci que temes a Deus e não perdoaste a teu filho único por amor de mim. Abraão levantou os olhos e viu atrás de si um carneiro preso pelos chifres entre os espinhos e, pegando nele, o ofereceu em holocausto em lugar de seu filho» (Génesis, 22:12,13)  

Sacrifício após sacrifício, numa relação estreita entre homens, animais e deuses, a história está recheada de rituais semelhantes, nas mais diversas civilizações. 
E para remate de um livro que fala da «Igreja Matriz de Castro Daire», aonde o povo acorre ao toque do sino, para assistir à MISSA, nada melhor do que transcrever o texto que «O Sacrosanto e Ecumémico CONCILIO de Trento», na sua sessão de 17 de Setembro de 1562, escreveu sobre isso mesmo, a missa:

                                                                                                                «Doutrina do Sacrifício da Missa


O Sacrosanto, Ecuménico e Geral Concílio Tridentino, legitimamente congregado com assistência do Espírito Santo, presidindo nele os mesmos Legados da Sé Apostólica; para que a antiga completa e inteiramente perfeita fé e doutrina do grande Mistério da Eucaristia na Santa Igreja Católica se conserve na sua pureza, repelidos os erros; instruído por ilustração do Espírito Santo, ensina, declara e determina se pregue aos povos o seguinte, acerca da mesma Eucaristia em quanto é Sacrifício».

(…)

Este Deus pois, e Nosso Senhor, posto que mediando a morte se havia de oferecer uma vez ao Eterno Pai no Altar da Cruz, para nele obrar a redenção eterna; contudo como pela morte se não havia de extinguir o seu sacerdócio, na última ceia, em cuja noite foi entregue, para deixar à Igreja sua amada Esposa (como pede a natureza humana) um sacrifício em que se representasse aquele que se havia de obrar na Cruz e a memória dele durasse até ao fim do século; e a sua virtude se aplicasse em remissão dos pecados que cada dia cometemos, declarando-se sacerdote perpetuo, segundo a ordem de Melchisedech, ofereceu a Deus Pai o seu Corpo e Sangue debaixo das espécies de pão e vinho e deu aos Apóstolos que então constituiu Sacerdotes do Novo Testamento, debaixo dos símbolos destas mesmas coisas; e a eles e a seus sucessores no Sacerdócio, mandou que o oferecessem com estas palavras: Fazei isto em minha lembrança (…)» (O Sacrosanto e Ecumémico CONCILIO de Trento», Tomo II, 1786, p p. 85-87)

E, para melhor se entrelaçarem, no tempo, os elos desta cadeia de sacrifícios, reais e simbólicos, passados e presentes, cadeia que mete animais, deuses, homens, pão e vinho, falta só transcrever o texto do Antigo Testamento que relata o encontro de Abraão com Melquisedec, a que alude o Concílio de Trento, associando-o à «Última Ceia de Cristo». Assim:

«E Melquisedec, rei de Salém, trazendo pão e vinho, porque era sacerdote do Deus Altíssimo, abençoou e disse: Bendito seja Abraão pelo Deus Altíssimo que criou o céu e a terra e bendito seja o Deus Altíssimo, por cuja protecção os inimigos estão nas tuas mãos. E Abraão deu-lhe o dízimo de tudo». (Génesis, 14:18,20)

 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.