Com a devida vénia do autor, aqui deixo a foto dessa pedra, emparceirada com a ARA que foi encontrada na velha Ponte Pedrinha, sobre o rio Paiva, inserta no livro «Castro Daire», onde Inês Vaz diz estar inscrita uma dedicatória ao deus ARUS, e que, segundo ele, seria uma «divindade importante», ao ponto de perpetuar o seu nome no «topónimo Castro Daire».
E ficou-se por aí, Inês Vaz.
Mas, face à descoberta de Célio Rolinho, aproximando estes três nomes ARYS=ARES=ARUS, parece-nos que o topónimo Castro d’AIRE, Castro DAIRO, Castelo d’AIRE, grafia que nos aparece nos documentos antigos, se encontra mesmo ligado a ARES, a esse deus grego da guerra, correspondente ao deus Marte dos romanos, protector da cidade, mas também da agricultura e dos rebanhos.
2 - A anterior dupla de fotografias faz-nos retornar à ARA que foi encontrada na demolição da velha Ponte Pedrinha, em 1877/78, para se construir a que existe actualmente.
A foto, «data vénia» aos autores, está inserta no livro «Castro Daire». Nela vê-se toscamente esculpido um quadrúpede e o nome ARUS, o mesmo que Inês Vaz associou a uma divindade local importante, mas não ao deus ARES grego. Isso leva-nos de retorno ao trinómio ARYS=ARES=ARUS. E, para aquém das cogitações que já foram feitas sobre o assunto, afigura-se-nos que o topónimo Castro d’AIRE, Crasto DAIRO, Castro de ARIO, Castelo de ARIO, tal como aparece escrito nas Inquirições e nos forais, se encontra ligado, efectivamente, a ARES, a esse deus grego da guerra, protector da cidade, mas também da agricultura e dos rebanhos. Os Lusitanos, segundo Estrabão, comiam essencialmente «cabritos e sacrificam a ARES um bode, prisioneiros de guerra e cavalos». E bode ou porco parece ser o quadrúpede esculpido nesta ARA votiva. E de sacrifícios de animais nos falam, também, os textos inscritos nos penedos de Lamas de Moledo (Castro Daire) e no Penedo de Fráguas (Sabugal), terras da Lusitânia, nos quais comummente se aceita referirem a imolação de uma ovelha de um porco e um touro, ritual de sacrifício que os eruditos designam por «suovetaurilium».
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Animais sacrificados aos deuses, às divindades, em tempos pagãos, dirão uns. Mas outros lembrar-se-ão de Isac, filho de Abraão, estendido sobre a ara e o pai disposto a sacrificá-lo, fogo numa mão e o cutelo na outra, salvo por um triz, ao ouvir a voz de Deus: «não estendas a tua mão sobre o menino e não lhe faças mal algum; agora conheci que temes a Deus e não perdoaste a teu filho único por amor de mim. Abraão levantou os olhos e viu atrás de si um carneiro preso pelos chifres entre os espinhos e, pegando nele, o ofereceu em holocausto em lugar de seu filho» (Génesis, 22:12,13)
Sacrifício após sacrifício, numa relação estreita entre homens, animais e deuses, a história está recheada de rituais semelhantes, nas mais diversas civilizações.
E para remate de um livro que fala da «Igreja Matriz de Castro Daire», aonde o povo acorre ao toque do sino, para assistir à MISSA, nada melhor do que transcrever o texto que «O Sacrosanto e Ecumémico CONCILIO de Trento», na sua sessão de 17 de Setembro de 1562, escreveu sobre isso mesmo, a missa:
«Doutrina do Sacrifício da Missa
O Sacrosanto, Ecuménico e Geral Concílio Tridentino, legitimamente congregado com assistência do Espírito Santo, presidindo nele os mesmos Legados da Sé Apostólica; para que a antiga completa e inteiramente perfeita fé e doutrina do grande Mistério da Eucaristia na Santa Igreja Católica se conserve na sua pureza, repelidos os erros; instruído por ilustração do Espírito Santo, ensina, declara e determina se pregue aos povos o seguinte, acerca da mesma Eucaristia em quanto é Sacrifício».
(…)
Este Deus pois, e Nosso Senhor, posto que mediando a morte se havia de oferecer uma vez ao Eterno Pai no Altar da Cruz, para nele obrar a redenção eterna; contudo como pela morte se não havia de extinguir o seu sacerdócio, na última ceia, em cuja noite foi entregue, para deixar à Igreja sua amada Esposa (como pede a natureza humana) um sacrifício em que se representasse aquele que se havia de obrar na Cruz e a memória dele durasse até ao fim do século; e a sua virtude se aplicasse em remissão dos pecados que cada dia cometemos, declarando-se sacerdote perpetuo, segundo a ordem de Melchisedech, ofereceu a Deus Pai o seu Corpo e Sangue debaixo das espécies de pão e vinho e deu aos Apóstolos que então constituiu Sacerdotes do Novo Testamento, debaixo dos símbolos destas mesmas coisas; e a eles e a seus sucessores no Sacerdócio, mandou que o oferecessem com estas palavras: Fazei isto em minha lembrança (…)» (O Sacrosanto e Ecumémico CONCILIO de Trento», Tomo II, 1786, p p. 85-87)
E, para melhor se entrelaçarem, no tempo, os elos desta cadeia de sacrifícios, reais e simbólicos, passados e presentes, cadeia que mete animais, deuses, homens, pão e vinho, falta só transcrever o texto do Antigo Testamento que relata o encontro de Abraão com Melquisedec, a que alude o Concílio de Trento, associando-o à «Última Ceia de Cristo». Assim:
«E Melquisedec, rei de Salém, trazendo pão e vinho, porque era sacerdote do Deus Altíssimo, abençoou e disse: Bendito seja Abraão pelo Deus Altíssimo que criou o céu e a terra e bendito seja o Deus Altíssimo, por cuja protecção os inimigos estão nas tuas mãos. E Abraão deu-lhe o dízimo de tudo». (Génesis, 14:18,20)