Trilhos Serranos

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quarta, 21 agosto 2024 15:27

25 DE ABRIL DE 1974 «CINQUENTA ANOS DEPOIS» 2024

Escrito por 

GENTE DA TERRA

Na crónica anterior, a propósito dos PARTIDOS MÉDICOS, trouxe à luz dos tempos de hoje, o nome de JOÃO GUERRA CERDEIRA, o cidadão castrense que, à data da «REVOLUÇÃO DOS CRAVOS», exercia o cargo de CHEFE DE SECRETARIA da Câmara Municipal de Castro Daire. Mas eu já me tinha cruzado com esse nome quando recolhia matéria histórica para o livro que veio a ser publicado, em 1993,  com o título “Cujó, Uma Terra de Riba-Paiva”, editado pela Junta de Freguesia, quando era Presidente Secundino da Silva Carvalho.

 

PRIMEIRA PARTE

JOÃO GUERRA CERDEIRACom efeito, JOÃO GUERRA CERDEIRA, em 1949, na qualidade de SECRETÁRIO DE SEGUNDA CLASSE do QUADRO PRIVATIVO DA CÂMARA DE CASTRO DAIRE, foi quem dactilografou e assinou o auto onde ficou marcada a LINHA DIVISÓRIA das Freguesias de Cujó e S. Joaninho. E para fazê-lo teve e acompanhar no terreno, a romper sola, os representantes das duas freguesias e com eles proceder à gravação de CRUZES e DATAS em pedras e penedos, deixando para a posteridade a devida e necessária LOCALIZAÇÃO.

Eu tinha, à data, 10 anos de idade. E não sonhava, sequer que viesse, mais tarde,  a ler o seu nome nesse DOCUMENTO FUNDACIONAL DA FREGUESIA, nem que com ele me viria a cruzar aos 85 anos de idade (neste ano de 2024), exatamente «CINQUENTA ANOS APÓS O 25 DE ABRIL».

Mas cá estou a falar da NOSSA TERRA e da NOSSA GENTE.

Não conheci pessoalmente esse SENHOR, cuja fotografia me foi cedida gentilmente, a meu pedido, pela neta Maria Manuel), mas a documentação autoriza-me a dizer que JOÃO GUERRA CERDEIRA era um funcionário sabedor e zeloso das funções que desempenhava ao serviço do concelho e seus munícipes.

E fazia-o com a COMPETÊNCIA que transpira dos documentos que tem a sua assinatura, isto é a sua «PEGADA» no domínio do DIREITO ADMINISTRATIVO. Que mais não fosse, isso só, merecia que o HISTORIADOR (que, com 10 anos de idade,  guardava ovelhas e cabras nos montes de Cujó, quando por ali andou a marcar a LINHA DIVISÓRIA da FREGUESIA e a datilografar o correspondente AUTO, a que já fiz referência),  arrancasse o seu nome dos ARQUIVOS MUNICIPAIS e que, à semelhança de tantos outros, não deixasse que ali se perdesse envolvido em pó e teias de aranha. Ele que, como tantos outros mereciam ser lembrados e respeitados, pois, cada um à sua maneira, contribuiu para manter de pé este nosso pedacinho de POERUGAL PERIFÉRICO que herdámos.

E se no APONTAMENTO anterior ele mostrou a tarimba que possuia nos emaranhados caminhos da burocracia, tratando dos «PARTIDOS MÉDICOS»,  hoje trago à colação o berbicacho que ele teve de enfrentar com a novel COMISSÃO ADMINISTRATIVA PROVISÓRIA a gerir os destinos do concelho, após o 25 de abril de 1974. Tenho para mim, depois de muita investigação feita, convivência e lida com as lideranças políticas locais e nacionais, que a REVOLUÇÃO DOS CRAVOS pôs fim ao ESTADO NOVO dando claramente início ao NOVO ESTADO, nem sempre expurgado dos defeitos e mazelas que afetavam o REGIME CAÍDO.

CORONEL CERDEIRAOra, como era seu dever, atendendo às datas impostas por lei, JOÃO GUERRA CERDEIRA, Chefe da Secretaria, apresentou,  para assinatura, as CONTAS que tinha que de apresentar à nova  COMISSÃO EMPOSSADA e esta recusou-se a assiná-las.

Era outro embate de discordância burocrática do experiente funcionário  com os membros da nova EDILIDADE PROVISÓRIA, apesar de ele lembrar que tinha sido um dos “primeiros assinantes do MUD, juntamente com o seu amigo Augusto de Almeida Pinto» e lembrou, com oportunidade,  que o seu filho «Tenente do Quadro Ativo das Forças Armadas, Manuel Guerra Cerdeira» juntamente com «o capitão Bento, comandou a Força que tomou a T.V. na Histórica Jornada da Madrugada de 25 de Abril, eu não desejaria, por qualquer forma, entrar em conflito com a Comissão».

 O tenente a que se refere JOÃO GUERRA CERDEIRA, faleceu o  ano passado (2023) com a patente de CORONEL. O serviço fúnebre foi feito, a seu pedido, pela FUNERÁRIA ANDRADE que me cedeu a fotografia que ilustra esta crónica. Faço-o em MEMÓRIA DE AMBOS (pai e filho que não conheci pessoalmente) não obstante a D. Alice de Almeida (A. Morgado, como eu sempre a tratei) ter sido, em vida, para mim,  uma fonte de informação sobre a história e as gentes do nosso velho “crasto”.

 

 

 

 

SEGUNDA PARTE

(DOCUMENTAÇÃO)

«Secretário do Governo Civil 

V I S EU

 1052, de 2 9 de Maio de 1974

 «Conta da responsabilidade do Tesoureiro da Fazenda Publica, exator municipa1, respeitante ao período de 1 de Janeiro a 15 de Maio do corrente ano»

 Foi a Comissão Administrativa provisória desta Gamara Municipal empossada por V. Exª. no passado dia 15 e, conforme oficio transcrito na ata da reunião realizada nesse mesmo dia, entrando imediatamente em exercício. 

 Por se ter dado a substituição da gerência administrati­va responsável, organizou-se a conta relativa ao tempo decorrido ate à substituição, como prescreve o § 1º do artº 700º do Código Administrativo. 

 Presente à Comissão administrativa provisória na reuni­ão de 23 do corrente, a conta não foi considerada pois a Comissão Administrativa entendeu que a sua assinatura compete à Câmara substituída e não à Comissão. 

 Procurei fazer ver à Comissão a impossibilidade de a antiga Câmara assinar a conta, até porque, havendo sido substitu­ída no dia 15 e devendo a conta ser elaborada no prazo de 30 dias deixara legalmente de existir e legalmente também não poderia praticar qualquer ato, ou ter qualquer interferência em assuntes que se relacionassem com a vida do corpo administrativo, a partir daquela data, 

 Não se põe - ou pelo menos não foi posta, nem poderá ser posto dado que a conta está rigorosamente certa - a questão de qu­alquer irregularidade. 

 No resto, apresentei à Comissão todos os documentos de receita e despesa respeitante ao período do gerência e prontifiquei-me a proceder a sua conferência e verificação juntamente com todos os seus componentes ou só com alguns, para tranquilização de todos. 

 Mais, em conversa com o Senhor Presidente da Comissão ontem, declarei-lhe que assumiria a mais ampla responsabilidade - disciplinar e até crimina1- acerca de qualquer irregularidade na feitura da conta. 

 E, informei-o de que, caso este documento não fosse assinado, teria de comunicar o facto ao Tribunal de Contas para os efeitos convenientes.

Em resposta foi-me dito que não estava em dúvida a hones­tidade dos funcionários, mas só que entendia que não deveria ser a comissão a assinar a conta, mas a antiga Câmara. 

 Vou apresentar, novamente, à Comissão, a conta de responsa­bilidade do Tesoureiro no próximo dia 9.

Amigo de todos os componentes da Comissão, há muitos anos a qual conhece perfeitamente a missão desempenhada por meu fil­ho, o Tenente do Quadro Ativo das Forças Armadas, Manuel Guerra Cerdeira, que, com o capitão Bento, comandou a Força que tomou a T.V. na Histórica Jornada da Madrugada de 25 de Abril, eu não desejaria, por qualquer forma, entrar em conflito com a Comissão.

 Nada se ganharia com isso- e só reverteria para o desprestígio de todos, num momento grave da vida nacional em que nos cumpre dar toda a colaboração ao Governo.

Por isso, venho pedir a V.Exª. o favor de esclarecer a Comissão da obrigatoriedade de assinar a conta em apreço,  p o i s , parece-me, que esgotei já todos os argumentos legais para o conse­guir.

Apresento a V. Exª. os meus melhores cumprimentos.

A BFM BA NAÇÃO.

     O Chefe da Secretaria, 

 

TERDEIRA PARTE

 

Com efeito, num tempo em que todos suspeitavam de todos, podemos ler na minuta da reunião da Comissão Administrativa realizada no dia 15 de maio p.p. que o Chefe da Secretaria, JOÃO GUERRA CERDEIRA, mostrou o zelo que lhe merecia a GESTÃO MUNICIPAL apresentando à COMISSÃO, recentemente nomeada, as contas que estavam sob a sua alçada, assim: 

«ORÇAMENTO PARA 1 974. — 0 Chefe da Secretaria apresenta à Câmara o orçamento para o corrente ano, para que a Comissão dele tome o devido conhecimento.

 CONTA DE GERÊNCIA DO ANO DE 1 973: - O Chefe da Secretaria apresenta à Comissão todo o processo da conta de gerência do ano de 1 973. Desejaria o funcionário que a Comissão examinasse com a atenção que tão importante documento merece.

 DOCUMENTAÇÃO DA DESPESA DO ANO DE 1 973    e  1 974: - 0 Chefe da Se­cretaria apresenta à Comissão, melhor, põe à disposição da Comis­são todos estes documentos de despesa para, se assim o entenderem, os examinar e sobre os mesmos se pronunciar.

O Chefe da Secretaria desejaria que esta reunião se iniciasse com uma saudação sua e de todos os funcionários municipais â Comissão Administrativa Provisória da Câmara Municipal, a quem apresenta cumprimentos afirmando-lhe, o firme propósito de todos quantos trabalham nesta casa tudo       fazerem se possível, mais que ontem, para bem do concelho, em íntima e estreita colaboração com a Comissão. 

Todos os livros de contabilidade, tanto da receita como da despesa, o Chefe da Secretaria coloca-os à disposição da Comissão para os efeitos que tiver por convenientes.

 BASES DE ORÇAMENTO E PLANO DE CATIVIDADE PARA 0 ANO DE 1 974:  

O Chefe da Secretaria apresenta à Comissão exemplares deste documento para que possa tomar conhecimento da orientação seguida ate agora na administração municipal.

 RELATÓRIO DA GERÊNCIA DO ANO DE 1 973 - Igualmente o Chefe da Se­cretaria apresenta à Comissão o relatório da gerência do ano findo, para os efeitos que a mesma tiver por convenientes.

Finalmente o Chefe da Secretaria e os seus funcionários põem-se ao dispor da Comissão, como, aliás, é seu dever, para todos os esclarecimentos e explicações que se tornarem necessárias».

 CONCLUSÃO

 Mas o Chefe da Secretaria tinha o pecado de ter servido o ANTIGO REGIME e, por isso, por mais honesto que fosse, era olhado com desconfiança e não tardaria a ser alvo de ACUSAÇÕES DE COLABORACIONISTA, acusações essas  que se revelaram infundadas, como ficou apurado depois de concluído o inquérito realizado para o efeito. A ele voltarei em devido tempo, que mais não seja, para os meus prezados seguidores (eles próprios) fazerem a distinção entre os conceitos de ESTADO NOVO e NOVO ESTADO, pos mim usados.

 



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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.