PRIMEIRA PARTE
E este NOVO ESTADO tomou a designação institucional de “COMISSÕES ADMINISTRATIVAS PROVISÓRIAS” a quem competia gerir os destinos do Município até que houvesse eleições democráticas para o efeito.
E a COMISSÃO que, em Castro Daire, passou a gerir o destino concelhio foi constituída pelo senhor Eng. António Pereira Rebelo (presidente) e pelos vogais Dr. Jorge de Melo Ferreira Pinto, Júlio Alexandre Pinto, António Augusto Pinto de Oliveira e Rui Ferreira Marques.
E aqui o digo, por ser de justiça fazê-lo, que devo ao vogal Júlio Alexandre Pinto, cidadão com quem vim a privar anos depois, v.g., após meu “retorno” ao concelho (1983/1984) a documentação que me permite ter conhecimento das fricções políticas havidas nesses tempos entre cidadãos da mesma terra, não duvido que todos “muito amigos” antes da mudança de REGIME.
O caso foi que, na reunião de 23 de maio de 1974, isto é, não tinha ainda decorrido um mês após a REVOLUÇÃO, o vogal Dr. Jorge de Melo Ferreira Pinto, escorado no CÓDIGO ADMINISTRATIVO, expôs aos restantes “pares do reino”, um problema relacionado com os PARTIDOS MÉDICOS, então, existentes no concelho. Essa sua “proposta” levou a um extenso e discordante esclarecimento escrito pelo, então, CHEFE DE SECRETARIA, João Guerra Cerdeira, funcionário que, vindo do regime anterior, em favor do seu argumentário lembrava estar a desempenhar, por concurso, um cargo da função pública, “sem pedidos” (leia-se cunhas) e ter sido um dos primeiros subscritores do MUD, juntamente com o republicano Augusto de Almeida Pinto, logo após o terminus da 2. Guerra Mundial. Que o Presidente da Comissão era “um Engenheiro distintíssimo, na sua profissão, está perfeitamente à vontade para se pronunciar sobre qualquer assunto, mas não admira que, no respeitante ao Direito Administrativo, se veja impedido de, com segurança, emitir opiniões e tomar decisões” (sic).
Cabia a ele Chefe de Secretaria, o papel de esclarecer sobre “as decisões dos Magistrados, ou as deliberações da Câmara, sempre que envolvam a lei, sua interpretação e aplicação”.
O mote das relações políticas e administrativas estava escrito. O documento exala penetrante animosidade entre os intervenientes. Os políticos recém-chegados e um funcionário traquejado nas teias da BUROCRACIA.
Vejamos a DOCUMENTAÇÃO por forma a que, cada um dos meus seguidores, fique ciente das RAZÕES e INTERESSES que moviam uns e outros. Assim:
SEGUNDA PARTE
«24-05-1974:
No decurso da reunião de ontem, o vogal senhor Dr. Jorge de Melo Ferreira Pinto, exibindo um Código Administrativo, falou a V. Exaª sobre partidos médicos e residências obrigatórias dos titulares.
Embora particularmente, pelo menos eu assim o considerei visto o assunto não ter sido exposto claramente à Câmara e para efeito de deliberação. No entanto cumpre-me dizer a V. Exª o que sobre "partidos médicos se passa", aliás em cumprimento do disposto na última parte do nº 5º do artº 137º do Código Administrativo, artigo este que fixa a competência do Chefe da Secretaria.
E as disposições legais relacionadas com os partidos, necessariamente.
V.Exª, Engenheiro distintíssimo, na sua profissão, está perfeitamente á vontade para se pronunciar sobre qualquer assunto. Mas não admira que, no respeitante a Direito Administrativo, se veja impedido de, com segurança, emitir opiniões ou tomar decisões.
Aos Chefes das Secretarias está, naturalmente, indicado que esclareçam os seus Presidentes sobre as decisões dos magistrados ou as deliberações da Câmara, sempre que envolvam a lei, sua interpretação explicação. Para o efeito, foram estes funcionários preparados e só depois de provas prestadas no Ministério do Interior e para a valorização final das quais "não há pedidos", pois se os houver incorrem em processo disciplinar, são elevados á categoria de Chefes de Secretaria e estão a ser preparados em reuniões de aperfeiçoamento profissional algumas presididas pelo Diretor dos Serviços de Informática do Gabinete de Estudos da Direção Geral de Administração Local, coadjuvada por um inspetor administrativo.
É, portanto, um imperativo legal que me leva a oficiar a V. Exª sobre "Partidos Médicos".
Assim:
1 - A reunião da Câmara de 6 de Abril foi apresentado um requerimento do Dr. Júlio Ferreira, constando da respetiva ata o seguinte:
- DELIBERAÇÕES - Presente um requerimento do médico municipal do partido de Parada de Ester, Dr. Júlio Ferreira, requerendo ao abrigo do artº 639º do Código Administrativo a transferência para o 2º partido médico - Mamouros - com sede era Gastro Daire, vago pelo falecimento do titular do cargo 'Dr. Manuel Domingos Cerdeira Guerra. Transcreve-se o requerimento: Senhores Presidente e Vereadores da Câmara Municipal de Castro Daire:
«Júlio Ferreira, casado, médico municipal do 3º partido, com sede em Parada de Ester, portador do Bilhete de Identidade nº 1019374 passado em 11/02/970, pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, requer a V. Exas., ao abrigo do artº 639º do Côdlgo Administrativo, a transferência para o 2ª partido médico - Mamouros - , com sede em Gastro Daire, vago pelo falecimento do titular do cargo, Dr. Manuel Domingos Cerdeira Guerra. Pede deferimento. Gastro Daire, 22 de Março de 1 974. a) Júlio Ferreira».
0 assunto foi, pelo senhor Presidente posto à Câmara para deliberação.
O Chefe da Secretaria pronunciou-se no sentido de ser absolutamente legal a transferência, como se pode ver do "Anuário" 44 ano, pág. 318.
A Câmara deferiu o requerido.
Passo a transcrever a V. Exª, para seu inteiro esclarecimento, o artº 639º do Código Administrativo e a doutrina constante do "Anuário" acima referido:
Artº 639º: - "0 partido vago - e era este o caso - pode ser preenchido, até à decisão do concurso aberto para oseu provimento, por transferência, de qualquer médico municipal do concelho que o requeira, se a Câmara der deferimento ao pedido".
É a seguinte a doutrina exposta no "Anuário" da digna Direção Geral de Administração política e Givil do então Ministério do Interior, 44ª Ano, pág. 318?
" ••••• Os médicos municipais podem ao abrigo do Artº 639º do Código Administrativo, requerer a transferência para qualquer partido que vague no concelho, desde o acto da vacatura até à decisão do concurso, se este chegar a ser aberto. Assim, se o lugar vago for requerido antes da abertura do concurso, por qualquer médico do concelho que pretenda ser transferido, pode a Câmara, noa termos do citado artº, deferir o pedido. No caso de já estar a correr o concurso para provimento do cargo, pode igualmente o pedido de transferência ser atendido, anulando-se com esse fundamento, o mesmo concurso.
Isto o que dispõe a lei.
Mas poderá a Comissão Administrativa Provisória revogar a deliberação em causa?
Categoricamente informo Vª Exaª que QUE NÃO. E passo de novo a citar a Lei.
Transcrevo o Artº 357º do Código Administrativo o seguinte; «As deliberações dos corpos administrativos podem ser por estes ratificadas, revogadas, reformarias ou convertidas nos termos previstos no Artº 83º para as decisões do Presidente da Câmara.
Temos, pois, que ver o que dispõe este artº 83ª.
Transcrevo-o: - Art2 83º do Código Administrativo: «As decisões do Presidente da Câmara bâra&r* podem ser por ele ratificadas, revogadas, reformadas ou convertidas, quando da ratificação, revogação, reforma ou conversão não resulte ofensa da lei ou contrato nos temos seguintes:
12..............................................................................................................................................
22 - Se forem constitutivas de direito, apenas quando ilegais.
Ora, a deliberação da Câmara era e ê constitutiva de direitos; e caso está provado já - absolutamente legal.
De forma que estamos perante uma situação legal de facto - que a Comissão administrativa Provisória não poderá alterar.
Se o que exponho, não convencer V.Exaº poderá consultar advogado, de preferência que tenhaprática de direito administrativo, sabido como é que este ramo das ciências humanas, por não dar lucro não interessa à maioria dos Licenciados em Direito.
No entanto, julgo ter exposto o caso com uma clareza tal que, qualquer pessoa iniciada em direito, sobre ele se poderá pronunciar.
Referiu o mesmo vogal senhor Dr. Jorge de Melo Ferreira Pinto e na reunião em causa, o caso da extinção dos médicos municipais, afirmando eu que tal não seria possível por estarem vinculados à função pública por um auto de posse, resultando-lhes dai direitos, inclusivamente o da aposentação, isto é, estão ao abrigo de uma situação jurídica objetiva resultante do empossamento podendo os lugares serem extintos à medida que forem vagando.
Contrapôs o mesmo senhor vogal vários casos da extinção que teriam ocorrido em algumas Câmaras Municipais.
Para comprovar a razão no meu ponto de vista, junto fotocópia da fotocópia do oficio nº 1 719, de 10 de novenbro de 1 973 da digna Direção Geral de Administraçâo Política e Civil do Ministério do Interior e remetida a esta Câmara com o oficio do Governo Civil 1º, 28, C-10/1 de 20/11/973.
Como V. Exª pode ver por este meu oficio, procuro dar cumprimento às obrigações que me são impostas pelos preceitos legais.
Nem outra coisa V. Exaª poderá esperar de mim e de todos os funcionários da Câmara - além duma colaboração leal e franca e de ura trabalho que procurara ser em absoluto construtivo e visando sempre o bem do concelho.
E termino, Exmo. Senhor, apresentando os meus melhores cumprimentos e desculpas pela extensão deste oficio, que se impunha, dado à natureza melindrosa do caso exposto pelo vogal sr. Dr. Jorge de Belo Ferreira Pinto.
E não termino com o habitual « Bem da Nação», pois, tendo sido dos primeiros a assinar as listas de adesão ao MUD logo após o termo da 2ª Guerra Mundial, com o Meu saudoso amigo e velho republicano Augusto de Almeida Finto, entendo que a melhor forma é de
Viva Portugal
Castro Daire, 24 de Maio de 1 974».
CONCLUSÃO
Como disse lá para riba, os políticos recém-chegados às cadeiras do poder local eram uns neófitos e encontraram pela frente um funcionário competente difícil de arredar do caminhos traçados. Ocupava o cargo por concurso e não «por cunha». A animosidade que transparece desta documentação, viria a ser vertida em «Auto de Averiguação» que correu os seus trâmites nas instâncias superiores, acusado que foi o Chefe de Secretaria, João Guerra Cerdeira, de ser um colaborador do Regime Deposto. Mas as acusações, aos olhos dos INQUIRIDORES, ouvidas que foram as convenientes testemunhas, mostraram-se infundadas e o processo foi arquivado. Veremos isso a seu tempo, na documentação devidamente assinada. E melhor juízo faremos dos tempos de então e de agora. Tudo me faz lembrar uma ditado muito usado pelo meu pai: «Deus nos livre de autoridades novas e de paredes velhas».