PRIMEIRA PARTE
Disse que voltaria ao assunto para trazer à luz dos tempo de hoje (cinquenta anos depois dos factos) que a visivel animosidade existente entre quem “estava” e quem “chegou” viria a ser posta em letra redonda num AUTO DE AVERIGUAÇÕES em que João Guerra Cerdeira foi acusado de ter sido COLABORADOR DO ANTIGO REGIME, acusações que, SUPERIORMENTE foram consideradas INFUNDADAS e, ipso facto, os AUTOS ARQUIVADOS.
Vamos ver a DOCUMENTAÇÃO para os meus pacientes seguidores que ainda se interessam por estas coisas da HISTÓRIA LOCAL e seus protagonistas fazerem melhor juízo e saborearem a substância contida nas expressões por mim usadas, contrapondo o defunto «ESTADO NOVO» ao nascido «NOVO ESTADO», o primeiro escorado na POLÍCIA POLÍTICA (PIDE/DGS) e o segundo a usar métodos semelhantes de vigilância destinados ao SANEAMENTO dos quadros suspeitos de terem colaborado com o regime deposto. Assim:
Este é o texto do ofício “confidencial” dirigido ao Presidente da Comissão Administrativa de Castro Daire, remetido pelo Presidente da Comissão, Manuel Carlos Teixeira do Rio Carvalho, do Ministério de Administração Interna, dando conhecimento do “Despacho” recaído nos AUTOS. Assim:
“Junto envio a V. exa. Cópia da deliberação desta Comissão sobre o proceso em que foi visado o senhor JOÃO GUERRA CERDEIRA, chefe da Secretaria dessa Câmara Municipal, solicitando que o mesmo seja notificado do seu teor”. (25 de março de 1976).
Repararam na data? Já tinha passado o “verão quente” de 1975, v.g. Os idos do “11 de março”, dia em que se confrontaram as forças de esquerda de pendor “revolucionário” e as fações políticas do “centro e de direita” empenhadas na via democrática eleitoral.
Digamos que já tinha passado o grosso da enxurrada política, mas o que não tinha passado ainda e persistia nas “mentes” de alguns “democratas” emergentes, era expurgar o «NOVO ESTADO» de todos os que eram suspeitos, com razão ou sem ela, de terem colaborado com o «ESTADO NOVO».
E, se nos meios mais pequenos as pessoas que antes eram todas “muito amigas” se tornaram desavindas, necessário foi recorrer ao bom senso de quem estava longe, fora das questiúnculas locais, a fim de, em seu juízo, de dirimirem as suspeitas e acusações feitas. Ora veja-se:
SEGUNDA PARTE
«MINISTÉRIO DA ADMINOSTRAÇÃO INTERNA»
PROC. 754
DELIBERAÇÃO
Vistos os autos verifica-se que das oito acusações que são feitas ao visado (folhas 52 e 53) apenas uma — Colaborar no corte de votos aos elementos da CDE nos cadernos eleitorais de 1969 não é destruída, quer pela defesa apresentada, quer pelas testemunhas ouvidas.
Contudo, as declarações das testemunhas indicadas para depor sobre tal assunto (folhas 136-A, 157 e 210) não são conclu dentes em termos meramente formais quanto â culpabilidade do visado, embora admitam que alguns nomes terão sido cortados nos cadernos eleitorais enquanto os mesmos estiveram na secretaria da Gamara.
Resulta do depoimento desta testemunha a folhas 210 a vontade de atribuir a culpa a secretaria da Camara, isto é, a um determinado sistema que, como se sabe9 tinha, em geral, nos chefes da secretaria agentes fieis.
Assim, embora este ponto possa ficar em dúvida, não custa admitir um caso de culpabilidade — admitindo que culpa tivesse havido — em semelhante circunstancia, uma vez que, em última instância, era o poder político dominante que impunha a viciação dos cadernos e, portanto, o grande responsável por esta situação antidemocrática. Dada a não clarificação desta situação e, portanto, a inexistência de prova duma intenção deliberada do visado, beneficia este da dúvida, considerando-se tal acusação como não provada em relação a ele.
Por outro lado o assunto referido a folhas 141 a 146,
206 e 207 encontra-se afeto à CNI que sobre ele procede a diligências.
Nesta conformidade9 delibera esta Comissão, por unanimidade, ARQUIVAR o presente processa por não terem sido provadas as acusações formuladas.
Notifique-se do teor da presente deliberação a Comissão Administrativa Municipal de CASTRO PAIRE e o visado.
A COMISSÃO, 25 DE MARÇO DE 1976»
E as suspeitas não se ficaram por João Guerra Cerdeira. No mesmo ano de 1976, o Coronel de Cavalaria, J. Barros e Cunha, Presidente da “Sub-Comissão Interministerial de Saneamento e Reclassificação do Ministério da Educação e Moral» citando a legislação a preceito, tal como se vê manuscrito ao lado, pretendia saber se o “Delegado Escolar em Castro Daire, João Gonçalves Sevivas, teria estado comprometido com qualquer das extintas organizações”. A este assunto voltarei em apontamento próprio, em devido tempo.
Para já digo que não tive acesso à resposta solicitada, mas esta documentação é bastante para termos uma ideia de que alguns cidadãos chegados recentemente às cadeiras do poder – ao «NOVO ESTADO» - nem se deram conta que estavam a proceder, exatamente, como procediam os agentes do «ESTADO NOVO».
E semelhantes procedimentos não se ficaram por esses tempos. Antes tivessem ficado. Se assim fora eu não teria feito uso dos dois conceitos de ESTADO, nem teria visto confirmado o SANEAMENTO dos QUADROS ADMINISTRATIVOS, ao longo de meio século, como abertamente denuncia o ex-Ministro de Administração Interna, JOSÉ LUIS CARNEIRO, na entrevista que deu ao “DIÁRIO DE NOTÍCIAS” no dia 23-08-2024. Isto é, após eu ter publicado os primeiros dois apontamentos, onde vimos que a pretensão clara de retirar do seu cargo de Chefe de Secretaria, João Guerra Cerdeira, não obstante a sua provada competência profissional.
Quer dizer, passaram cinquenta anos (MEIO SÉCULO) e os nossos políticos pouco ou nada aprenderam com a HISTÓRIA. Não admira. Eles não estudam HISTÓRIA. Vade retro Venezuela!