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sexta, 12 julho 2024 03:54

CORTEJO DE OFERENDAS PARA A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA FEITO EM 1950

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PEGADAS HISTÓRICAS

Neste ponto da narrativa, depois de falarmos na economia rural assente na AGRICULTURA e na PECUÁRIA, neste meio geográfico onde tem sentido a trilogia TERRA, ANIMAIS E GENTES, depois de conhecermos a sina a “vaca paivota” que, escapando ao talho enquanto “vitela” condenada estava a submeter-se ao jugo assente na molhelha que lhe servia de chapéu a vida inteira, fizesse chuva ou fizesse sol, fêmea destinada a trabalhar e a procriar enquanto tivesse vigor para isso e morresse de velha desfeita num qualquer talho vilão ou enterrada numa das leiras que lavrara no granjeio do pão do proprietário que tanto a mimoseava com o ferrão da aguilhada, como com o penso que lhe punha na manjedoura, sabido isso, vem mesmo a “talhe de foice” no sentido literal da expressão, transpor para aqui o RELATÓRIO assinado pelos membros da MESA DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE CASTRO DAIRE, relativo ao CORTEJO DE OFERENDAS que teve lugar no ano de 1950, e foi publicado no jornal «A Voz do Paiva», de 7 de abril de 1951.

 

É um documento precioso que, para além de ser uma autêntica e fiel  RADIOGRAFIA ECONÓMICA, SOCIAL E POLÍTICA do concelho, do ponto de vista dos meios assistenciais existentes e dos recursos disponíveis para elas desempenharem as suas funções de INTERESSE COMUM, obriga o historiador a perguntar-se quais os critérios que estiveram na base da identificação de todas as FREGUESIAS, excluídos que, nesse critério, não pesaram os montantes doados, a densidade demográfica das povoações e as distâncias que as separavam da sede do concelho.

Atendo a isso tudo, o historiador estranhou o facto da freguesia de  CUJÓ aparecer em primeiro lugar e S. JOANINHO em segundo, pois certo é que  muitas outras freguesias  houve cujos donativos, em espécie e em dinheiro, ultrapassavam de longe os «donativos» feitos por estas duas freguesias. O que levaria, pois, a MESA a dar prioridade a estas duas? Veremos, lá mais para o fim, a explicação possível. Para já, e para respeitar o rigor histórico que me impõem os deveres de ofício,  sigamos a transcrição e ilustração da sequência seguida nesse RELATÓRIO, assim:

1-C0RTEJO Cujó-«CUJÓ: 9 carros de mato e os restantes de géneros - feijão, batata, castanhas, cebolas, abóboras, cerca de 50 alqueires de milho e 50 colmeiros. Em dinheiro 92$30.

S.JOANINHO: 4 carros transportando cerca de 35 alqueires de milho, feijão, abóboras, a es domésticas e 26 colmeiros. Os carros eram acompanhados por um rancho folclórico.

MONTEIRAS: 8 carros, 3 de mato, 3 de rama de pinheiro e 2 de géneros agrícolas, incluindo 70 alqueires de milho. Em dinheiro 52$00.

MEZIO: 4 carros, 3 de giestas e 1 de géneros agrícolas, incluindo 20 alqueires de milho.

MOURAMORTA: 4 carros, 2 de mato e 2 de géneros agrícolas, incluindo 20 alqueires de milho e 140 fachas de feno.

GOSENDE: 11 carros, 5 de lenha, 5 de feno e 1 de palha. Em dinheiro276$50?

RIBOLHOS: 3 carros, 1 alegórico, 1 de indústria local, 6 de lenha e pinheiros e 2 de géneros agrícolas, incluindo 5 almudes de vinho. Em dinheiro 265$00.

Acompanhava-os um rancho folclórico que entregou 80$00.

MAMOUROS: 3 carros, 1 de Ribolhinhos, outro do Carvalhal e outro de Mamouros, Casal e Moinho Velho todos bem recheados de géneros agrícolas da região. O de Mamouros trazia em dinheiro 1.070$00 e o do Carvalhal 101$00.

2-MÕES-RERIZMÕES: 15 carros assim distribuídos: Soutelo 3 carros de pinheiros e 1 de géneros agrícolas, transportando 20 alqueires de milho e 140$00. Courinha, 1 carro de pinheiro, géneros agrícolas e uma caixa de vinho engarrafado. Grijó, 3 carros de lenha, 1 de mato e alguns género agrícolas e 165$00? Casais de D. Inês, 1 carros de pinheiros. Vila Franca, 3 carros de lenha e de toros de pinheiros e alguns géneros agrícolas, maças, couves, cebolas e algum milho. Em dinheiro 50$50. Mões, 2 carros bem recheados de batatas, castanhas, milho, frutas, cebolas, couves, et. e 238$20. Arcas, 320$00. Acompanhava-os um estilizado rancho folclórico.

MOLEDO: 2 camionetas e 4 carros, de Coura,1 camioneta de mato e géneros agrícolas - 10 alqueires de milho, 1 arroba de batatas, etc. e 364$00. Moledo, 1 camioneta de madeira e géneros agrícolas, 21 alqueires de milho, 4 arrobas de castanha, 1 galo, etc. e 3 carros de toros de pinheiros. Lamas, 1 carro ornamentado com 8 alqueires de milho, 17 cabos de cebolas, 2 coelhos, 2 galinhas, etc. e 200$00. Moita, 391$90. Cela e Adenodeiro, 23800. Covelo de Paiva, 218$00. Acompanhava estes carros um numeroso rancho folclórico de Lamas, composto de 40 figuras.

PEPIM: 1 automóvel ornamentado, transportando diversos géneros e 13 carros, sendo 6 de pinheiros, 2 de lenha, 3 de mato e 2 de géneros agrícolas. Em dinheiro 150$00. Mosteirô, 40000. Acompanhava-os um rancho folclórico.

RERIZ: 11 carros e 1 carneiro. Póvoa do Ceado, 3 carros de pinheiros, 1 de géneros agrícolas e 42$00. Savariz, 4 carros de pinheiros, 2 de mato, 1 de géneros agrícolas e 159$50. Casal Bom, 16 alqueires de milho e outros géneros. Veado de Reriz e do Casal Bom e Midões, prospectivamente, 33$50, 341$50 e 190$50. Acompanhava-os  um vistoso rancho folclórico.

3-Ermida.CabrilERMIDA: 1 camioneta belamente ornamentada alusiva à extração de paralelepípedos e cubos de granito , transportando esteios de pedra e bastante daquele material.

ESTER: 1 carro ornamentado transportando 10 litros de azeite, 11 alqueires de milho, cebolas, etc. Faifa, 132$00.

ALMOFALA: 714$00 em dinheiro

ALVA: 760$00, assim distribuídos: Marinheira e Estrada, 250$00. Alva, 170$00?  Souto, 340$00.

PICÃO: 543$00 em dinheiro.

PARADA DE ESTER: 1.062$50, assim distribuídos, Parada, 710$50. Eiriz, 282$00.  Meã, 70$00.

PINHEIRO: 2.533$00!, assim distribuídos: Cetos, 887$00. Pereira, 212$00. Póvoa do Montemuro, 205$00. Moção, 200$00. Desfeita, 160$00. Vila Seca, 379$00. Vila Nova, 143$00. Ribas, 340$00.

GAFANHÃO: 233$50 em dinheiro.

CABRIL: 716$50 em dinheiro.

4-C.Daire.CustilhãoCASTRO DAIRE: 27 carros, incluindo nestes o carro alegórico de Misericórdia e o do “Bairro Fadista”, este valiosamente recheado com um galo e um pato, assados, doces, duas boroas, duas cabaças de vinho, dois moiros, milho, castanhas, cebolas, abóboras, um vigésimo da Lotaria, etc. e 470$00?

De Fareja, além de 2 carros de pinheiros veio 1 do senhor José Lourenço Fernandes com algum mato, 10 alqueires de milho, abóboras, cebolas, colmeiros, 1 frango, 1 roca e 150$00?

De Farejinhas, além de 40 cestinhos contendo maçãs e outros géneros transportados pelas crianças da Escola, interessante e simpático gesto da respetiva professora, vieram 2 carros transportando cerca de 50 alqueires de milho e outros géneros agrícolas. Na representação de Farejinhas vinham também um rancho folclórico tipicamente regional e os seus Bombeiros Voluntários.

Do Custilhão, 5 carros carregados, sendo 1 de  mato, 1 de giestas, 1 de pinheiros e 2 de géneros agrícolas - cerca de 20 alqueires de milho, 19  fachas de colmo, etc. estes carros eram acompanhados por um azougado rancho sob a direção do CARRIÇO;

De Baltar, veio uma camioneta com um outro rancho e diversos e valiosos produtos agrícolas - azeite, milho, cebolas,, abóboras,  lenha, etc. 5 coelhos e 3 galinhas.

De Vila Pouca,  além de 2 carros com 25 alqueires de milho e outros produtos agrícolas veio uma jumenta de Francisco Morgado Novo dom uma cabeça de porco, salpicões e chouriços. Em dinheiro, 100$00.

De Folgosa,  3 carros bem recheados, sendo um da Comissão, outro da povoação e o terceiro da Casa Mendonça. Transportavam cerca de 35 alqueires de milho, feijão, castanhas, nozes,, chilas,, abóboras,, coelhos, galináceos, etc.

 Acompanhava-os  um rancho folclórico.

De Lamelas de La e de Cá, 3 carros com 30 cabos de cebolas, 12 alqueires de milho, trigo, feijão, 63 fachas de colmo, etc. e 85$00.

Dos Braços de Cá e de Lá, 1 carro com  diversos géneros agrícolas e 370$00?

De Vale de Matos, 1 carro com os produtos agrícolas próprios  daquela região e 70$00?

De Santa Margarida , 1 carro com produtos agrícolas e 15600.

Do Arinho, 4100, Mortolgos,  100$00, Mosteiro, 200$00.

5-Vila Pouca-ArinhoDa Vila, incorporaram-se no cortejo cheios de oferendas para o Hospital, mais 3 carros das casas agrícolas da família Mourão, Antero Aguilar e Afonso Lacerda Pinto.

Além de lenha, pinheiros, colmeiros, abóboras, cebolas e maçãs, transportavam milho, batata, feijão em bastante quantidade.

Finalmente o Rancho de Castro Daire, composto de apenas cinco pares e que tanta graça emprestou ao Cortejo, transportava cestos com garrafas de licores e massas alimentícias, oferenda do Gerente da Pensão Clemente e maças e outros produtos oferecidos pelos componentes do rancho.

Temos assim em resumo:

127 carros transportando dádivas que leiloadas renderam 16.880$00, ficando retidos no Hospital, para aí serem consumidos, géneros no valor de 3.991$10. Em dinheiro foi entregue a quantia de 17.516$10.

Impunha-se, neste momento, inserir a relação dos donativos recebidos em dinheiro que, como já dissemos atingiram a quantia de 38.752$50?

7-DONATIVOSTal relação, porém, é muito extensa e a a sua publicação iria alongar demasiadamente este modesto trabalho. Preferimos dar a conhecer apenas os donativos principais, remetendo à Secretaria da Misericórdia quem desejar conhecer integralmente os que contribuíram generosamente com oferendas em dinheiro e os quantitativos destas.

A diferença entre esta quantia e a recebida do montante de 3.252$50 foi dada por mais de cem pessoas em donativos que variam  de 5$00 a 250$00 pelos que pouco interesse haverá na sua publicação.

O nosso poder de síntese, bem contra a nossa vontade,  não conseguiu tornar menos extenso este trabalho. Só há que perdoar o defeito e possuir uma regular dose de paciência para, sem interrupção, concluir a sua leitura. Tal é o que pedimos a quem se dispuser a conhecer este modesto mas indispensável relatório das atividades assistenciais da Santa Casa da Misericórdia de Castro Daire no ano de 1950.

Castro Daire e Santa Casa da Misericórdia aos  21 de fevereiro de 1951

8- assinaturasO PROVEDOR  

Luís de Azeredo Pereira

MESA

 José Veríssimo Alves Moreira

   Antero Herculano Peixoto de Aguilar

   Manuel Pereira da Cunha

   António Loureiro Morgado

   José Paula da Silva.

 

 

Transcrito o texto e vistos os retalhos fotográficos do RELATÓRIO publicado, para uma melhor visualização dos dados recolhidos, é tempo de responder às perguntas que ficaram sem resposta no ínicio deste trabalho, que era saber que critérios ponderosos levaram a MESA da SANTA CASA e o seu PROVEDOR, DrLuís de Azeredo Pereira a colocar a freguesia de CUJÓ em primeiro lugar e S. JOANINHO em segundo. E para isso vou repescar um texto que já escrevi e publiquei em 2014, deixando de fora o que sobre o mesmo assunto deixei no meu livro «Cujó, uma Terra de Riba-Paiva», editado em 1993, pela Junta de Freguesia, quando era seu Presidente Secundino da Silva Carvalho.

1 - O CORTEJO DE OFERENDAS PARA A SANTA CASA -1950

«A recuperação e restauro do prelo que imprimiu os jornais em Castro Daire, em tempos idos (tarefa de que fui incumbido orientar de modo que ele não perdesse a sua identidade)  obrigou-me a vasculhar algum do produto «calcado» pela sua «platina» e conduzindo-me  até ao ano de 1950, mesmo ao meio do século XX. E para quem não se preocupa apenas com a espuma dos dias, dizer mal do que se por aí passa hoje, do Governo Central e Local, alegando que «antigamente é que era bom», nada melhor do que, mostrar em fotografia, o artigo que ficou escrito nas colunas do jornal «A Voz do Paiva», nº 420 de 7 de Abril de 1951, decalcando o Relatório assinado pela Mesa da Santa Casa da Misericórdia, em 24 de Fevereiro de 1951, relativo a um cortejo que teve lugar no dia 12 de Novembro de 1950.

Assistir a este CORTEJO, a todo o seu movimento, colorido e protagonistas,  é mergulharmos em profunda Idade Média. É regressarmos a esse Portugal agro-pastoril povoado do litoral ao interior,  como tão bem exemplificam os recursos que as povoações tinham em mãos para se mostrarem solidárias com a Santa Casa. E ressalta à vista que as terras mais afastadas da sede do concelho, devido aos maus acessos e lugares distantes,  não perdiam tempo com carros e carretas. Agarravam na «notinha» e «tomem lá», não se fala mais nisso. Outras, onde o «metal sonante» escasseava, nomeadamente as povoações serranas a norte do Paiva,  botavam mão dos produtos agrícolas e derivados, como,  por exemplo, os «colmeiros» e carros de «palha» que serviam para cobrir casas, barracas e alpendres, e bem assim encher colchões de particulares e de pensões. Carros de «mato» e de «lenha», sem esquecer as camionetas e também carros de vacas carregados de toros de pinheiros. Foram 127 carros ao todo. O leitor imagine essa fila de viaturas a deslizar pelas ruas tortuosas e estreitas da vila e, a par dos cantares e dançares dos ranchos folclóricos vindos de algumas aldeias, da chiadeira desconcertada e estridente saída dos eixos de freixo e de carvalho a rodarem sob os chedeiros, apertados nos extremos pelas «estreitoiras» contra a «cantadeira», peça de madeira assente nas «chedas» com essa finalidade. Os lavradores caprichavam no «cantar» dos seus carros e nas «correias» penduradas aos pescoços das suas vacas, sublimação segura de não poderem enrolar no pescoço das esposas um colar de pérolas.    

LUIS AZEREDO PEREIRAA sobreviverem, mais do que a viverem, alguns dos povoadores a pagarem ainda foros das terras que laboravam a antigos senhorios, daí a uma década este mesmo Portugal Rural seria despovoado pela «emigração de salto». A minha geração e as subsequentes recusar-se-iam, na generalidade,  fazer parte integrante desse Estado Novo, velho de séculos.

Mas, sendo esta a realidade socioeconómica de então, por que razão, num rol de 22 freguesias teria de aparecer CUJÓ em primeiro lugar e S. JOANINHO em segundo? As razões ficaram bem expressas nesse meu livro sobre CUJÓ, mas nunca é demais recordá-lo aos mais novos que calejam a polpa dos polegares a rolarem o tapete dos seus equipamentos de comunicação., de saber e de aprendizagem.

E o facto era que à frente do concelho estava como Presidente da Câmara, o Dr. Luís de Azeredo Pereira, cumulativamente Provedor da Santa Casa. E à frente da freguesia de CUJÓ estava Salvador de Carvalho, ambos envolvidos politica e burocraticamente na INDEPENDÊNCIA DAQUELA FREGUESIA, povoação que antes estava integrada na FREGUESIA DE S. JOANINHO. Havia, pois, que dar destaque a essa novel circunscrição administrativa, provar que os amigos são para as ocasiões e que essa povoação contribuía mais generosamente para manter de pé a Instituição que dava pelo nome de Santa Casa, cuja «história» também já publiquei em livro. Assim:

2 - DOIS ROSTOS E DOIS NOMES

Aprendi não sei com que MESTRE ligado ao modo como «fazer história» que o investigador tem, por vezes, de se valer do «não dito» nos documentos em que se apoia. E a explicação de CUJÓ aparecer em primeiro lugar na lista do Cortejo, só se «descobre» pelo cruzamento de informações que sobre o mesmo assunto ficaram, mesmo que «não ditas» e/ou não apareçam ligadas a ele de forma clara e expressa.

DR. L. AZEREDO PEREIRAQ - CópiaNeste caso está em sabermos que Cujó tinha acabado de se emancipar civilmente da freguesia de S. Joaninho (1949) com o apadrinhamento do Dr. Luís Azeredo Pereira, então Presidente da Câmara e, no presente caso,  Provedor da Santa Casa, que assina o Relatório de Contas. E esse apadrinhamento, cuja fundamentação deixei escrita no meu livro «Cujó, Uma Terra de Riba-Paiva», publicado em 1993, encontra aqui a sua extensão. À frente da luta pela independência estava o meu pai Salvador de Carvalho, escorado no apoio político-administrativo do Dr. Luís Azeredo Pereira e outros que, então, manipulavam os cordelinhos políticos. Certamente todos aqueles que ferravam o dente nas perdizes e nos coelhos que o meu pai lhes oferecia em prol do bem comum e em prejuízo da prole que ferrava o dente na côdea seca, sem conduto, da broa de milho ou de centeio que cultivávamos, segávamos, malhávamos, moíamos e cozíamos. 

Os interesses coletivos a isso o obrigavam. E a estes anos de distância, informado e estudioso que sou dos factos e dos meandros da política e do papel do homem público, muito me honra que o meu pai, no exercício da cidadania, para o bem de todos, tenha sacrificado algum conforto pessoal e bem-estar da família. E o facto de assim ser, de haver disso memória pessoal e os documentos o comprovarem, não pode inibir-me de dizê-lo e de comentá-lo. E nesse contexto Cujó, fez questão de não envergonhar o «padrinho» e marcou a diferença, apresentando-se no cortejo com «nove carros» e S. Joaninho, apenas com «quatro». É só ler.

SalvadorE, face à leitura dos donativos das restantes freguesias e povoações, facilmente se concluirá que o critério de «número de carros», na ordenação das freguesias e povoações, para Cujó aparecer em primeiro lugar na lista, dizia o «não dito»,  pois outras freguesias e povoações que incorporam o cortejo fizeram-no com mais carros e, seguramente, como muito bem vimos acima, com donativos muito mais valiosos, tanto em géneros como em dinheiro.

E este RELATÓRIO, sendo uma radiografia de um concelho que assentava a sua economia nas atividades agropecuárias confirma, à exaustão, tudo quando eu disse nas primeiras páginas deste livro acerca da «conversão» que D. Dinis fez vertendo os foros do concelho em dinheiro até então pagos em géneros. O interesse nunca seria das povoações, como ficou lavrado na «carta de mercê», mas sim daquele ele encarregado estava de recolher tais «foros». E mais uma vez o historiador tem de descortinar a verdade histórica entre o «dito» e o «não dito».

 3 - FESTA DA INDEPENDÊNCIA

E se a notícia publicada no jornal “A Voz do Paiva em abril de 1951 sobre o CORRJO DE OFERENDAS, colocando CUJÓ no princípio do rol das freguesias, veio a “talhe de foice” como documento comprovativo da economia AGRO-PASTORIL portuguesa   nos meados do século XX, outra notícia do mesmo jornal publicada em agosto do mesmo ano, vem a “talhe de seitoira” (expressão mais adequada ao meio local), poupando-me o trabalho de rescrever o livro “Cujó, Uma Terra de Riba-Paiva” , a que já aludi, pois o seu autor, que assina só com iniciais “X.P.T.O.” resume, de forma rigorosa, a matéria que ali deixei escrita sobre a INDEPENDÊNCIA DA FREGUESIA, identificando os  cidadãos que foram os principais PROTAGONISTAS. Uma espécie de cereja em cima do bolo. Assim: 

«EM CUJÓ

 cjó-comissão«Há muito, talvez cinquenta anos, que a população deste ordeiro, trabalhador e engenhoso  Cujó, tentava junto das instâncias superiores a criação da sua freguesia.

Lutou infrutiferamente durante meio século e só agora com os primeiros pioneiros dessa independência na quase totalidade mortos - pouco sendo aqueles que viram em sonho e tornaram a ver a realidade - é que esse ideal foi alcançado.

Primeiro foi o “Diário do Governo” [número 37.352, de 25 de março de 1949] que admitiu Cujó como freguesia civil, depois, em Junho passado, Sua Exa. Revdª. O Senhor Bispo de Lamego, D. João da Silva Campos Neves, deu-lhe também a consideração  de freguesia religiosa.

Aquilo que não tinha deixado dormir de há muito os filhos de Cujó, passou, desde o dia 29  do passado mês de julho a ser uma verdade.

Para festejarem condignamente tão solene ato uma comissão promotora composta pelos senhores Salvador de Carvalho, Joaquim Pereirinha, José Duarte Pereirinha, João Pereirinha e Silva e António Gonçalves, convidou as autoridades religiosas, civis e militares da Diocese de Lamego e Distrito de Viseu.

I-INDEPENDÊNCIAPROCISSÃO2O senhor Presidente da Câmara Municipal, Dr. Luís de Azeredo Pereira, representava o chefe do distrito. Monsenhor Almeida, o senhor Bispo. Major Martins Engrácia, Comandante Distrital da L.P. e sua Exa. Esposa, D. Maria Amélia Martins Engrácia. Capitão Artur Ribeiro, de Lamego. Tenentes Campos e Rebelo da L.P. De Viseu. Dr. José Maria Guerra Cerdeira. Hernâni da Silva Morais. Professor Amadeu Poças. Manuel Seabra, etc. De Sernancelhe  o Chefe da Secretaria da Câmara, António Seabra que se fazia acompanhar de um grupo de pessoas de destaque naquele concelho, entre os quais o senhor José Orlando, distinto fotógrafo amador.

Com uma fortíssima salva de fogo de artifício foram as entidades recebidas no alto de Cujó. Eram precisamente 11 horas.

Uma secção do núcleo da L P.  Sob as ordens  do Chefe da Secção, Alfredo Dória, prestou a guarda de honra. O Presidente da Câmara, Dr. Luís de Azeredo e o Comandante Distrital, Major Martins Engrácia passaram-lhe revista.

Às 12 horas houve missa solene e sermão, pregando Monsenhor Almeida. Celebrou o pároco das Monteiras, acolitado pelos de Pendilhe e Várzea da Serra.

 Depois de um lauto banquete, no fim do qual foi lida a ata assinada por todos os presentes, considerando Cujó freguesia civil e religiosa, realizou-se uma sessão solene no “Largo da Independência de Cujó”,  inaugurando-se um cruzeiro simbolizando a “Independência”..

Discursaram o senhor Presidente do Município, Major Engrácia, Prof. Poças, Monsenhor Almeida.

Todos focaram o ato que ali tinha seu epílogo e estimularam  esse povo ordeiro, trabalhador e engenhoso, a prosseguir com o mesmo bairrismo e a mesma alma, a bem da Cujó, a bem da Portugal.

Ass) X.P.T.O. (“Voz do Paiva», 18 de agosto de 1951) 

PROCISSÃO-CRUZEIRO


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NOTA: esta notícia acaba por identificar o autor (José Orlando) das fotografias que, graças ao seu zelo e à importância que o meu pai deu ao evento,  encontrei nos seus arquivos. E foram únicas que encontrei relativas a tão importante evento histórico. Por sabê-lo divulguei-as abundantemente no meu mural do Facebook, donde, imediatamente foram «partilhadas»  por tantos quantos gostam da sua terra e das suas gentes. Alguns agradeceram a “oferta” e a «novidade», mas  outros limitaram-se a “partilhar” sem um simples e modesto “bem-haja”, agradecidos, não a mim, mas ao cidadão de Cujó que as preservou religiosamente seguro do seu valor como documentos históricos.  

Só resta dizer que esse fotógrafo, José Orlando, vindo de Sernancelhe, veio a Cujó na companhia de António Seabra, que era padrinho de batismo do meu irmão António, nosso familiar por parte da minha avó paterna, Florinda Carvalho, cuja genealogia deixei desenvolvida bastante no meu recente livro “Roda Enjeitada” graças às pesquisas feitas a propósito pelo meu primo Amadeu Duarte Pereira (entretanto falecido na Ericeira) que me forneceu todos os dados digitalizados que pesquisou por «moto próprio». Com toda a justiça aqui fica a devida e honesta referência,  acrescentando que  Independência da Freguesia de Cujó, como fica aqui demonstrado,  recebeu não só os impulsos políticos daqueles que, ao tempo,  manipulavam os cordelinhos do poder local e distrital, mas também dos amigos e familiares diretos do meu pai.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.