Trilhos Serranos

Está em... Início História LAMELAS «PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO» (6)
segunda, 17 julho 2023 16:33

LAMELAS «PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO» (6)

Escrito por 

HISTÓRIA

Assumido lenhador na FLORESTA DAS LETRAS que, de podão em punho, procura penetrar mato dentro e deixar algumas clareiras abertas na área do conhecimento, prossigo com estas PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO relativas a LAMELAS.

  TERCEIRA PARTE

 No percurso da minha carreira docente tive de frequentar, obrigatoriamente, alguns CURSOS DE FORMAÇÃO e um deles versou sobre a SEMIÓTICA. Esse curso contava para progressão na carreira e eu, como outros colegas, marcamos presença.

A plateia estava cheia de professores e no palco “palestrava” uma professora incumbida da lição. Apresentou-se fresca e airosa, muito senhora de si. E, chegada ao púlpito, começou a debitar, eloquentemente,  para a plateia em texto escrito, recheado de saber erudito, cujos autores ela citava a par e passo, parágrafo, após parágrafo. E tantas foram as citações: “fulano diz isto…”cicrano pensa aquilo…”, “beltrano concorda…” que, face a tal somatório de citações, um colega meu, sentado ao meu lado, arguto e atento a tudo isso, virou-se para mim e disse-me com aquela ironia desconcertante que o caraterizava: “e pagaram-lhe para ela nos dizer o que pensam aqueles “sábios todos”, nos livros que conhecemos, mas eu gostava de saber era o que pensa ela sobre o assunto”.

IMG 1189IMG 1187 - CópiaNão soubemos, pois a palestra não passou daquele acervo monocórdio de citações que ela coligiu nas obras da especialidade e por aí se ficou. Nem me lembro do nome dela. Recebi o certificado de presença no curso com os pontos correspondentes à ascensão profissional e o que ficou de tudo aquilo, de toda aquela ação de formação, foi somente a pertinente observação do meu colega Padre Abílio Louro de Carvalho, um colaborador, como eu, do jornal «Lamego Hoje» nos anos 80 do século XX, nomes que, dadas as semelhanças, não raro, apareceram trocados, nas crónicas que ambos fazíamos aportar à REDAÇÃO para publicação. E isso não deixou de trazer algumas interrogações, carregadas de ironia. Eu a assinar textos de caracter religioso e ele a assinar textos de carater laico e ateu.

Mas, voltando à «palestra» de SEMIÓTICA» devo dizer que fiquei com uma certa aversão àquela pose “erudita”, tão caraterística de certos académicos.e, por isso, tenho pautado a minha intervenção oral ou escrita pela preocupação de veicular (SEM PLÁGIO) o que penso e digo sobre os temas que abordo, deixando em sossego o que sobre o assunto pensam “A” ou “B”, só os puxando a terreiro, quando qualquer deles, pela profundidade e pertinência do seu pensamento, me servem de muleta e dão respaldo ao que penso, digo e exponho. E isso faz com que, sem nunca descurar a erudição académica, metido no semiótico mundo rural, retenho que, por veredas, trilhos, caminhos e povoações da serra, muito proveito tenho tirado da erudição popular, cujo saber e saber-fazer são fios de experiência secular que se cruzam no pano de  conhecimentos que vou tecendo, nesta minha difícil tarefa de tecelão da escrita e da HISTÓRIA. 

 zorro-1 - CópiaPrende-se este “relambório” todo com a experiência que obtive ao longo da vida pré-liceal e pré-universitária, tempo de crescimento e aprendizagem em que o saber fluía entre as gentes sem citações e poses de erudição. Aprendia-se e progredia-se na área dos saberes práticos, sem provas diagnósticas, de aferição ou de exames finais de avaliação. A aprovação e reprovação estava nas ações práticas de que cada um nós dava provas a si próprio, bastando, para tanto, considerarmos que fomos bem ou mal sucedidos nas tarefas que as necessidades da vida nos impunham. O erro era pedagógico. Aprendíamos errando e acertando.

E para tal recorríamos, naturalmente, a experiência transmitida pelos mais velhos, mas não dispensávamos a nossa imaginação e criatividade, somando saber novo ao saber velho. Só muitos anos depois, já manuseando os livros, a caneta e as novas tecnologias, constatei, com Skinner, que “nem tudo o que é velho é mau, e nem tudo o que é novo é bom”.

E tudo isto a propósito da minha experiência de PEDREIRO, profissão que não consta do meu «currículum vitae», mas que tão útil me tem sido no entendimento dos problemas que se me deparam pela frente, nestes meus trilhos de investigação e divulgação da HISTÓRIA  LOCAL.

Com efeito,  nessa minha experiência de PEDREIRO lidei com todas as ferramentas próprias da profissão – os guilhos, a marra, a marreta, os picos, os camartelos, a maceta, a régua, o esquadro, o fio de prumo -  e cedo conheci o CORSO, também chamado ZORRO e ZORRA, peça indispensável na deslocação,  por arrasto,  das pedras que, fatiadas em penedos virgens, à força de pulso, jeito e arte, com uso dos «guilhos» e  da «marra», chegavam, por arrasto,  junto da obra em construção. Ali chegadas, pesadas e disformes, eram postas em esquadria por forma a assentarem, como tijolos, umas sobre as outras. Era o porpianho. (vide vídeo alojado no Youtube, cujo link se anexa em rodapé).

RELÓGIOFalar do CORSO, do ZORRO ou ZORRA - uma pernada bifurcada de carvalho em forma de “Y” -  é remontarmos aos tempos longínquosdos nossos antepassados, ao momento em que eles precisaram de deslocar algo pesado de um sítio para o outro. E não é preciso vasculhar a escrita cuneiforme da Mesopotâmia, ou os hieróglifos dos templos e pirâmides egípcias em busca da invenção da RODA, para deduzirmos que o CORSO, o ZORRO ou ZORRA e equipamentos equivalentes precederam a invenção circular  que se tornaria indispensável ao ser humano não só para o fabrico de carros e caretas, mas também para o fabrico de mecanismos de precisão incluindo a relojoaria.

Mas ZORRO e RODA condenados estavam a prosseguir juntos na milenar caminhada humana. E juntos chegaram aos meus tempos de juventude, à minha aprendizagem de arte de construções de granito, seja casas de aldeia ou muros de socalcos nas encostas de montes, serras e outeiros.

Conquistas de terrenos bravios que, à custa de engenho e arte, vertidos eram em campos lavradios, de semeadura e cultura. Hoje, grande parte deles cobertos de silvas e matos cabonde, totalmente abandonados. Por isso, nunca me cansarei de, nos meus vídeos e textos escritos, com os títulos “NÓS E AS COISAS”, ver nelas, nas coisas,  a extensão da inteligência humana e aquilo que, como documentos históricos, elas, as coisas, nos transmitem de humano, a nós humanos.

LINK

https://www.youtube.com/watch?v=bO03rmcHsR4&t=781s

 

Ler 443 vezes
Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.