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quarta, 21 junho 2023 12:12

A NOBREZA E OS SEUS BRASÕES

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HONRARIAS EM PRATA E PEDRA

Todo o historiador, isto é, todo o estudioso que tenha dilatado os seus estudos de HISTÓRIA para além dos conteúdos que dão corpo aos compêndios liceais, ou mesmo os conteúdos administrados em certas Escolas Superiores de Educação, donde saíram muitos professores habilitados a ensinar História nas nossas escolas básicas, sabe bem a forma como, ao longo do tempo, certas honrarias sociais foram obtidas por forma a que os seus detentores se pavoneassem com ares de superioridade perante aqueles que tais honrarias não tinham, nem sonhavam ter.

BRASÃO-2

E basta lembrar a ironia contida na expressão de Almeida Garret, criticando a banalidade que, no seu tempo, atingiu a concessão de tais honrarias e títulos: 

- FOGE CÃO, QUE TE FAZEM BARÃO!

 - PARA ONDE? SE ME FAZEM CONDE! 

Com efeito, ainda que o problema fosse “velho e relho”, na fita cronológica da nossa História Pátria, basta ter presente a “nobreza de toga” ligada à Revolução de 1383-1385, o certo é que a Revolução Liberal de 1820, com todas as contradanças políticas sucedâneas (cartistas/setembristas) com a venda dos “bens nacionais” e os novos donos das terras e da política, prestou-se a nobilitar gente que de “sangue azul” não tinha nada, que o mesmo é dizer, não tinha  laços de sangue a uni-la aos “ricos-homens” medievais, a mais elevada categoria da nobreza portuguesa. E, mesmo que tivesse, também alguns desses homens, apesar de nobres, mostravam pouca nobreza nos actos que praticavam, nomeadamente  chamarem seu o que a outros pertencia. Vamos a exemplos:

Aqui em redondo, nas terras que atualmente formam concelho de Castro Daire, já referi, em textos publicados anteriormente, alguns casos extraídos  nas Inquirições de 1258, nomeadamente ao Gafanhão e a Nodar. Assim:

Interrugarus quis fecit ipsam ecclesia, vel in cujos hereditatem fecit eam dixit quod ut ipse audivit Donus Beloy vilanus fecit ipsam ecclesia in sua propria hereditate, et milites de Amaral filiaverunt eam per força”.

Era isso. Os “milites”, os cavaleiros, digamos, a fina flor da nobreza, os “ricos-homens”, invadiram a propriedade de Donus Beloy, vilanus, e tomaram à força a Igreja do Gafanhão por ele mandada construir em propriedade sua.

E o mesmo aconteceu com um tal Calvete, também ele vilão, a quem pertencera a vila de Nodar. Assim o afirma a testemunha João Gonçalves, de Covas do Rio, dizendo que «a vila de Nodar foi de Calvete, vilano e Garcia Soeiro, da Ameixiosa, cavaleiro, tomou-lha pela força e legou-a por testamento a S. João de Pendorada». Isto no tempo de D. Afonso, pai de D. Afonso III.

BRASÃO-1Com uma NOBREZA destas e, seguramente, com outros casos semelhantes levados ao conhecimento do REI, razão tinha, pois, D. Dinis para alertar os ricos-homens no tocante à sua passagem ou paragem no lugar de CRASTO DAIRO. Assim:

«E mando que nenhum rico-homem nem prestameiro nem outro que de mim tiver essa terra não pouse nesse lugar de Crasto Dairo nem em suas aldeias salvo se lhe anoitecer pelo caminho que pouse aí e coma por seus dinheiros e vá-se logo, e não faça aí nenhuma malfeitoria que se assim fizesse far-lha-ia em todo pagar em dobro. E mando e defendo que nenhum não seja ousado que contra isto vá nem faça mal nem força aos ditos juízes do povo e concelho do dito lugar que qualquer que aí fizesse ficaria por meu inimigo e corregeria a eles em dobro o mal e dano e a força que lhe fizesse e peitaria a mim os meus encoutos E em testemunho desta cousa dei eu a esses juízes do povo e concelho sobredito esta carta. Dada na guarda a onze dias de Agosto. El-Rey o mandou pelo chanceler Martim Esteves a fez, era de mil e trezentos e trinta e três anos».

Relembro tudo isto tão só porque numa das minhas últimas visitas ao “MUSEU DE VELHARIAS E ANTIGUIDADES” do senhor Agostinho Silva, em Lamelas, me foi mostrado um cinzeiro bastante curioso. No fundo desse recipiente de cinza, todo ele feito em prata, inclusive a meia cana onde pode repousar o cigarro, está lavrado um BRASÃO que, à primeira vista e de memória, associei ao PALACETE DAS CARRANCAS. Como disponho de fotografias arquivadas de todos os BRASÕES que distinguem os solares concelhios, mal cheguei a casa facilmente me foi comparar uns e outros e conclui que não se tratar da mesma honraria.

De facto esse  BRASÃO, lavrado no fundo de um cinzeiro feito de prata, encaixado numa peça circular revestida a cabedal cosida a ponto de sapateiro (ver fotos)  não é igual ao da PALACETE DAS CARRANCAS. Mas  está  bem próximo o modelo  que a ambos inspirou: uma peça feita em prata, a servir de cinzeiro e a outra  lavrada em granito, a ornamentar o frontespício do PALACETE (onde, há uns anos a esta parte, tem funcionado o Banco Milenium), mandado construir no século XVIII, por D. Manuel Vasconcelos Pereira, Bispo de Lamego, cuja história já investiguei e divulgei no meu site TRILHOS SERRANOS.

CINZEIRO-2CINZEIRO-1De comum, estas duas peças, têm o facto de terem, seguramente, pertencido a famílias com “teres e haveres” capazes de se vangloriarem de serem “cavaleios da casa real”como bem demonstra a COROA patente no topo do   BRASÃO, sendo que o cinzeiro reforça a ideia, anexamdo uma espora de cavaleiro em torno de si mesmo, com a função de “pega”. 

Enfim, uma peça heráldica lavrada em prata, receptáculo da cinza de um nobre e “pensativo cigarro” queirosiano,  ao gosto dos seus nobres proprietários e herdeiros,  até acabar, um dia, vendida na “feira da ladra”, onde se transacionam, igualmente, tanto ontem como hoje, comendas, prebendas, medalhas e torres de espada, outrora no peito ou  penduradas ao pescoço de uma CLASSE SOCIAL que se foi com os tempos e ventos da HISTÓRIA. Foram-se como se foi a MONARQUIA. Mas, chegada a REPÚBLICA, novos agraciados, novas  medalhas, espadas e comendas apareceram, honrando os nossos “melhores”. São aquelas que, mais cedo ou mais tarde, ao mesmo sítio irão parar, e dali, de mão em mão, passarão para MUSEUS institucionaais ou particularees como é o MUSEU DE VELHARIAS E ANTIGUIDADES do senhor Agostinho Silva, em Lamelas. É o fatal destino do nosso país, cujo património nacional e privado tem a má sorte de “sermos quem somos”.

E não fora esta minha visita recente aquele local, aquela aldeia, na base da serra do MONTEMURO, àquele armazém onde cabe meio mundo de ARTE, de LAZER e de TRABALHO, esta minha peça de informação histórica, nunca teria sido escrita, publicada e assim ilustrada para melhor e SUSTENTADO CONHECIMENTO. Que pena!. E pergunto-me, desde há muito,  por onde têm andado os  vereadores que, eleição após eleição, têm ocupado sucessivamente  o PELOURO DA CULTURA.

abílio/2023

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.