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domingo, 23 abril 2023 14:36

CASTRO VERDE - TESTAMENTO DE ANDRÉ ASCENSO E MULHER

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TESTAMENTO DE ANDRÉ ASCENSO

Na crónica anterior vimos o demorado e circunstanciado TESTAMENTO DE MARGARIDA RODRIGUES onde se alude a pessoas GRADAS e menos gradas (pobres e viúvas)  do concelho de Castro Verde, nomeadamente Marcos Viseu, cidadão de grande prestígio local sobre o qual já discorri bastante em trabalhos publicados.

Desta vez, volto ao manancial histórico-social e religioso como é todo o TESTAMENTO, instrumento que, como historiador, comparo a um filão de ouro perseguido pelo mineiro, sempre escavar até que ele se esgote, para trazer à luz da digitalização o TESTAMENTO DE ANDRÉ ASCENSO e sua mulher, ambos instituidores de uma CAPELA, onde nem Papa, nem Rei podiam meter o bedelho.E só ler.

Isto tudo, postura esta, graças aos MESTRES que me calharam em sorte na Universidade, por exemplo Joaquim Barradas de Carvalho, professor que foi na Sorbone e na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

Barradas - Cópia

Docente com o foco posto na «HISTÓRIA DO PENSAMENTO», possuo cópia autobiografada de um longo texto que ele ofereceu à Biblioteca de Beja, cujo cabeçalho aqui anexo, em foto, por via das dúvidas.

Era pai de Arons de Carvalho, um dos fundadores do Partido Socialista que, em 2023,  fez 50 anos de existência, evento de que fizeram eco os órgãos de comunicação social. Privei, esporadicamente, com Arons de Carvalho, em Castro Verde, v.g. quando, na conjugação de ideias e exercício da cidadania, me dispus, juntamente com um grupo de amigos do mesmo ideário político, a organizar a célula SOCIALISTA LOCAL (que não existia) e, nessa condição, integrar as listas para a AUTARQUIA LOCAL. Lembro o nome dos amigos de então, companheiros de trabalho, Horácio, Albano e Aníbal (os dois primeiros já falecidos)  pedindo perdão aos demais por ter esquecido os nomes.

Mas voltemos ao assunto dos testamentos. Desta vez, animado pelos “GOSTOS” (lykes) apostos no rodapé da crónica anterior, alguns deles advindos, seguramente, de ex-alunos meus (sem comentários) reponho aqui o testamento de ANDRÉ ASCENSO e sua mulher, onde se vê que, também este casal, instituiu uma CAPELA. Sendo que «capelas», ao contrário da ideia que vem imediatamente à cabeça da gente de agora, não era um edifício, um templo,  mas, tão-somente,  os bens destinados a render para pagarem os encargos do sufrágio das almas dos testadores. E nem sempre se revelou pacífica a administração dos bens deixados e o lugar onde se deviam dizer as misas. No caso presente necessário foi pedir «conselho» aos «sábios» de Évora. Já verão. Segue em itálico com grafia atualizada e algumas passagens sublinhadas a NEGRITO. Um documento que faz luz sobre os princípios da Casa da Misericórdia e respetivos fundadores. A minha esposa, Mafalda Carvalho, fez, a propósito,  um trabalho académico, do qual julgo ter deixado cópia em Castro Verde. Não sei até se, posteriormente, foi esta matéria foi investigada e publicada.  Seja como for, um texto «digitalizado», prontinho a «copy/paste» é outra coisa. Bom proveito. Assim:

TESTAMENTO

PRIMEIRA PARTE

a)      «Capela de André Ascenso e sua mulher Ascensa Gonçalves que instituíram na herdade do Monte Velho hoje chamado da Misericórdia.

 

m-escrever-2 - CópiaCertifico eu Manuel Marques de Medeiros, tabelião do público judicial e notas nesta Vila de Castro Verde e seu termo, por provimento do provedor desta Correição que é verdade que para haver de passar a presente me foi mostrado pelo capitão Manuel Lourenço, Provedor que e este presente ano da Santa Casa da Misericórdia desta Vila um livro antigo que servia de Tombo e de próprios da dita Casa e a folhas 35v, está lançada a capela que instituiu André Afonso e sua mulher As­censa Gonçalves, cujo teor é o seguinte /// Declararam eles testadores que qualquer deles que primeiro falecer toma toda a sua terça parte dos seus bens assim móveis como de raiz e os deixam aquele que vivo ficar com tal condição que aquele vivo ficar, enquanto ficar, digo viver, mandará dizer duas missas cada semana na casa da Misericórdia sobre a sua sepultura do que falecido for, com seu responso. Item, dis­seram eles testadores que entre os bens de raiz que assim tomam em sua terça a herdade do Monte Velho, situado no termo desta Vila de Castro Verde a qual eles houveram por título de compra de António Paposo, a qual herdade possuía o que vivo ficar e para mandar dizer as ditas duas missas cada semana como fica declarado e por falecimento do que derradeiro deles falecer a dita herdade redondamente assim como está e  possuem ficará à Misericórdia desta vila isto com condição, digo, com tal condição e obrigação que o provedor e irmão da dita ca­sa serem obrigados a dizer duas missas cada semana pelas almas deles testadores e isto enquanto o mundo durar dos rendimentos que render a dita herdade, as quais missas pagará dez reis mais daquilo que for e direitamente se levar pela esmola de uma missa pelos livros de contas por que os padres folguem de as dizer. Item, disseram eles testadores que eles deixam a dita herdade com tal condição e declaração que o provedor e irmãos que forem e nela adiante houver nunca em nenhum tempo a podem trocar, vender, escambar, aforar, in factus in (  ?  ). nem menos em pessoa, se­não sempre a dita herdade sempre ainda pela dita Misericórdia para do dito rendi­mento dela se cumprir o dito inventário, digo, encargo das ditas duas missas cada semana, nem menos Ascenso - Cópiapor outro nenhum modo sujeitarem e empenharem ainda que seja trocada por melhor propriedade nem sobre isso se possa haver suprimento do Papa, nem de el-rei somente a poderão arrendar por um ano ou por muitos anos por breve ou longo tempo não passando o tempo do da escritura o arrendamento de nove anos e fazendo o contrário pelo mesmo caso percam administração da dita herdade e haja o prior e beneficiados da Igreja Matriz, ou sendo caso que o provedor e irmãos se­jam tão fieis no dizer das missas por que pelo mesmo caso a dita herdade hajam administração o provedor e beneficiados ou qualquer beneficiado da Igreja Matriz da dita vila. Colherão todos os rendimentos da dita herdade e dirão em missas pa­gando-se deles a vinte reis mais por cada, digo, por missa daquilo que se leve das outras missas dos defuntos ordinariamente as quais missas dirão sobre sua sepultura como fica dito e esta melhoria de mais prémio por missa lhe deixa por respeito da administração da dita herdade. Item, disseram eles testadores que sendo caso que o prior e beneficiados deixem de dizer as ditas missas em tal caso percam a administração da dita herdade e haja outra vez a Misericórdia como de primeiro está dito. Item, disseram eles testadores que porquanto acontece que por dizer que o provedor e irmãos da Misericórdia sejam esquecidos de mandar dizer as ditas missas pela maneira que aqui declaram manda que as verbas desta testamento todas as que tocarem a este com­promisso se tresladem no livro dos registos da Provedoria da Comarca onde são escritas as outras confrontações e medições da dita herdade e que o Provedor da Comarca ou juiz dos resíduos possa tomar conta que o Provedor e Irmãos da Misericórdia se a ditas missas se dizem; e achando que se não dizem fá-las-á dizer e pedem muito por amor de Nosso Senhor ao Provedor e Irmãos da Misericórdia se não escandalizem visto porquanto eles lhe não mandam assim sendo por descargo de suas consciências ao que são obrigados e não poderão o provedor e irmãos da Misericórdia tomar posse da dita administração nem haverão a propriedade sem primeiro fazerem a obrigação de darem a dita conta ao provedor e ao juiz dos resíduos de como se as missas dizem sem embargo de quaisquer privilégios que a dita casa tenha em contrário e vindo a administração ao prior e beneficiados então lhe tomarão conta o vigário. Item, disseram eles testadores que porquanto o seu jazigo é na capela da Misericórdia e seus filhos se queiram ali sepultar e mais descendentes dizendo que é sepultura de seus pais e avós: e porque enterrando-se nela muitos corpos causará pejo aos ofícios divinos a irmão como provedor e a limpeza da casa mandam eles testadores que no dito jazigo que com eles se não possa enterrar descendentes salvo aquele que deixar esmola equivalente que se diga uma missa cada semana e fique remanescente na casa o proveito porque sendo desta maneira poderá por tempo esta capela vir a ser quotidiana a casa conter, do a mais devoção celebrando-se nela os divinos ofícios cada dia. Item, disseram eles testadores que sendo caso que o derradeiro falecer queira fazer outro testamento ou invocar alguma cousa em diminuição do contido neste disseram que aquele que primeiro falecer haja por tomada a dita herdade toda em sua terça e a deixam com a mesma condição e obrigação aqui declarada de missas por si e seus defuntos, E não continha mais dizeres a dita instituição da capela de que me reporto ao dito li­vro em todo e por todo de que me assinei de meus sinais publico e raso com o dito provedor de como recebeu o dito livro. Sendo nesta dita Vila de Castro Verde em os vinte e dois dias do mês de  Agosto de mil seiscentos e noventa e um anos. Eu, Manuel Marques de Medeiros o fiz escrever e subscrever.

 

SEGUNDA PARTE

 

 b) "Certidão dos pareceres que se ouviram sobre os testamentos de André Ascenso e seu filho Pedro Ascenso e de seu neto João Ascenso».

 

Certifico eu, Padre Duarte Barradas Guerreiro freire professo do hábito de Santiago, Prior da Nossa Senhora da Conceição, Matriz desta vila de Castro Verde, comissário do Santo Ofício, que é verdade que tombando-se de novo neste livro os bens que fo­ram deixados à Santa Casa da Misericórdia desta Vila como do dito livro, se vê se moveram a tomar dúvidas na mesa da dita Santa Casa sobre as missas que os testadores deixaram juntamente com os seus bens em razão de serem alguns de parecer que se podiam mandar dizer fora da igreja da dita casa para cuja decisão tomei a meu cargo o propor as verbas dos testamentos no tocante a este particular e as mandei à Universidade de Évora para que, seguindo o parecer da resolução que viesse, em tudo se seguiria o que os doutores determinassem = cujas propostas e resoluções são as seguintes = (.,,)  

 

2- Proposta: três testadores, pai, filho e neto que deram princípio à fundação da Misericórdia e nela estão enterrados, deixaram à casa certos bens com a obrigação que lhe mandassem dizer duas missas a cada semana, nomeando os dias em que se haviam de dizer, mas não onde se haviam de dizer as missas. Pergunta-se se estão obrigados, o provedor e irmãos, a mandá-las dizer na dita Casa da Misericórdia, Um desses testadores determinou a esmola da missa em 30 reis. Pergunta-se se se pode acrescentar a esmola dos bens da Casa para que se digam na Ca­sa da Misericórdia (,,.) 

Respondo ao 2: que é bom e pio e como tal se deve aconselhar que as missas se digam, mas que não é obrigação que as missas se digam na tal igreja, a razão é porque quando o testador não assinalou o lugar a que se disseram as tais missas,  podendo; presumir-se que se atendeu ao sacrifício da missa e não ao sacerdote, donde dizendo-se a missa em outro lugar se satisfaz à vontade do testador (...) Isto é o que me pa­rece salvo ´meliori judicio´. Évora in Colégio Spiritu Sancti Jesu, 23 de Setembro de 1692. Francisco Ribeiro.

 

COMPUTADOR-2(...) Depois de mandado propor as propostas atrás e vir a resolução deles se achou o treslado da Instituição da Capela que instituiu André Ascenso e sua mulher Ascensa Gonçalves, o qual vai lançado neste Tombo a folhas 46 e dele se vê bem que ninguém se pudesse dos seus descendentes fazer enterrar na sua sepultura senão que deixasse bens à Casa para que houvesse missa quotidiana; e seu filho Pedro Ascenso e seu neto João Ascenso foram sepultados em a mesma sepultura deixando cada um deles duas missas cada semana; e suposto eles não declararem onde se haviam de dizer as tais missas bem se infere se hão de dizer na Casa da Misericórdia, supos­ta a instituição de André Ascenso e a sepultura que elegeram filho eneto eas duas missas que deixaram. Não obsta dizer na  2ª proposta atrás que não declararam lugar onde se haviam de dizer as missas por se não ter até este tempo achado a instituição de André Ascenso o que suposto se mandou propor à cidade de Évora de que veio resolução cuja proposta e decisão dela é a seguinte:

 «Proposta»: Pedro deixou certos bens à Casa da Misericórdia donde esta sepultado, com pensão de duas missas cada semana; e depois que acabou o testamento disse as palavras seguintes = e assim ordeno que ninguém de hoje em diante se enterre na minha sepultura que está na Casa da Misericórdia, ainda que seja descendente ou parente mais chegado porque pela multidão de muitos corpos poderá causar maus cheiros aos ofícios divinos e ao provedor e irmãos salvo deixar esmola equivalente na mesma casa = até aqui são palavras do testador. Porém há-de advertir-se que este testador deixou e declarou que estas missas se dissessem na mesma igreja da Misericórdia, a qual ele deu princípio de sua fundação. Depois disto faleceram, que um era filho e outro neto deste Pedro fundador e cada um destes deixou à Casa bens bastantes com suas duas missas semanais e todos três descontinuaram os dias, porém o filho e o neto não indicaram em seus testamentos lugar assinalado para se lhe dizerem as suas missas. Pergunta-se agora, suposta a declaração do primeiro fundador, se está o provedor e mais irmãos obrigados a mandar dizer as missas destes dois últimos testadores na Casa, ou se poderão em consciência licitamente mandá-las di­zer fora da casa ou se lhe hão-se interpretar a vontade dos dois, conforme instituição do primeiro».

 Resposta»:

 Se os ditos defuntos foram enterrados na sepultura do dito Pedro fundador, julgo que não podem o provedor e mais irmãos mandar dizer as missas que se deixaram fora de casa porque com essa condição lhes concedeu o testador o lugar de sua sepultura como se colige das palavras aqui referidas do seu testamento. E ainda que não fossem nesse lugar enterrados parece-me que ainda assim se devem dizer as missas que deixaram os dois defuntos na mesma Casa e não fora; porque esta parece a sua vontade porque parece que para isso deixaram as tais missas descontinuadas para que fosse quotidiana como era a vontade do 1º testador. Este é o meu parecer. Évora 29 de Dezembro 1692, João de Oliveira.

 E não continha mais dizer a dita proposta e resolução dela, a qual fica neste livro metida e por verdade me assinei, sendo nesta Vila de Castro Verde aos 4 de Janei­ro de l693. Não faça dúvida o borrão que diz missas e assinei e nem faça dúvida a entrelinha que diz a mesma e nem emenda que faça desta lauda que diz destes e por verdade me assinei. (ms. cit. fls. 46r-47r)

 Duarte Barradas Guerreiro»

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.