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sábado, 22 abril 2023 13:41

CASTRO VERDE - TESTAMENTO DE MARGARIDA RODRIGUES

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TESTAMENTO

Durante a última visita que o meu filho Valter, nascido em Beja, me fez aqui, em Fareja, tivemos a oportunidade de ambos  revisitar e dar arrumo aos arquivos com fichas manuscritas e textos dactilografados relativos à investigação que eu e a minha mulher, Mafalda, sua mãe, levámos a efeito em Castro Verde, com aquela avidez de professores de HISTÓRIA que sentem a necessidade de preencher a lacuna que ali encontrámos, relativamente ao conhecimento da HISTÓRIA LOCAL.

Creio até que fomos o primeiro casal de professores (ela natural de Castro Verde e eu natural de Castro Daire) que ali se dedicou a essa meritória tarefa. 

Mas, injustiça seria deixar de fora o professor Alves da Costa, um filho da terra, licenciado em Filosofia, docente que era no Liceu Camões, em Lisboa, que, antes de nós, já se tinha dado ao cuidado de vasculhar os arquivos locais e, com entusiasmo, partilhar connosco as descobertas feitas (não publicadas) e incentivando-nos a prosseguir a descoberta e a publicar o que fossemos descobrindo.

 E assim foi. Chegámos a colaborar os três no Boletim “CASTRA CASTRORUM” feito em papel A4, policopiado, fundado pelo recém-licenciado em Direito, Dr. José Francisco, um inveterado entusiasta da investigação e divulgação da história e cultura locais.

TEXRO-RETAQLHO - CópiaMÁQUINA DE ESCREVERTextos dactilografados em “papel de cera” dali passavam à rotativa e dela para as bancas de venda e oferta. Os jovens de hoje, exímios a rolarem o “tapete” dos telemóveis com os polegares, a lerem textos digitais, nem sonham as dificuldades e o tipo de suportes de informação escrita e fotográfica da época, a bem dizer ontem na cronologia da história e da vida. E foi desse modo, conjugando vontades e interesses, que trouxemos a luz do conhecimento o conteúdo de arquivos poeirentos e mortos. Páginas esquecidas de história, de gentes e de vidas.

Folheando manuscritos, alguns deles de difícil leitura, digamos que não eram toucinho onde qualquer moiral  ferrasse o dente. Havia pois que, para além da paleográfica sapiência, ter paciência para lê-los, manuscrevê-los e, posteriormente, dactilografá-los em papel de cera. Não era coisa fácil. Só mesmo o “amor à arte” e a ânsia de conhecermos e divulgarmos o passado para melhor entendermos o presente nos dava forças para fazer isso.

Nessas nossas investidas caiu-nos sob os olhos e o “Tombo da Matriz de Castro Verde, onde se Lançam as Capelas, 1685-1767”. Foi desse “TOMBO” que, lestos e ansiosos, extraímos vários testamentos, entre os quais o TESTAMENTO de MARGARIDA RODRIGUES, mulher de LUÍS AFONSO FALEIRO

Foi lido, datilografou e eu aqui o divulgo hoje digitalizado, na certeza de vir a ser útil aos estudiosos (da terra ou fora dela) que, neste tempo de “copy/paste”, dele possam fazer uso, sem carregarem às costas o peso do trabalho que este extenso documento nos deu (a mim e a ela, a minha mulher) até chegar ao estado em que aqui se divulga.

MAFALDA-ARCAÉ um tributo que também faço à minha mulher, Mafalda de Brito Matos Lança Carvalho, natural de Castro Verde, minha companheira de estudo (de liceu e da  universidade) de profissão, de investigação e mãe dos meus filhos.

Deixo, pois, aqui esse texto integral com alguns sublinhados a BOLD. Digno de reflexão, não movido por qualquer culto necrófago, mas sim por vivo e lúcido olhar capaz de penetrar no templo das mentalidades mortas. Os testamentos são para o historiador a gazua que, pela mão dos tabeliães de serviço, o habilita a entrar no mundo material e espiritual daqueles que, sentindo aproximar-se a morte, se prestam a distribuir o património material que usufruíram em vida e, com parte dele (os bens de alma) comprarem paz e sossego naquele “outro mundo” para onde julgavam que partiam.

Pelos testamentos perpassa o poder económico, a moral e religião dominantes que determinavam e condicionavam os procedimentos humanos. Foi nesses arquivos que arranjei matéria bastante para o meu livro «História de uma Confraria,--- e também  o nome do pintor Diogo Magina, artista a quem se devem os quadros  existentes  na Igreja dos Remédios, ou das Chagas do Salvador, recem construída, pois no testamento que se segue é dita «Igreja Nova...» E também  a cópia integral do Testamento de Marcos Viseu, deixado integralmente no meu livro «Afonso Henriques, História e Lenda». 

S.Miguelcapa Livro Afonso Henriques renovada - CópiaRepuxo para esta testada o volume de “bens materiais” e “bens de alma” que esta senhora, em «seu perfeito siso» distribuiu “às portas da morte”, convicta de que a sua “sentença” duraria «até ao fim do mundo». Ela que, abastada em bens materiais, não assinou o testamento, “por ser mulher e não saber ler, nem escrever”. Ela que arrolou nos bens deixados a sua criadagem, a sua égua e, reduzidos à condição dos demais bens materiais, as “mulatinhas e mulatinho” ,,,,,tudo muito bem calculado e medido para que não lhe faltasse a missa quotidiana para sufrágio da sua alma. Só lido, senhores, só lido. Vai em itálico e grafia atualizada. Façam favor:

TESTAMENTO - 1668

"Capela e testamento de Margarida Rodrigues que instituiu missa quotidiana"

 Em nome de Deus, ámen. Saibam quantos esta cédula de testamento cerrado virem que no ano de nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo (1668) virem que estando enferma Margarida Rodrigues nas casa de morada de Luís Afonso Faleiro de doença natural que Deus Nosso Senhor lhe deu, mas estando em seu juízo perfeito pediu a mim o Padre Pedro Coutinho lhe fizesse este testamento para bem de sua alma e descargo de sua consciência o qual faz pela maneira seguinte:

 Primeiramente disse ela testadora que encomendava a sua alma a Deus Nosso Senhor que a remiu com o seu preciosíssimo sangue e a Virgem Nossa Senhora e ao Anjo de sua Guarda e mais Santos da Corte do Céu para que eles sejam intercessores diante de Deus Nosso Senhor para que lhe perdoe seus pecados e a livre das tentações do Diabo. Disse a dita testadora que sendo Deus Nosso Senhor servido de a levar para si, quer que seu corpo seja levado à sepultura no hábito de S. Francisco e seja sepulta do na igreja Matriz desta Vila de Castro Verde na qual quer que se lhe faça um ofício de corpo presente inteiro de nove lições ofertado com dez alqueires de trigo e um almude de vinho eque todas os padres que se acharem presentes digam missa por sua alma aos quais padres se dará a esmola de três vinténs e quer que o seu corpo quando for à sepultura vá acompanhado de nove mulheres viúvas, honradas às quais sê dará a cada uma um alqueire de trigo e levarão cada uma sua vela e assistirão também aos nove dias e assim mais acompanharão seu corpo todas as Confrarias que houver as quais se dará a cada uma seis tostões de esmola e se fará no caminho os responsos que permitir a distância do lugar. Disse mais ela testadora que depois do ofício do corpo presente até aos nove dias dirão missa por sua alma todos os padres que se acharem na terra e que aos nove dias se lhe fará outro ofício intei­ro de nove lições e de música de canto de órgão eneste dia dirão missa por sua alma todos os padres que se acharem presentes aos quais darão a esmola acima dita e assim mesmo será ofertado este ofício dos nove dias com a mesma oferta que a do corpo presente. Disse mais a testadora que depois de sua morte se lhe fará outro ofício inteiro ofertado com cinco alqueires de trigo e um almude de vinho e ao dia do ano selhe fará outro ofício na mes­ma forma e com a mesma oferta e em ambos estes dois ofícios se lhe darão todas as missas que puder ser. E disse mais ela testadora que o seu testamenteiro lhe mandará dizer logo cem missas por sua alma em algum convento em Beja ou em Messejana aonde se lhe digam mais depressa pelas quais se darão a esmola costumada e assim na Igreja em que seu corpo for enterrado se lhe dirão dois trintários de missas. Disse mais ela testadora que se lhe digam duas missas ao Anjo de sua Guarda e quatro a Santa Margarida, santa de seu nome e outras quatro à gloriosa Santa Bárbara outras a Santa Lúcia outra quatro à Virgem dos Remédios as quais se dirão na Igreja Nova das Chagas e a cada Confraria das que houver nesta Igreja, outras quatro missas e às almas Santas deixa que lhes digam dez missas e duas ao glorio Santo António e duas à Virgem Senhora da Misericórdia e quatro ao Santo Cristo que está na Igreja da mesma Santa Casa e Santa Ana se lhe digam mais luas missas e a S. Francisco quatro e uma a S. Sebastião e outra a S. Martinho e mais duas a S. Marcos. Disse mais ela testadora que se faça um afício inteiro de nove lições pelas almas de seus pais ofertado com um saco de trigo e meio almude de vinho. E pela mesma intenção e almas de seus irmãos e mais defuntos seus, se dirão vinte missas e assim mais se dirão cem missas por seus encargos. Disse mais ela testadora que ela deixa à Casa da Santa Misericórdia desta vila vinte alqueires de trigo que tem de foro cada ano na herdade do Ferragudo e assim mais deixa ao convento dos religiosos de S. Francisco de Messejana dez mil reis de esmola. Disse mais ela testadora que deixa a sua irmã Catarina Lopes mulher de João Afonso a sua cadeia de ouro e um Cristo de dois que tem também de ouro o mais pequeno e um capote de seda ´atulado´ (?) de prata e a sua sobrinha Margarida filha da mesma sua irmã deixa um gibão e uma saia de seda negra e um manto de peso de uma renda grande. A seu irmão José Pires deixa a sua filha Catarina um crucifixo de ouro, o maior e uma saia de seda parda e um gibão de damasco preto e um saio de seda preta e um manto de renda pequeno também de seda. A sua cunhada, mulher do dito seu irmão José Pires deixa um gibão e saia de serafina e um manto de sarjem (?) A sua irmã Inês Queimada deixauma colcha de seda e umas (?)de ouro e       uma coroa de contas de cheiro es­tremadas de ouro com uma cruz também de      ouro e uma verónica de prata e atua filha mais velha deixa um crucifixo de ouro pequeno e novo e a seuafilhado Filipe, filho de sua irmã Inês Queimada deixa vinte alqueires de foro que tem na herdade do Tanqueiro. E a sua sobrinha Maria Rodrigues, mulher de Afonso Vaz deixa um vestido de serafina roxa e uma dúzia de velos de lã. Aos filhos de seu irmão Baltazar Pires deixa vinte mil reis para ajuda de seu casamento. E a seu sobrinho António Pires dez mil reis. A sua irmã Inês Queimada deixa um manto verde e uma saia verde escura e um gibão de serafina preto. E a sua filha mais moça deixa uma cama de roupa a saber: um colchão, dois lençóis, um cobertor vermelho e um chumaço com o um travesseiro, à filha mais velha de sua comadres Maria Afonso deixa umacama de roupa na mesma forma e com os mesmos pesos. A sua cunhada Isabel Faleira deixa outra cama de roupa. A Maria da Seda, mulher viúva, deixa dois alqueires de trigo. A Maria Gonçalves  deixa outros dois alqueires de trigo. A Maria Fernandes, a chaveira, deixa seis velos de lã para ajuda de vestir suas filhas. A Domingos de Madeira, que encomenda as almas deixa um vestido e outro a João Costa que ora serve de hospitaleiro e outro vestido a seu compadre Miguel Lourenço. Aos filhos de Damásio Gomes deixa uma cama de roupa a saber: dois lençóis, dois cobertores, um verde e outro azul, um colchão de linho novo e bom, com seu chumaço e travesseiro. A sua comadre Brites Roiz deixa um vestido de roxa e a sua filha Ascensa deixa um anel de ouro e três côvados ou quatro de roxa pardinha para fazer uma saia a sua filha a qual deixa também um anel de ouro para fazer, digo, uma saia para si e lhe deixa só um anel de ouro ainda que por isso se fale nele duas ve­zes. E a sua sobrinha mais velha filha de sua irmã Inês Queimada deixa outro anel de ouro. A Inês Luiz mulher viúva e pobre deixa o seu vestido de semana e a Maria Roíz, mulher também viúva pobre deixa seis velos de lã para se vestir. As filhas de Luís Jorge deixa outros seis velos de lã para ajuda de se vestirem. A Margarida Janeira e a sua mãe deixa outros seis ve­los de lã para, ajuda de se vestirem, às filhas de Jerónimo Pereira deixa uma cama de roupa a saber: dois lençóis, dois cobertores, um vermelho e outro azul, um colchão de linho novo um chumaço e um travesseiro e assim mais lhe deixa um anel de ouro de selo. A Margarida filha de sua comadre Brites Mendes deixa uma cama de roupa na mesma forma que a de cima e à dita sua comadre deixa uma dúzia de velos de lá. À sua sobrinha Catarina Lopes deixa outra cama de roupa como as     já ditas    e lhe deixa mais duas ca­misas de pano de ancho. Á sua afilhada Catarina,   filha de António          Madeira deixa  o seu chapéu e uma camisa de pano de ancho, à Confraria do Santíssimo Sacramento desta Vila de Castro Verde deixa dez mil reis de esmola para ajuda de seus gastos e à Virgem Senhora dos Remédios deixa que se lhe faça um vestido de seda lustroso para os dias de festa. Deixa mais a testadora a Nossa Senhora da Assunção da Matriz desta vila um vestido de seda para a Quaresma, deixa mais a Margarida Pereira um vestido que se lhe fará de baeta e a sua mãe deixa dois alqueires de trigo, a seu filho Romão Gonçal­ves deixa vinte velos de lã. Deixa mais a Santa Ana da freguesia de S. Martinho dez mil   reis para conserto da sua  igreja e a si mesmo, deixa a S. Sebastião desta  Vila de Castro Verde seis   mil reis para conserto da  suaigreja e deixa outros seis mil reis a S. Martinho da mesma vila para conserto também da sua Igreja e deixe outros seis mil reis a S. Martinho da mesma vila para conserto também da sua igreja e a sua afilhada filha de João Roiz Tamanco deixa dez mil reis para ajuda de seu dote e uma mantilha de seda preta. Às filhas de António Gonçalves, que foi alcaide nesta vila, deixa vinte velos de lã. A sua afilhada filha de João Fernandes Ferreiro deixa cinco mil reis para ajuda da de seu casamento. Deixa mais que depois de sua morte se dê de esmola a pessoas pobres um moio de trigo. A seu irmão José Pires deixa o seu mulatinho Baltazar e a sua irmã Catarina Lopes a sua mulatinha Lúcia, e a sua irmã Inês Queimada deixa outra mulatinha de nome Bárbara. A seu afilhado Filipe filho de sua irmã Inês Queimada deixa mais se estudar para ser clérigo e a seu sobrinho Miguel filho de seu cunhado João Ascenso deixa dez mil reis em dinheiro e que o vistam. E declara que suposto disse acima que seu corpo fosse enterrado na Igreja Matriz desta Vila de Castro Verde, revoga esta verba do seu testamento e quer e é sua última vontade que o seu corpo seja sepultado na Igreja da Santa Misericórdia desta mesma vila aonde se lhe farão os ofícios e mais bens da alma que nos dias deles manda fazer assis­tindo o reverendo prior e os mais padres da igreja Matriz como se tudo fi­zesse na dita Igreja. No tocante ao cobro das ofertas e mais benesses etc. para que se lhe dê sepultura na Igreja desta Santa Casa e acompanhe seu corpo a sua irmã há de lhe deixar dez mil reis de esmola. Deixa mais a ou­tro seu sobrinho filho mais velho de seu irmão José Pires vinte mil reis de esmola. Deixa mais a seu marido Luís Afonso Faleiro uma égua e sua mulatinha de nome Margarida. Item disse ela testadora que ela institui uma ca­pela da Casa da Santa Misericórdia de Castro Verde aonde manda enterrar o seu corpo a qual capela quer que seja de missa quotidiana e que se dirá todos os dias por sua alma enquanto o mundo for mundo e quer que para isso haja um clérigo que sirva de capelão nesta sua capela e diga missa quotidi­ana e para sustento do dito clérigo deixa quatro moios de trigo, os quais lhe pagará o administrador que for da capela em dois quartéis a saber: me­tade pelo Natal e a outra metade por Nossa Senhora de Agosto, item deixa ao dito capelão uma morada de casas das que tem nesta vila aquelas que es­colher o primeiro capelão a qual capela nomeia ela que seja o Padre Fulano Ramos filho de Lourenço Afonso e de Brites Ramos naturais desta vila o qual padre assiste agora em Alcaria Ruiva, termo de Mértola. E por morte do dito padre o provedor com os mais irmãos da mesa que então servirem na dita Casa juntamente com o administrador que então for da sua capela, elegerão outro clérigo que for de boa vida e costumes que sirva de capelão contando que se houver parente seu proceda aos demais e se por ventura o clérigo que servir de capelão estiver enfermo que não possa dizer algum dia ou dias missa, e administrador a mandará dizer e dará um tostão de esmola por cada uma missa da sua fazenda e o mesmo fará quando morrer algum dos capelães nos dias que se meterem de permeio até nova eleição do outro porque a sua vontade é que todos os dias sem falta se diga esta missa e para que isto mais facilmente se cumpra declara que os vinte alqueires de foro acima neste seu testamento deixa à Casa da Misericórdia lhos deixa com mais um quarteiro de trigo cada ano com a obrigação de que na Igreja da dita casa se dê ao clérigo que for seu capelão tudo o necessário para dizer missa todos os dias assim de ornamentos como de vinho e hóstia ainda que isto de vinho e hóstia retrate e disse que o administrador da capela daria ao dito capelão da capela dois almudes de vinho para as missas e que as hóstias daria o capelão ao qual for a obrigação de ter o direito às casas que escolher das suas moradas que ela tem em forma que se possa habitar e morar nelas se quiserem os mais capelães que se forem sucedendo. Item disse ela testadora que o seu administrador da capela lhe fará todos anos no octonário de todos os Santos um ofício inteiro de nove lições com a sua missa cantada. Item disse ela testadora que ela nomeou para administrador desta sua capela que fez ca Casa da Santa Misericórdia seu irmão José Pires e que por sua morte dele vá correndo a administração da dita capela   a linha direita dos seus filhos e mais  ascendentes, precedendo os mais velhos aos mais moços e os filhos machos às filhas fêmeas. Não havendo filho ou filha na linha direita, irá a administração desta capela a seu parente mais chegado dela testadora. Item, disse ela testadora que depois de cumpridos os legados e deixas deste seu testamento faz e institui por herdeiro universal de todos os seus bens havidos e por haver a sua alma assim de sua terça como de tudo o mais que se achar que lhe pertença e quer que seu administrador do remanescente de sua terça e mais bens que lhe ficarem ou em dinheiro ou em móveis se comprem bens de raiz ou foro a deis mil reis cada alqueire o foro os quais foros ou bens de raiz que se comprarem com  os mais que se ficarem quer que rendam para a dita capela e destes rendimentos se pagará ao  padre capelão o seu ordenado e o quarteiro de trigo que acima deixa à Santa Casa da Misericórdia afora os vinte alqueires de fero que eia nomeia na herdade do Ferragudo e decla­rou a dita testadora que sendo caso que se destrate algum foro dos que fi­carem à sua parte ou dos que se comprarem para a dita «na capela logo com o mesmo dinheiro se comprarão bens de raiz ou outro foro ou foros e aos destratados ou compra» que se fizerem assistirá com o seu administrador o provedor que então for da Casa da Santa Misericórdia e mais irmãos à mesacom o parecer de todos se farão estes contratos com declaração que o di­nheiro que se der dos distratos fique em depósito na mão do depositário que for da Santa Casa da Misericórdia ou de outro qualquer que o Prove­dor e mais irmãos da mesa com o administrador da capela elegerem. E de­clarou mais que na eleição que se fizer do capelão por morte ou imobilidade do que servir quer que assim como os seus parentes clérigos proce­dam as mais precedam os naturais da terra aos de fora dela. Item disse ela testadora que deixava seis mil reis para se comprar uma coroa de prata e se o dinheiro sobrar que seja sobredourada à Virgem Senhora dos Remédios da Igreja das Chagas a quem acima deixa o vestido. Item disse ela testadora que o administrador da sua capela dará dois alqueires de azeite ou dinheiro deles ao capelão de sua capela para que ele tenha cuidado de mandar acender todos os sábados do ano a lâmpada de Nossa Senhora dos Remédios da dita Igreja e havendo nisto descaminho notável do Cape­lão se elegerá outro que sirva a Capela e tenha este cuidado da lâmpada. Item disse ela testadora que deixa a Maria Fernandes viúva que ficou de Manuel Barbas dois alqueires de trigo e seis velos de lã. Item disse ela testadora que nomeava por seu testamenteiro o seu marido Luís Afonso Faleiro ao qual pede que cumpra e faça cumprir inteiramente as verbas deste seu testamento e faça com sua alma como ela dele espera e ela fizera com a sua se Deus primeiro o levara e por seu trabalho lhe deixa seis mil reis e declara que a esmola que deixa ao Convento de S. Francisco de Messejana é para que alguns religiosos do dito convento assistam ao ofício que se fizer aos seus nove dias para o que será avisado o reverendo Padre guardião do dito convento. Item disse ela testadora que por sua alma e pelos seus defuntos se digam mais cinco mil reis em missas e assim de ma­neira que dito tem houve ela testadora este seu testamento por feito e acabado e declara que é esta a sua última vontade e por este revoga todos os demais testamentos e só quer que este valha e tenha força e vigor e assim pede às justiças de Sua Majestade que lhe façam cumprir e guardar inteiramente como nele se contém hoje, dezanove de Março de mil seiscen­tos e sessenta e oito anos e eu padre Pedro Coutinho que o fiz e escrevi e o assino a rogo da testadora por ela ser mulher e não saber ler e escrever dia mês e era supra.

 

 Saibam quantos este público instrumento de aprovação de testamento cerrado virem como no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos e sessenta e oito anos aos dezanove dias do mês de Março do dito ano nesta Vila de Castro Verde nas casas de morada de Luís Afonso Faleiro morador nesta dita Vila aonde eu Tabelião fui estando ali presente Margarida Rodrigues sua mulher deitada em uma cama doente de doença natural que Deus Nosso Senhor foi servido de lhe dar, mas estando em seu perfeito sizo e entendimento segundo o parecer de mim, tabelião e das testemunhas que todas ao diante seremos nomeadas e logo pela dita Margarida Rodrigues foi dada a mim tabelião a sua mão e de mim Tabelião perante as ditas testemunhas este seu testamento cerrado que a seu rogo dela lhe havia feito o Padre Pedro Coutinho que estava escrito em cinco laudas e meia de papel e na última lauda se começava esta aprovação dizendo que este era o seu testamento e tudo o que nele estava escrito era sua última e derradeira vontade e tudo dispusera assentara e queira que tudo se cumprisse irrevogavelmente e pedia e rogava às justiças de Sua Majestade de lhe cumprissem e guardar este seu testamento que não tinha borrão nem coisa que dúvida faça e havia por quebrados todos os testamentos, cédulas e codicilos que antes deste haja feito e só este queria que se cumprisse e pediu a mim tabelião lhe aprovasse este seu testamento o qual eu tabelião tomei e aprovei por testamento cédulas e codicilos ou como em direito haja lugar que pela dita testadora a seu rogo dela assinou por ser mulher que não sabe ler e escrever, Marcos Vizeu e sendo mais testemunhas que presentes estavam nesta aprovação os padres Sebastião Loureiro e Cle­mente Lourenço, Domingos da Costa e Francisco Gomes, Manuel Gago e João Gonçalves pessoa secular e os mais padres de missa e só Manuel Gago de Epístola todos moradores nesta Vila e o Padre Pedro Coutinho cura da freguesia da Trindade termo da cidade de Beja e eu António Barradas de Barros, Tabelião Judicial e Notas desta Vila que o escrevi e o assinei em público de meu sinal que tal é, assina a rogo da testadora e por mim como testemu­nha Marcos Vizeu. 0 Padre Coutinho, o Padre Sebastião Loureiro. 0 Padre Manuel Gago. 0 Padre Clemente Lourenço. 0 Padre Domingos da Costa. 0 Padre Francisco Gomes. João Gonçalves. E não continha mais o dito testamento e aprovação dele ao qual me reporto em tudo e por tudo de que me assinei de meus sinais, público e raso que tal uso, sendo nesta Vila de Castro Verde em seis dias do mês de Maio de mil seiscentos e noventa e um anos».(ms. cit. fls. 32r - 36r).

 

COMPUTADOR-2MosteiroPresumindo que o leitor tenha tido a paciência para ler o testamento até ao fim, dando de barato o muito trabalho me deu a «decifrar», a «datilografa»r e, finalmente, a «digitalizar», por certo nem se interrogou do uso frequente do número NOVE ligado aos responsos, às missas, aos padres mais pessoas arroladas no documento. Digo que não se interrogou, tal como se não tinham interrogado os clérigos e catequistas que interpelei, quando investigava a matéria que deu corpo ao meu livro «MOSTEIRO DA ERMIDA». Discorriam de «cor e salteado» sobre as costumeiras «novenas», mas as razões do número  NOVE estar metido nisto, nem cheirar. Nunca lhe associaram a raiz quadrada (o número 3), nem os «três vinténs», que a donzela transporta na «virgindade» e que, uma vez perdidos,   NOVE meses depois, se tudo correr segundo as leis da natureza, nova vida, haverá, no mundo. O «sagrado feminino», tão bem vislumbrado  por Dan Brown no seu romance «Código Da Vinci» tem muitas portas para abrir. Haja quem, descomprometidamente e sem tabus, se disponha a abri-las com a gazua do historiador.

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.