«Sem pretender meter foice em seara alheia, que é como quem diz, entrar no campo dos filólogos e linguistas, devo dizer que a explicação dada sobre o topónimo CUJÓ, oriunda dessa área do saber, não se me afigura líquida e consubstanciada.
Com efeito, o autor do artigo inserto na «Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira» é de opinião que CUJÓ terá derivado do étimo latino culiolum, termo que, segundo ele, se encontra ligado à plantação de nogueiras.
Depois de demonstrar a evolução da palavra culiolum>cuios>cu(i)jo, acrescenta que, ainda no tempo em que escreveu o artigo, os falantes locais pronunciavam QUIJÒ e não CUJÓ.
Na verdade, quer os moradores da povoação, quer os moradores das povoações vizinhas, salvaguardadas as excepções verificadas nos falantes das novas gerações escolarizadas, continuam, nestes finais do século XX, a pronunciar QUIJÓ ou QUEJÓ e quijôtos ou quejôtos quando se referem aos homens e quijótas ou quejótas quando se referem às mulheres naturais da terra. Os habitantes de S. Joaninho, aldeia próxima, chamam-lhes, simplesmente, canjanotes.
O foral dado ao Couto da Ermida, datado de 1514, integrava a freguesia de S. Joaninho e dela fazendo parte um «prazo» designado COJOO. Todavia, ainda que posteriormente, a identidade assumida no papel tenha sido efetivamente CUJÓ, o termo QUIJÓ, como que por respeito ao povo e à língua falada, não deixou de ser escrita em documentos posteriores ligados a pagamentos de foros.
Assim sendo, e porque não se conhece memória nem prova documental que atestem ter a nogueira proliferado na zona ao ponto de influenciar a toponímia, há que encontrar um étimo mais consentâneo com a realidade linguística e geoeconómica, se for esse o melhor caminho.
Deixando, embora, que, quem de direito, se pronuncie sobre a matéria, não queria, todavia, deixar de expor aqui as minhas relexões. Ora se um falante local diz Quijó e outro Quejó, fundida que fosse a pronuncia, teríamos Queijó forma apocopada de queijote, termo que tanto pode significar pequeno queijo, como quantidade significativa de queijos. Basta atender à expressão corrente na terra: «fizeram-se uns queijotes».
E concluía as minhas reflexões dizendo que, estando a economia da terra ligada à agricultura e à pecuária, portanto produtora de queijos «desde que os monges da Ermida alargaram os seus domínios a este rincão serrano» o topónimo deveria estar mais ligado ao étimo «caseus>queijo» do que a culiolum-nogueiras. E rematava dizendo:
«Cabe efectivamente aos filólogos e linguistas debruçarem-se sobre o assunto de modo a encontrarem uma explicação mais consentânea com a realidade envolvente, seja do ponto de vista económico, seja do ponto de vista da língua viva usada pelos falantes locais, à revelia da explicação linear e académica, como foi o caso do étimo ligado à plantação de nogueiras.
Até que isso aconteça ficar-nos-emos «definitivamente» com explicações «provisórias» acerca do topónimo que, aqui e agora, questionamos, mas que não podíamos deixar de fazer por mais respeito que nos mereçam a inteligência e o trabalho daqueles que, antes de nós, se debruçaram sobre o assunto».
Muito depois destas e outras reflexões escritas que andam por aí avulsas em jornais e em livros, vim a descobrir, no decurso das investigações históricas que há anos faço no concelho de Castro Daire, que as povoações da Carvalhosa, do Vilar e de S. Joaninho se tornaram conhecidas no concelho pela qualidade dos seus produtos lácteos, a que não serão alheios os ensinamentos dos monges da Ermida já que todas elas integravam o Couto e ser na agro-pecuária onde eles tinham a sua principal fonte de rendimento. As duas primeiras pela «manteiga de vaca» e a segunda pelos «queijos» ao ponto de, nesta mesma freguesia, que outrora integrava Cujó, ainda se não ter extinguido a família dos «queijeiros», uma das famílias históricas da terra.
Tudo isto, em conexão directa com o que eu pensava sobre as origens do topónimo, Cujó, a que atribuí o étimo «caseus-queijo, fez-me voltar ao assunto, mas desta vez para recorrer a um especialista dessa área de saber, nada menos que ao meu amigo e ex-professor de latim, Dr. Francisco Cristóvão Ricardo.
Sabendo-o sempre disponível para a produção e divulgação de saberes, lembrei-me de lhe pôr o problema. Ele, com a seriedade, o saber e prudência que o caracteriza como professor e como investigador sério, depois de me felicitar pela minha «intuição etimológica» e de sublinhar que «o modus vivendi do povo, neste caso, produtor de queijos, ajuda o etimologista», respondeu à minha solicitação, dizendo que «não é fácil refazer, em laboratório, a evolução fonética das palavras. E não é seguro esse refazer. Há leis gerais, mas os hábitos fonéticos próprios de certos lugares podem transgredir as leis gerais. Com todas as cautelas e dúvidas, arrisco uma explicação:
caseu> queijo> cujo
a) o c, gutural surda antes de a, o, u ou ditongo formado por estas vogais, embora se distinga do digrama qu, idêntica gutural antes de e, i ou ditongo iniciado por estas vogais (casa, mas aquele), pode alternar com ele (cociente e quociente, cota e quota, etc.).
b) pelo modo de articulação, estão próximas, são igualmente constritivas, o s eo j.
c) assimilação incompleta do a à semi-vogal j.
d) abrandamento do u>o.
e) q do digrama passou a gutural surda ( à semelhança de tomo > tombo em que uma parte da nasal perdeu a nasal por influência da oral seguinte).
f) redução do grupo ei > i (por vezes, ei > e)
g) assimilação incompleta do e > o
h) metátese do j
i) contracção dos oo > ó
Posto isto, face a tão elucidativa explicação, parece-me ser legítimo arredar de vez explicação «provisória» que deixei no último capítulo do meu livro «Cujó- Uma Terra de Riba-Paiva» e considerar-se «definitivamente» que o topónimo Cujó, derivou, efetivamente, de «caseu>queijo>cujoo>cujó».