APRENDIZAGEM
Com 81 anos de idade, eu posso dizer que passei muitos deles a APRENDER e outros a ENSINAR e APRENDER simultaneamente.
E como professor, não raro fui surpreendido com certas “tiradas” de alguns dos meus alunos, capazes de me fazerem reformular a pergunta sobre a matéria programada, ou mesmo mudar o plano de aula e seguir pelo caminho sugerido e mais conveniente ao bom aproveitamento da aula.
Eram “pingos” de chuva cristalina no meio da tempestade e enxurrada da vida que cada um de nós vive e enfrenta os anos que tem dela. E nesse caminhar, quem estiver atento ao mundo que nos rodeia, por certo já ouviu dizer, saída da boca do povo raso, a expressão cada vez mais frequente:
- “As crianças hoje nascem ensinadas!”.
Enquanto docente, eu nunca parti de tal premissa, mas também nunca rejeitei o saber e a experiência que cada um dos meus alunos e alunas traziam para a escola, baseado que estava na experiência profissional e no saber académico e experiente de um certo pedagogo, cujo nome me escapa da memória: “para que o conhecimento do professor chegue ao aluno, é preciso primeiro que o conhecimento do aluno chegue ao professor”.
E foi a partir desta sapiente máxima que sempre me posicionei, ano após ano, frente a qualquer turma, enquanto exerci a docência institucional, nas escolas por onde passei. E nela permaneço, agora, quando, professor aposentado, informalmente, brinco, converso, ensino e aprendo com as minhas duas netas e neto.
E por assim pensar e agir é que, em 2011, sentado à frente da minha neta Mafalda, no Parque Infantil do Senhor da Livração, em Cujó, com uma mesa a separar-nos (FOTO ACIMA) fomos surpreendidos pelo clic de uma câmara fotográfica, não sei se do pai ou da mãe, de que ficou a foto que alojei no Facebook, onde a fui buscar, agora mesmo, para ilustrar este apontamento. Foto essa que legendei com a seguinte frase:
“Se uma netinha, desta idade, diz uma piada inteligente, o avô tem de se rir, forçosamente - 2011”.
Foi um instantâneo feliz captado pelo pai ou pela mãe. Um clic a registar para a posteridade aquela inesquecível e única risada. Não me lembro é da piada pela minha neta dita. Não ficou escrita. Mas dela, passados todos estes anos, é o texto manuscrito que me entrou ontem na caixa do correio eletrónico, via e-mail da mãe, com a seguinte advertência: “ quem sai aos seus...”
E, lido o texto, em forma de poema com uma explicação final, podia lá eu deixar de o publicar aqui, neste meu espaço, quando passo a vida a comentar e a divulgar trabalhos de amigos e desconhecidos que me chegam e refletem a sensibilidade e a inteligência humana?
“Olhem só!”
Ponho esta frase apelativa entre “comas” e em “itálico” por razões que explicarei mais adiante.
O PÁSSARO
O pássaro,
Na gaiola,
Não querendo bicar mal
Vestiu uma camisola.
O pássaro livre
Livre deixou de ser
Pois como todos nós,
Teve de se proteger,
Proteger de quê, exatamente?
Dos nossos receios?
Não, de algo maior!
Dos nossos medos!
Do medo de ficar contagiado.
Do medo de contagiar.
E agora, se quiser ir à rua,
O pássaro uma máscara irá usar.
O poema acima é uma metáfora para a quarentena, sendo que nós somos o pássaro e a gaiola é a casa.
Todos nós nos sentimos assim, privados dos nossos amigos e trabalhos, fartos de esconder o rosto atrás de uma máscara e se querem que vos diga, quando comi aquela passa no dia 31 de dezembro e desejei mais tempo com a minha Família, não era bem nisto que eu estava a pensar.
Mafalda Carvalho, 5. B
19, jun.20”
Claro que me sinto baboso por ver que uma neta minha, desta idade, no 5º ano de escolaridade, a mesma que, em 2011, tão pequenina, me disse uma piada “inteligente”, atenta ao mundo que a rodeia, deixou em letra manuscrita, as suas impressões, preocupações e afetos de relação social nos tempos que vivemos. Eu lhe agradeço o registo.
Pois. E deixado isto, boto agora mão à expressão que acima deixei entre comas. “Olhem só”. Isto para dar alguma substância aos dizeres que se vão ouvindo com frequência: “as crianças hoje nascem ensinadas”.
E no que toca ao domínio das “novas tecnologias”, eu direi mesmo que são um espanto. Por isso não resisto a colar aqui o trecho de um texto que escrevi e publiquei em 25 de junho de 2017, no “CONTO DOMÉSTICO-4” (disponível neste site) onde deixei algumas pinceladas sobre as relações existentes entre progenitores e pole, assim:
“E, cá está, lembro-me de todos juntos sentados no sofá vermos o «O Pato Donald», a «Pantera-cor-de-rosa«, o «Rato Mikey«, «Os Simpsons» e sei lá que mais. Uma parabólica rotativa, posta no exterior, virada aos três satélites disponíveis ao tempo, através de um simples toque no comando da televisão, faziam entrar em minha casa o mundo inteiro, a História e a Vida, animal e vegetal, E tudo estava à disposição de todos. E também me lembro de quando esses meninos, os meus filhos, estavam a brincar em qualquer canto da casa, mal a RTP punha no ar a música dos desenhos animados, era vê-los correr e, num ai, no sofá mergulhados, no colo da mãe e do pai. Recentemente foi o meu netinho Guilherme, agora com quatro anos de idade, aquele pingo de gente, que, em casa dos seus pais, se esforçou por ensinar-me o jogo do «Super-Mário» no pequeno iPad onde ele está instalado. E eu a desiludi-lo, coitado, calcando na tecla a destempo, sempre atrasado, e a deixar o boneco ir para outro lado, que não o sítio certo. E lá se ia a jogada. E que esforço ele fazia: «avô, olha só!» e ensinava... ensinava. E eu bem olhava, mas metia dó, não acertava. E que paciência e vontade a dele, tão pequenino, a querer ensinar o avô. Ainda não tinha quatro anos”.
É o irmão da Mafalda. O Guilherme. E ainda que este meu apontamento se deva ao POEMA que ela escreveu sobre a QUARENTENA, entendi postá-lo aqui. Ambos vivem sob o mesmo teto e ambos emprestam substância à expressão saída da boca do povo raso:
«Hoje as crianças nascem ensinadas!»