ANO DE 1916
ALVA – ESCOLA
«Escola d’Alva»
Desde há uns meses que na freguesia de Alva não funciona a escola do sexo feminino por falta de casa. Agora aparecem duas: uma em Cimo de Vila, outra na Estrada Nova.
A primeira, do Sr. J. Moreira, é central e de fácil acesso, mas é cercada de montureiras e assenta em terreno encharcado e insalubre.
A sala destinada à aula tem entrada pelo norte, com uma janela ao norte e outra a nascente; tem pequena superfície e falta-lhe muito para ter 2,80 metros de altura, o mínimo exigido por lei; é pouco e defeituosamente iluminada; a sua pequenez não permite que nela se acomode a mobília e o material escolar existente na antiga escola do Souto.
As dependências da casa destinadas à habitação da professora são fracas; para uma delas - a que está destinada a servir de cozinha – tem de4 se fazer servidão pela sala da escola.
A segunda casa – a que fica na estrada nova - e pertence ao senhor H. Lourenço, não é tão central como a primeira; no entanto é acessível e nenhuma criança da freguesia dista dela os 2 quilómetros da lei.
Tem habitação para a professora em muito boas condições e perfeitamente independente da sala da escola e assente em terreno arenoso e enxuto. Está muito afastada do cemitério e não tem vizinhanças prejudiciais. É desafogada de todos os lados. A sala para a aula fica a nascente da casa. Tem a altura de 2,85 metros; tem três janelas grandes e envidraçadas: duas para nascente e uma para sul.
A casa tem alpendre e junto dela há água potável. Está em boas condições higiénicas que nenhuma das casas que na freguesia se arrendam pode igualar. Tem ótimos retiros e entrada pelo sul ou pelo poente.
A povoação da freguesia de Alva que desta casa fica mais afastada é o Souto que - já foi medida a distância - está pouco mais ou menos a 1.800 metros.
Entre estas duas casas não há que hesitar: só a segunda pode ser escolhida. Há, porém, quem pretenda pôr acima dos interesses da Instrução certos interesses particulares e se empenha em que a escola vá para a primeira casa, de Cimo de Vila. Cremos, porém, que o senhor Inspetor deste Círculo – que já inspecionou as duas casas e disse que só a segunda estava em condições de ser aprovada – se oporá a que este injusto empenho seja satisfeito. Como a aprovação da casa da escola depende principalmente de S. Exª. Não deixará, sem dúvida, de ser aprovada a melhor, ou antes a única que está em condições». («O Castrense» nº 89 de 1 de Dezembro de 1916)
(1-Nota minha: sobre a Instrução, ver os ficheiros de «Moura Morta-Escola» já digitalizados):
(2- Nota; Este mesmo jornal de 20 de Março de 1916 volta ao assunto da seguinte forma):
«Pretendem uns que a escola feminina seja transferida do Souto para a casa do senhor Moreira em Fundo de Vila, entendem outros que deve ir para a casa do senhor Henrique à beira da estrada.
Ora, para dotar o Souto com esse ‘poema de vida’ que Vidal Oudinot nos legou, houve quem oferecesse toda a mobília e material escolar; e sendo o Souto a povoação mais salubre e populosa da freguesia e aquela que, materialmente, mais tem progredido nos últimos anos, não deve consentir que lhe fujam com essa alavanca do progresso.
Pediu a Junta de Paróquia a sua transferência, é certo; mas, (salvo o seu presidente) a Junta percebe tanto de escolas como eu de lagares de azeite e liga-lhes tanta importância como eu aos peixes do Lago Alberto ou às alcateias da Libéria.
Senão vejamos:
Percebe alguma coisa por ventura a Junta de paróquia do honrosíssimo papel e da sublime missão de uma professora que ensine os filhos do povo a educar homens, a semear felicidade no lar pelo amor, pela dedicação e pela virtude?
Sabe lá a Junta que para uma professora ‘abrir a alma dos meninos à confiança de viver’ e ensinar-lhes com bom êxito as virtudes da obediência, da dedicação, da energia e da ternura; e torná-las fortes, pacientes, sóbrias, corajosas, previdentes e económicas, precisa de muito estudo, de muita atividade e de uma situação muito honrosa e respeitável?
Ou julga que pode viver como qualquer Manuel José, da Serrinha ou qualquer Maria Roldoa, do Souto?
Liga a Junta alguma importância a isto? Não liga nem percebe nada. Assina apenas o que no livro das atas escreve pessoa amiga.
Pois se não percebe, melhor seria lembrar-se do dito e Apeles; ‘não vá o sapateiro além da chinela’.
Mas não julgue alguém que estou a desfazer no caso do Senhor Moreira para elevar o do Senhor Henrique. Não. Porque nada tenho, nem quero, nem devo ter com isso pelos motivos a que me referi na minha última correspondência.
Só quero dizer que a Junta da Paróquia não foi fadada para tratar assuntos tão delicados. E se, por tal motivo, a sua representação deve ir para o cesto dos papéis velhos.
Em que se fundará a ideia de tirar a escola do Souto? Será como dizem por falta de casa? Não me parece porquanto há duas desabitadas e em muito boas condições higiénicas e pedagógicas. Será por qualquer outro motivo?
Não sei. Mas o que eu sei, absolutamente ninguém, pensou ainda em conseguir uma das casas a que me refiro.
Se alguém pensasse na educação viciosa e no impudor de muitas dessas ‘filhas de Eva’ que eu conheço e quisesse contribuir para o desenvolvimento do cérebro, para a formação do carácter e para a educação da vontade das meninas da terra, sem, já se sabe, as privar da natural frescura de agilidade dos seus tenros anos, há que tempos teria aparecido casa no Souto?
Também não sei responder.
Porém, se é possível remedeie-se esse mal e venha já a professora para o Souto, onde com sorrisos e encantos, fale aos corações juvenis ainda não corrompidos nem desmoralizados. Se não é possível conseguir o arrendamento duma dessas casas, ainda que provisoriamente, chame-se a professora e diga-se-lhe :
Tem Vª Exª vinte e cinco escudos de subsídio para muda de casa. Vá para Alva e instale-se lá como puder e quiser. Reúna essas futuras mães à sombra do carvalhas seculares e prepare-as não para estudar rios e montanhas; não para tratarem de álgebra ou comentarem a física de Newton como madama Duchatelet; Não para empunharem espadas como Bradamauta ou comandarem exércitos como Joana d’Arc; mas sim para serem obedientes, esposas dedicadas e mães extremosas. Ensine-lhes a coser, a engomar, a fazer vestidos e, se possível for, a cozinhar e a serem boas donas de casa. E sendo os bons costumes a primeira riqueza do seu povo, insurja-se contra tudo o que for desonesto e encaminhe-as para o Bem e para a Virtude que são condições absolutamente indispensáveis. (atente-se na ironia de todas estas palavras, nota minha.)
Venha, portanto, a professora que tem muito que fazer mesmo sem casa de aula, que um dia aparecerá, quando tombar para aqui ou tombar para ali.
No próximo número lembrarei a um senhor desta terra que só pela ação do professor primário se pode dar organização às funções cívicas da democracia triunfante, para não ter mais o atrevimento de andar por aí a amesquinhar tão nobre classe, como o fez perante o senhor M. F. e recomendá-los-ei aos professores deste concelho para saberem quanto lhe devem.
Por hoje termino fazendo votos para que este país de flores seja feliz na guerra e se não deixe acalcanhar por essas aves de garra adunca, olhos negros e olhar terrível» (ass. Corrspondente) in «O Castrense» nº 94 de Março de 1916)
(Nota minha: no mesmo número está um artigo sobre a Guerra iniciada em 1914)
No «Echos do Paiva», nº 59 de 17 de Setembro de 1916 vemos o seguinte:
«Na última sessão da Câmara Municipal, no dia 12 do corrente, foram despachadas professoras: para esta vila, a srª D. Maria do Sacramento de Almeida, ex-professora em Tabuaço e natural de Resende e para a escola do sexo feminino de Cetos, a senhora D. Maria da Conceição Duarte de Almeida, de Mouramorta, deste concelho.
Às duas professoras as nossas felicitações».
Bem andou o jornal com tais felicitações. Foram umas heroínas estas professoras. Elas foram as lavradoras que desbravaram a serra, que abriram as clareiras nos matagais fechados que eram as nossas aldeias no domínio das primeiras letras. E naqueles tempos, como nos mais recentes, os professores eram uma espécie de caixeiros ambulantes como provam as duas nomeações aqui referidas. A primeira, natural de Resende, vinha de Tabuaço para Castro Daire e a segunda, de Mouramorta, foi para Cetos.
«O Castrense» nº 111 de 20 de Setembro de 1916 diz:
«O senhor Morgado, José Joaquim de Almeida, tem quase concluída a sua cada nova que vai oferecer para a instalação da escola feminina do Souto.
De crer que em breve para cá mandem uma professora, agora que apareceu casa no Souto e nas devidas condições higiénicas e pedagógicas. Foi aqui muito sentida a morte do Secretário da Câmara. (nota minha: refere-se à morte de Amadeu Rebelo)
É abundante a colheita da batata e os milheirais estão soberbos. Todos deixaram perder o vinho excepto o senhor Valetim Lino da rocha e o sr. Feijão da Igreja que sulfataram convenientemente.
Retiraram para Coura os meninos Simões de Oliveira e para Bordonhos o académico Senhor Feijão.
Tem aqui vindo bastas vezes o cura-corpos Dr. Carlos Cerdeira» (O Castrense» nº 111 de 20 de Setembro de 1916)
«Pela Instrução» - Ester
«Em sessão da Comissão Executiva da Câmara Municipal deste concelho, do dia 5 do corrente, foi nomeada professora para a escola do sexo feminino de Ester, a Srª D. Maria Queroz, diplomada pela Escola Normal de vila Real» «Echos do Paiva», nº71 de 10-12-1916