“(...) Ali, fechadas, onde o instinto da liberdade inscrito no código genético de todo o ser vivente, acicatado pelos anos, assume foros de revolta, pois em cada residente, curvado, derreado pelos invernos e tratos, existe o selvagem "homo eretus" das florestas, existe o "homo sapiens" pronto a escapar-se na primeira oportunidade e a retomar a primitiva liberdade perdida. Só que, à vista destes sinais, detectadas tais intenções pelo caçador ou pelo cabo de ordens de serviço, as portas do covil são fechadas a sete chaves e os soporíferos são misericordiosamente diluídos nas refeições. E a colmeia fica em paz. Não se ouve um zumbido de abelha. As abelhas em zombies se tornaram e deambulam pelos espaços livres, pelos favos abertos, olhares vagos, vítreos, perdidos em alvos incertos. Seres sonâmbulos não conhecem ninguém, nem por alguém são conhecidas. Depois, para sossego e conforto dos demais residentes, se necessário for, as presas rebeldes são postas em cadeirões e sofás, onde, sentadas, num estado dormente por força dos fármacos, a cabecear no vazio, "sim, senhor...sim, senhor...sim, senhor"...gozam o único movimento que lhes resta dos lestos gestos do ancestral "homo habilis". É isso. Estes prisioneiros, frutos que são do avançado estádIo civilizacional da humanidade, nenhum deles se dá conta do tempo e do espaço em que adormece para sempre. Um número que se risca da estatística dos vivos. Uma vaga em aberto. É o viver e o morrer na civilizada comunidade urbana do século XXI, rodeada, não por lobos, mas por profissionais domesticados à feição da sociedade criada. Enfim, um aspecto apenas do preço das políticas levadas a cabo, ao longo da história, pelo "homo demens", pelo "homo degradandis". O responsável pela existência dos pequenos, médios e grandes aglomerados populacionais, onde a caça é outra. O cidadão que legisla sobre a organização e administração do território, inclusive venatório, sem distinguir um gaio de uma poupa. O "homo urbanus" que, literato ou não, considera o "homo rusticus" provinciano e primitivo só porque este, a viva voz ou em letra redonda (em vídeo, revistas, jornais, livros e Facebook) alardeia o seu apego à natureza e defende uma relação equilibrada e sadia entre TERRA GENTE e ANIMAIS.