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domingo, 09 fevereiro 2020 14:22

CASTRO DAIRE - GENTE DA TERRA (5)

Escrito por 

COMERCIO LOCAL

Quando, em 1986, entrei no estabelecimento comercial sito na rua 1º de maio, pela porta encimada por uma estela granítica com o nome de “JOAQUIM F.S. e OLIVEIRA”, seguido da data “1888”, fui recebido por um cidadão da minha idade, natural de Cujó, de seu nome, Vicente Pereirinha. Ele tinha frequentado a Escola Comercial de Viseu e, sem curso acabado, fez-se à vida e ao mundo. De momento, nesse ano, era empregado do senhor Luís Almeida, que vendia ali mobílias e candeeiros domésticos para todos os gostos e preços.

CANDEEIRO

Aquela casa, dedicada agora a esse ramo de negócio, envelhecera a vender fazendas e tecidos afins, nascida que foi para vestir a clientela vilã e serrana, tal como deixei demonstrado nas minhas crónicas anteriores de conteúdo focado na Firma de RITA AUGUSTA DE FIGUEIREDO.

E, nesse meu ato, pensei, mas enganei-me, que, naquela minha assunção do papel de alfaiate, tinha acabado o fato, tinha dado remate a tão laborioso trabalho cosendo-lhe o “botão” da batina do abade Figueiredo deixado atrás da porta do coro alto da Igreja Matriz, dando vivas à República.

Ora, como a história não é coisa que se atamanca, para ela não ficar manca, forçado sou a continuar a caminhada e não deixar omissos os conhecimentos e apelos que até mim chegaram depois da leitura que alguns amigos meus fizeram dessas crónicas. Uma delas vinda do Brasil, que mais à frente transcreverei.

Antes porém devo dizer que enquanto compilava os anúncios publicitários de RITA AUGUSTA DE FIGUEIREDO & FILHO, notei que havia outras casas comerciais do ramo a fazerem-lhe concorrência. Fráguas - CópiaO comércio vilão estava vivo e ativo, com muitas mercadorias vindas do Porto. Hoje parece morto. É só lerem os anúncios. Eles eram de ANTÓNIO DE ALMEIDA FRÁGUAS, de ANTÓNIO AUGUSTO FERREIRA PINTOANTÓNIO JOAQUIM DO COUTO (O BARATEIRO)  de JÚLIO DE ALMEIDA BAPTISTA e de JOAQUIM GUEDES, ao que parece todas elas posteriores à CASA FIGUEIREDO.

E, face a essa realidade, trocando impressões com pessoas conhecidas, amigas de saber da HISTÓRIA, buscando esclarecimento, fui informado de que a maioria das casas comerciais ligadas ao negócio de fazendas, linhas e botões, foram, na generalidade, fundadas por aprendizes e caixeiros que tiraram o curso na ESCOLA PRÁTICA de “RITA AUGUSTA DE FIGUEIREDO & FILHO”, aquela casa onde eu, em 1986, fui encontrar o meu conterrâneo Vicente Pereirinha, a vender mobílias e candeeiros, depois de frequentar a Escola Comercial de Viseu. Duas escolas distintas, uma na sede co concelho e outra na capital do distrito. Ambas visando, o melhor desempenho profissional. Digamos que foram menos os naturais de Castro Daire que frequentaram a ESCOLA COMERCIAL DE VISEU  (uma escola institucional) do que os que frequentaram a ESCOLA PRÁTICA de RITA AUGUSTA DE FIGUEIREDO & FILHO, parte dos quais “diplomados” fizeram jus à escola e aos “mestres” que tiveram, pois, tirado o curso, abriram negócio do mesmo ramo e nele fizeram vida, nele morreram e deixaram seguidores, nesta trajetória infindável de ensino/aprendizagem/ensino, em qualquer ramo de vida e de saber.

IMG 5389E vieram os nomes deles. Um foi Eduardo Pinto Carvalho, um dos mais antigos. Estabelecimento aberto, entre mais, ali cresceram e se formaram o senhor Amadeu Monteiro e Isidoro Paula Pinto (e irmão), ambos com porta aberta, em Castro Daire, neste ano de 2020. O primeiro, conta já com 89 anos de idade e o segundo com 64 anos.

Tive o prazer de falar com ambos. E, neste meu trabalho de pesquisa, ambos se prestaram a ser meus professores, dando-me a conhecer as suas carreiras profissionais, como nela deram os primeiros passos e quanto reconhecidos estão aos que foram seus patrões e mestres. Naquela escola não se passavam diplomas, passavam-se “saberes e comportamentos” para a vida inteira. Diferentemente de muitas instituições actuais que passam muitos diplomas, mas nem sempre "saberes, competências e comportamentos".

IsídoroComeçavam como aprendizes sem qualquer ordenado. Só a partir dos 14 anos eram remunerados e, com maturação e saber suficientes, tornados caixeiros, podiam continuar como empregados, ou ala, porta fora para se estabelecerem por conta própria.

Eles aqui ficam, junto dos seus balcões, com a simpatia que os caracteriza.

Mas da casa de RITA AUGUSTA FIGUEIREDO & FILHO, saiu também o senhor António Augusto da Cunha, que, curso feito, tornado patrão, passou o resto da vida atrás de um balcão em estabelecimento próprio. E nesse estabelecimento comercial prosseguiu a profissão Aarão Coelho, também ele iniciado na casa donde saiu o patrão. Uma autêntica escola, aquela.

 

A.augustoO primeiro, já falecido, tive a honra de o ter por amigo, assim como a esposa a Dra. Ana Cardoso, diretora Técnica da Farmácia Moderna, até falecerem.

O segundo, com 69 anos de idade, tem porta aberta numa das lojas que funcionam nos fundos do Mercado Municipal, feito no espaço que foi da antiga Escola António Serrado.

E o senhor Aarão Coelho ainda não esqueceu as antigas medidas lineares e faz questão de acamar nas prateleiras da sua loja, sempre a desfilar, as peças de fazendas várias. É só chegar, pedir e escolher. Elas, num “ai”, deixam a cama e desdobram-se no balção prontas a ser retalhadas à vontade dos fregueses. Não faltam ali gravatas, chapéus e demais miudezas de retrosaria.

E soma e segue. Da casa de RITA AUGUSTA DE FIGUEIREDO & FILHO saiu ainda o senhor Francisco Oliveira (conhecido entre amigos por “Chico da Quinta”) da QUINTA DA ALBERGARIA, que teve estabelecimento na rua Comendador Oliveira Batista. Um descendente seu, a residir atualmente no Brasil, de seu nome António Salazar Ooiveira, teve a bondade de aditar o IMG 5390seguinte comentário, à minha segunda crónica:

Magnífica reportagem, foi com esses dois grandes empresários (Senhor Aarão Figueiredo Pai e filho) que eu aprendi a trabalhar, eu e meu Pai, eu na matriz e meu Pai na filial, que ficava na esquina do coreto....recordar é viver......”

Conheço pessoalmente este senhor. Foi-me apresentado pelo senhor Orlando Cardoso, na sua “PAPELARIA MONTEMURO” numa daquelas férias que o trazia à terra natal a visitar a família e os amigos. E foi num dia dsses que, falando-se ali de amizades antigas, o contexto proporcionou o encontro de três amigos de longa data. Eu ouvi a conversa e, sensível que sou a esse tipo de afetos e comportamentos, desafiei-os a posarem os três para a minha câmara. Aceitaram. E nem eles, nem eu sabíamos que chegaria o momento de essa foto vir à luz do mundo. Veio hoje, com toda a oportunidade. Digam lá qual deles será o cidadão de que falo e para que servem os amigos?

Lino PardalRetornando ao seu “comentário”, ele me leva a esclarecer que o prédio dos FIGUEIREDOS a que me tenho reportado (parte dele agora em obras de requalificação, à conta do atual proprietário, António Esteves) estendia-se da rua 1º de maio à rua Comendador Oliveira Batista. Incluía a parte do prédio, debaixo acima, onde hoje está o Supermercado Pereirinha. Estabelecimento de David Pereirinha, um empresário de Cujó, por sinal irmão do Vicente Pereirinha que, em 1986, trabalhava na parte oposta, me vendeu os candeeiros.

Naquele espaço, funcionou casa de Fazendas António Joaquim do Couto, comerciante que, ao que parece, não foi aprendiz e caixeiro na Rita Figueiredo. Na esquina do coreto, referida por António Salazar Oliveira, onde está hoje a Sapataria Morgado, era “filial” da casa mãe, com porta virada para a rua 1º de maio.

Couto - CópiaAqui deixo anúncio do estabelecimento de ANTÓNIO JOAQUIM DO COUTO com título GRANDE BARULHO NA SERRA. E vejam o caminho percorrido pelos nossos publicitários e especialistas no marketing de vendas. Reparem na extensa e apelativa narrativa dramática. E anotem a razão do banzé. Comparem a prolixa criatividade do publicitário que redigiu o anúncio com os slogans que hoje conhecemos “trigo limpo, farinha ampara”, ou “o algodão não engana”. No caso vertente, e atendendo à pedagogia de época, um “publicitário” dos nossos dias talvez resumisse o anúncio à seguinte expressão “TRÊS BOFETADAS NA HORA”. Um encanto! Um encanto.

Mas, a fazer fé nas fontes orais consultadas, outro comerciante que saiu da escola prática de RITA FIGUEIREDO, foi o senhor António Augusto Ferreira Pinto, cujo estabelecimento manteve portas abertas, após o seu falecimento, gerido pelo filho José Carlos Ferreira Pinto, o Carlinhos, para os amigos.

Há anos, entrevistei-o e fotografei-o ao balcão, para ilustrar a cónica que pode ser lida nesta minha página, depois transcrita do meu velho site. Ali digo e aqui repito que aquela casa comercial era “um museu, onde se entra sem pagar e sempre aberto no horário estipulado (...) Ali, as pessoas compram o que já não encontram noutros sítios e ali se aprende todos os dias um pouco da história, dos hábitos, costumes e mentalidades de outros tempos. Enfim, uma escola do passado”.

E assim era nas sapatarias, nas barbearias, nas farmácias e outros estabelecimentos onde se buscava compras ou serviços. As tavernas levavam sempre a melhor. O tempo histórico impunha essa comunicação entre pessoas. Umas, não sabiam ler e era a falar e ouvir que se inteiravam das novidades. Outras aproveitavam para falar do assunto do momento que ouviam nas 4 esquinas e o jornal oral não custava dinheiro.

FERREIRA PINTOO Carlinhos faleceu em 2014, mas os herdeiros (creio que em memória desses seus antepassados) fizeram questão de não fechar as portas e, graças a essa iniciativa (com a qual me congratulo) podemos ver, alternadamente, atrás do balcão, o senhor João Carlos Vicente ou a esposa. Ele, com outra profissão anterior, adaptou-se. Fica aqui a foto dele (e não dela) com a declaração de que isso aconteceu por mero acaso. Tal como, por mero acaso, cheguei ali no momento em que a cliente fotografada acabava de fazer compras. Conhecendo-me pessoalmente, e sabendo os objetivos deste meu trabalho, acedeu a emprestar o seu rosto sorridente a esta crónica e a dar substância à expressão que é meu costume usar: “história com gente dentro”. Neste caso com GENTE DA TERRA, gente simpática e reconhecida pelo trabalho que, há anos, tenho vindo a desenvolver por escrito e em vídeo, investigando e divulgando a HISTÓRIA LOCAL.

POST SCRIPTUM:

Para não ficar nada omisso, devo acrescentar este “post scriptum” à minha crónica. Há anos, quando publiquei aquelas textos e fotos sobre o COMÉRCIO TRADICIONAL,  o Dr. Francisco Barros, da Farmácia Moderna, um jovem que tinha responsabilidades na “Associação Comercial e industrial” de Castro Daire e na “Rádio Limite”, telefounou-me, enaltecendo o meu trabalho. Eu devolvi-lhe a simpatia, pois tenho por princípio de que todo o MÉRITO reverte para quem tem a humildade de reconhcer o trabalho alheio. Devia-lhe esta explicação. E ela aqui fica, mesmo que tardiamente.

JOÃO VICEWNTE

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.