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sábado, 08 junho 2019 12:20

O PESCADOR

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CAÇA E PESCA

Figura castiça, com os seus bigodes sem igual, é frequente vê-lo no Café Central, em dias de pesca, artilhado à maneira, da cabeça aos pés. Comunicativo, conhecedor de rios, ribeiros e regatos do concelho, por subi-los e descê-los de cacifo a tiracolo, rolete empunhado com linha enrolada pronta a receber o anzol e o respetivo isco, ele é o PESCADOR que ninguém ignora.

 1redzEm voz alta, fala sempre das peripécias vividas, umas bem sucedidas, outras falhadas - muitas, poucas ou nadas - mas fala desinibidamente. Penso ter só amigos pela maneira como se dirige às pessoas e como elas se dirigem a ele.

É o senhor ANTÓNIO FERREIRA OLIVEIRA, do Custilhão.

O ano passado, de câmara de filmar em punho, “pesquei-o” no rio Paivó, no sítio das Canelas, a montante das Poldras do Godinho, e fiz um vídeo, cuja entrevista alojei no Youtube. Bem se esforçou ele a lançar a linha, mas as “pintadinhas” não havia maneira de picarem. Nem picaram. Foi um desgosto. Dei a entrevista por terminada, despedindo-me com a conhecida frase galhofeira dita entre amigos: então o senhor António pertence ao “CLUBE DOS CAÇADORES, PESCADORES E OUTROS MENTIROSOS?» E ele, sem eu esperar, fitou-me nos olhos e acrescentou “E DOS POLÍTICOS”.

 

PESCADOR.2Não esperava esse acrescento. Mas ficou registado em vídeo e áudio. Vim-me embora. Deixei-o agarrado à cana, a subir o Paivó, disposto a deixar o pego das Canelas e dar às canelas rio fora à busca de melhor sorte. E facto é que noutro encontro posterior  que tivemos no Café, ele disse-me que, se não deu no pego das Canelas, deu logo mais acima. Foi pena não estar lá para filmar.

E passou-se o tempo. Mas hoje mesmo, dia OITO de junho de 2019, como que esperando que eu chegasse ao Café, com a humildade, franqueza e desinibição que o caracteriza, dirigiu-se a mim, puxou de uma fotografia e disse-me: “ó senhor professor, olhe que desta vez, valia a pena que estivesse lá, ora veja”:

Uma bela truta. (ver primeira foto).Pescou-a a jusante do Poço dos Molgos, no rio Paiva. E como as coisas boas, nossas, muito nossas, merecem divulgação, aqui vai para o mundo a mais afortunada pescaria do senhor António Ferreira Oliveira, do Custilhão, dos últimos tempos, à qual juntei alguns fotogramas do vídeo que com ele fiz no rio Paivó.

PESCADOR4Mas matutei no dito «CLUBE DE CAÇADORES, PESCADORES E OUTROS MENTIROSOS» legenda  a que ele, tão simplesmente, acrescentou «E DOS POLÍTICOS».

 

E nesse maturar dei por mim a pensar no que já escrevi algures sobre a raridade das espécies que outrora povoavam as nossas serras e os nossos rios. Dei por mim na serra da Nave, em tempos que por lá caçava. Dei por mim no fim do dia e cinto vazio. Ao quarto domingo de caça, cinto vazio. A serra da Nave, no que toca à perdiz vermelha, foi chão que deu uvas. Estávamos em 2007. E, a este respeito, ouço o que Aquilino Ribeiro, profeticamente, escreveu em 1954, precisamente no seu livro «O Homem da Nave»:

«Nos batizados a caça fornecia o prato de resistência. Hoje é comer de ricos e há de acabar por ser iguaria de lordes e de grã-duques, como o caviar».

PÚTEGASEstá visto. Rareando a caça e com rios e ribeiros do concelho desertos de trutas, exibir  um trofeu destes, em 2019,  é obra.

Cá por mim já arrumei a espingarda e, na companhia de um cajado, ando por aí a usufruir as belezas das serras da Nave e do Montemuro, aquelas belezas que são eternas, aquelas que todos os anos morrem e renascem sem intervenção do homem. Procurar um sargaçal onde possa encontrar pútegas.

E faço-o no convencimento de que o clube de «CAÇADORES, PESCADORES E OUTROS MENTIROSOS» vai apear a legenda do frontespício, pois vai deixar de ter associados.

Não. Não vai. Vão ficar somente os «POLÍTICOS» como tão oportunamente lembrou o senhor António Ferreira Oliveira, do Custilhão. Diferentemente de CAÇADORES E PESCADORES, cada vez menos por falta de espécimes desportivas, eles, os POLÍTICOS, são cada vez mais a povoarem o Reino, são fauna a empestar serras, aldeias, vilas e cidades. E não se envergonham daquilo que são: MENTIROSOS E ESQUECIDOS.

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.