O DESEJADO MILAGRE
Há dias desloquei-me a uma aldeia do concelho, numa daquelas costumeiras pesquisas a tentar descobrir coisas e gentes.
Entrei no povoado e, julgando ter chegado à moradia da pessoa procurada, subi umas escadinhas e vi que a chave estava na porta. Era um bom sinal. A pessoa estava em casa e a minha viagem não seria em vão.
Bati à porta: “ó da casa!” e de dentro ouço uma voz: “entre!” Mesmo à maneira beirã.
Rodei a chave, abri a porta e à minha frente estava um corredor. Fui falando e andando em direção à voz. E eis a surpresa. Na primeira porta, à esquerda, deitado na cama, vejo um homem esquelético, barba por fazer, despenteado, aparentemente doente. Tronco nu, no chão junto à cama, do lado da cabeceira, um velho alguidar, com aparência de servir de escarradeira. Antes de dizer ao que ía, respirei imediatamente doença, dor e miséria humana.
Eu vinha saber de...”estou muito doente” ....ele não deixou que eu acabasse a frase. E eu rossegui: “era sobre...” acabei a frase e veio a resposta: “não sou eu...mas quem procura não está na aldeia...só à noite”.
Conversa arrastada, doente, a condizer com a fisionomia, olhar triste, eu, como que a meter conversa, perguntei-lhe: “o senhor conhece-me?”. A esta minha pergunta ele sorriu e respondeu: “acho que sim, mas não localizo...estou muito doente”. E estava mesmo. Via-se e cheirava-se.
Agradeci-lhe a informação, desejei-lhe as melhoras, e, desumanamente, tive pressa de dar costas aquela habitação, impestada de vista e cheiro incómodos.
Montei a mota e, como que seguindo comigo no lugar do do “pendura”, as imagens de que eu fugia, seguiam coladas a mim. Rodei o punho, acelerei a mota, mas, por mais que acelerasse, lá vinham coladas a mim o alguidar/escarradeira, aquele leito desalinhado, aquele homem franzino, barba crescida, tronco nu, esquelético e aquele momentâneo sorriso, como que vindo de pessoa que me conhecia e eu conhecia. sem conhecer. Nem o nome dele sabia, nem o fixei.
E, a rodar na estrada, lembrei-me daquela cena bíblica de Jesus a curar um paralítico. Não estavamos em Cafarnaum, nem eu era Jesus, o milagreiro. Tivesse eu esses poderes e daria imediatamente meia volta, voltaria aquela casa, aquele leito e, num só instante, todo aquele quadro bruegeliano, todos aqueles queixumes, todos aqueles presentimentos de quem sente rondar por perto a senhora da gadanha, eram atiradas borda fora. Aquele senhor, ali deitado, ficaria curado, fora da cama, sorridente, a conviver com os demais populares da terra. Era o dia de festa anual da padroeira da aldeia: a SENHORA DE FÁTIMA. E eu, enfim, depois do milagre, seguiria sozinho de mota, esvaziando o significado do ditado popular: “vale mais só do que mal acompanhado”.