Com este intróito, situo-me, não numa equidistância entre as partes em conflito, mas do lado da parte injustamente maltratada, na sua dignidade, arrastada pela lama da injúria, no seu estatuto de pessoa. Numa sociedade civilizada, o respeito pela pessoa é um direito inalienável, consagrado pela Organização das Nações Unidas, na sua Carta Universal dos Direitos do Homem. Justifico a minha presença neste «Prós e Contras» com a frase de um escritor latino: «tudo o que é humano me diz respeito». A Direcção da Instituição coloca-se fora da lei, quando não respeita a pessoa e quando não reconhece os seus direitos.Em linhas esquemáticas, nesta contenda, há um escritor que publica um livro, dedica-o a uma Instituição e oferece a essa Instituição o produto da venda do mesmo, e há uma Instituição que não aceita esse livro por o julgar ofensivo e recusa receber o produto da sua venda.Devo dizer que a atitude e a postura do escritor é, não só inatacável, como louvável. Deitou ombros a uma obra que sentiu que seria o retrato de uma Instituição da sua terra, despendeu tempo de investigação, de análise e de composição, pôs o seu saber tirado da sua especialidade académica no domínio da ciência historiográfica, e ofereceu o livro e o produto da venda a uma Instituição. Admirável!Do outro lado, a Direcção da Instituição, num gesto de incivilidade, recusa o livro e o produto da sua venda, alegando:1. Sentir-se ofendida pelos factos historiados pelo escritor. Essa pretensa ofensa é descabida. O historiador visa a verdade histórica, fundada em documentos, e não busca a concordância e o aplauso dos intervenientes nos acontecimentos. Diogo do Couto, historiador do séc. XVI, nas «Décadas», porque relata factos pouco dignos de personagens que se julgavam intocáveis, viu a sua obra caluniada, desaparecida, roubada, adulterada. Alexandre Herculano, na sua História de Portugal, não refere o milagre de Ourique, porque nada o comprovava, viu, por isso, os púlpitos de todas as igrejas proclamarem-no herege. É esta a sina do escritor que não lisonjeia, que não suaviza as acções dos protagonistas da História. Diogo do Couto não narra o que os interessados gostariam de ler, A. Herculano não faz favores aos interessados, que desejariam que a História os julgasse mais benevolamente. Abílio Pereira de Carvalho (APC) não se vende por aplausos ou louvores suspeitos...2. Alega inverdades na obra de APC . Ora, parece que a Direcção da Instituição mostra desconhecer que o historiador funda-se nos documentos, e interpreta-os. Nesta interpretação entra alguma dose de subjectividade e isso é próprio do escritor. Reduzir a História de factos é dar-lhe o sabor de uma lista telefónica. O escritor tem de ser um narrador, criar o envolvimento dos factos, dar-lhes vida e movimento. Fernão Lopes, cronista do século XV descreve Lisboa a proclamar o Mestre de Avis Defensor do Reino e essa descrição é tão viva que é tida como a verdade. Ora Fernão Lopes não assistiu aos acontecimentos, não nos dá os factos históricos, dá-nos a sua visão de como teriam sido esses acontecimentos.3. A Direcção da Instituição arroga-se o direito de não aceitar o livro e o produto da sua venda. Para além do incivilizado gesto de não aceitar o livro, esse gesto é gratuito e inconsequente. Mais grave é o recusar o produto da venda do livro. A Direcção exorbita numa matéria para a qual não tem poderes. A Direcção da Instituição não é a Instituição. Não pode, sob pena de gestão ruinosa do património, prescindir de verbas necessárias à Instituição. Soares Franco, presidente do Sporting, pensou que a maneira de salvar o clube da bancarrota seria a venda do património. Mas ele não tinha poderes suficientes e, por isso, convocou uma assembleia-geral que recusou essa venda. A Direcção duma Instituição não é a dona da Instituição, os verdadeiros donos são os associados. Prescindindo do produto do livro, a Direcção pode ser obrigada a repor do seu bolso a quantia que deixou de receber.4. A Direcção da Instituição mostra uma mentalidade arcaica e retrógrada e pela sua atitude, insinuações e ameaças, como a de desejar a fogueira para o livro de APC, coloca-se na linha da Inquisição que queimava livros e hereges ( o papa João Paulo II pediu desculpa aos mártires e ao mundo ), Hitler também disse que a fogueira era o sítio certo para livros e judeus, a Direcção da Instituição coloca-se na linha de um Ayatola Komeini que condenou à morte o autor de Versículos Satânicos, Salman Rushdie, e na linha do agora presidente do Irão, Mahamud Ahmadinejad que prega a eliminação de Israel! Como se vê está bem acompanhada a Direcção da Associação dos Bombeiros de Castro Daire. O que une estes nomes da História remota ou recente à Direcção da Instituição é a vocação da fogueira. Por causa de um livro, fogueira com ele e, se possível, com o autor! Cabe perguntar que é da liberdade de pensamento e de expressão, que é da liberdade de imprensa que proclama a Constituição, se não temos vergonha de atirar para a fogueira o livro que nos ofende?5. A Direcção da Instituição reedita uma pecha bem portuguesa que é a de não contente por criticar um livro, ou em vez de limitar-se a criticar um livro, direito que não se contesta, desde que o faça com argumentos válidos, ataca o autor. Erra, novamente, o alvo. Uma vez publicado, o livro não pertence mais ao autor. A prática de ataque «ad hominem» é ilegítima, revela ignorância do fenómeno literário e revela a nossa mediocridade cultural.6. Finalmente, uma palavra sobre as palavras. O discurso da Direcção desce a um nível tão baixo que, em vez de rebaixar o escritor, é ela própria que se rebaixa com frases como «vamos ao Abílio de Fareja», «nosso amigalhaço», «homem não bate bem da tola», «tenha vergonha», etc, etc. A baixeza deste discurso e o mau português, desordenado e desbragado, espelha a iliteracia da Direcção de uma Instituição prestimosa. A Direcção da Instituição com a sua linguagem de arruaça presta um mau serviço à Instituição que dirige, e à língua portuguesa. Acontece que a pessoa de que dizemos que «não bate bem da tola» tem um grau académico superior, a pessoa que ridicularizamos «vamos ao Abílio de Fareja», teve como professor uma distinção rara de «excelência». Aos futebolistas excelentes damos palmas, louros e parangonas nos jornais, ao «Abílio de Fareja» atiramos pedras e ameaçamos os seus livros com a fogueira. Sucede que aquele que «não bate bem na tola» publicou mais de uma dezena de livros sobre, geralmente, o património regional e ambiental, e aqueles que se dizem de boa tola não nos vão deixar uma linha sequer. Portugal desceu a percentagem de analfabetos para níveis que já não nos envergonham, mas a percentagem de analfabetos funcionais, isto é, aqueles que não sabem escrever correctamente atinge níveis preocupantes. A linguagem rasteira e achincalhante que a Direcção usa é um bom atestado desse «analfabetismo funcional»*________________________ NOTA DE 2006: Crónica do Dr. Cristóvão Ricardo publicada no «Notícias de Castro Daire» de 2006-06-10 e inserta no meu livro «Memórias Minhas», editado em Setembro de 2006.____________________________ NOTA DE 2019: TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DO TEXTO PUBLICADO NA DATA SUPRA E NO ÓRGÃO REFERIDO. E pode acrescentar-se, agora, que as suspeitas de «gestão danosa» referida pelo Dr. Costa Pinto e de «gestão ruinosa» referida pelo Dr. Ricardo, vieram a confirmar-se posteriormente com a «prisão efetiva» do Presidente da Direcção, acusado de ter desviado para a sua firma pesssoal uma volumosa quantia de dinheiro pertencente aos cofres da Associação. Após isso, a Direcção subsequente fez-me chegar pessoalmente o meu «cartão de sócio» renovado. E um dos seus membros, em nome dos restantes, procurou-me proposiradamente no Forno da Serra e, em liguagem civilizada e conciliadora, tentou ridimir-se da «linguagem desbragada» usada pelo antigo Presidente contra o «Abílio de Fareja», o autor do livro, solicitando, no momento, o meu retorno ` Associação de que me havia afastado por razões óbvias. Disse que sim, desde que me fossem apresentadas DESCULPAS PUBLICAS e se pussesse fim ao «imbróglio» criado em torno do livro. Nada disso foi feito. Daí o caso se ter mantido de pé. Mas há-de cair. «A verdade é como o azeite vem sempre ao de cima».
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sábado, 01 junho 2019 22:39
Escrito por
Abílio Pereira de Carvalho
LIVRO ABERTO E ILUSTRADO (i)
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Publicado em
Crónicas
Abílio Pereira de Carvalho
Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.