É que parece-me que vai sendo tempo de deixar de ver a África como “terra de ninguém”, pronta a ser ocupada e repartida pelos “conquistadores”, tal como se vê, lê e aprendeu em muita história compendiada.
Da minha parte, que também por lá andei, aqui deixo o meu cobtributo.
“(...) Colonos. Exploradores ao serviço da ciência e do conhecimento, da Geografia, Botânica, Zoologia. África, terra de carreirismo militar, político, administrativo, mas também terra de degredo, de aventura e paludismo. Enfim, a partilha do continente africano em Berlim até à marcha inversa começada em Bandung, gemido de corpo espancado da África e da Ásia, vendido, explorado e dorido.
Década de sessenta. Lisboa recusa a autodeterminação. Começa, então, a guerrilha no mato. Metralha. Bombas, minas nas estradas e picadas, massacres, napalm, catorze anos de guerra, tanto morto, tanto estropiado. Mas no mundo civilizado impõe-se o direito à liberdade e à independência dos povos. E, de Lisboa, o grito do 25 de Abril ecoa pelas Áfricas. Chega a Lusaca. Em Lourenço Marques os protagonistas da estátua equestre plantada na Praça do Município, desde 1940, ganham vida.
Numa das placas de bronze, Gungunhana, fundido em posição de vencido, de pé, fronte caída, levanta a cabeça, fala e anda. De vencido passou a vencedor e, como antigo chefe do povo vátua, lembra ao seu opositor as humilhantes condições sofridas aquando da sua prisão em Chaimite: o fuzilamento dos seus conselheiros Manhune e do seu tio Quêto à frente de todo o seu povo no sentido de se impor pelo terror. A sua exibição como troféu de guerra e a divulgação por todos os cantos da Terra da fotografia que lhe tiraram no navio de guerra «Neves Ferreira», acompanhado da duas mulheres preferidas. Três rostos a espelharem a derrota. Passaram-se 80 anos. Tanto tempo e tão pouco tempo. Mudaram-se os papéis. Mouzinho, até agora em posição de vencedor, mão direita na espada, a mão esquerda estendida em largo gesto de ordem dada, a mando do velho rei de Gaza ressuscitado, cavalga Avenida D. Luís abaixo, a caminho do Forte da Nª Sª da Conceição, aquele que foi o primeiro «presídio» onde os Portugueses assentaram arraiais à chegada, em 1782.
O mesmo aconteceu com António Enes, comissário régio, e todos os outros vultos coloniais senhores de praças e pedestais. Uma lição de história, uma lição de vida. Porto de chegada, porto de partida. Mudaram-se os nomes das ruas, das praças e das avenidas, curtas e compridas. Findou o jogo, acabou-se o pleito. A narrativa histórica mudou de sujeito. Os governados passaram a governantes. Os vencedores a vencidos. São aqueles, os nativos, que agora escrevem a sua História, que elegem os seus heróis mortos ou vivos, que os põem sobre pedestais para futura memória. Acontece no mundo religioso e profano. Sempre. Aqui e agora eles são Mondlane, Samora e Chissano. Nada escapa. O topónimo Maputo volta a escrever-se no mapa. O topónimo Lourenço Marques arquiva-se, nos livros, na memória, nos arquivos, nos documentos, nas páginas da História. É o fim do Império Português.