O FACEBOOK É UMA LIÇÃO
Já perdi a conta aos textos que escrevi com o título em epígrafe, neste meu espaço web (pago por mim) ou no espaço (grátis) do Facebook, cantando loas ao seu papel democrático e justificando a minha opção naquilo que ali vou aprendendo sobre o ser humano, desde a mais simples futilidade, à mais sofisticada e elaborada congeminação intelectual e artística, senão mesmo montagem enganadora, levando a crer ser verdadeiro, o que é rotundamente falso. Mas nem por isso deixo de aproveitar este espaço para lançar aos meus amigos facebookianos alguns desafios, como, por exemplo o que se segue, em texto e imagem:
Recentemente adquiri o “tesouro” que aqui mostro aos meus amigos. Tem 16 cm de diâmetro e não é um cinzeiro. É uma peça fundida em bronze e está neste estado apresentável depois de algum trabalho meu de restauro.
Ora, pretendendo eu fazer uma crónica de LOUVOR ao artista que a congeminou e conseguiu reunir, em tão reduzido espaço, algo tão significativo ligado a Portugal inteiro e ao labor camponês, bem gostaria que os meus amigos olhassem a peça “COM OLHOS DE VER” e me deixassem, por escrito, a vossa opinião a fim de eu a incorporar no meu escrito.
Se não quiserem deixá-la, em público, podem fazê-lo por “Messenger” autorizando ou não que eu faça uso daquilo que escreverem.
É um desafio para “desenfastiar” do cómodo clicar no POLEGAR ao alto e já está. Vamos lá...amigos pôr os neurónios em ação.
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É pois, fazendo uso deste espaço que todos os dias aprendo e procuro ensinar algo de novo a quem deseja aprender, apreciando, sobremaneira, os despiques entre académicos (uns confessadamente, outros, presumo que o sejam) travados em torno de uma ideia, às vezes bem oportuna, bem generosa, bem humana e bem lançada, porém, logo seguida, comentada, deturpada e enroupada com argumentos contrários, cheios de raiva, de ódio, de discordância, de marcante carga ideológica, de realizações e frustrações profissionais, sociais ou políticas, todas elas vazadas nesta ampla ágora livre e democrática dos nossos tempos, ágora que, para além de me fazer lembrar o confessionário, onde cada crente vai depor os seus pecados, ou um sofá de psicólogo ou psiquiatra, onde todos nós expomos o que nos vai na alma, faz-me também lembrar, um palco de romaria ou de feira, onde ecoam as genuínas e espontâneas cantigas à desgarrada, tão apreciadas por feirantes, romeiros, semianalfabetos, mas com malícia e manha bastantes injetadas nos calos do corpo e da alma para descodificarem as brejeirices, palavras de duplo sentido, usadas pelos cantadores que, no palco se opõem, divertem e fazem rir o POVÃO. E eu, que ao POVÃO pertenço, ainda me vou rindo com as criações de sabor vicentino, sejam elas eruditas ou populares, aqui por estas bandas do Montemuro.
Desta vez, a par de alguns liks de amigos identificados (meus assíduos seguidores) só três se mostraram disponíveis para dar a sua opinião por escrito, a saber, o Toni Andreia, o Fernando Costa e o João Monteiro, cujos textos se mantêm no meu mural, onde podem ser lidos. Grato estou à sua boa vontade e contributos. Deram a sua opinião, disseram o óbvio e a mais não eram obrigados. É que apreciar e ler uma fotografia não é a mesma coisa que observar e ler o objeto fotografado. Na fotografia um simples traço, ou um elemento pouco visível, dificulta a leitura e, consequentemente, débil torna a opinião.
Segue, pois, o texto que prometi com mais pormenores e serve de complemento ao vídeo que, entretanto, publiquei no YOUTUBE, cujo link se anexa em rodapé.
A rondar os 80 anos de idade sinto-me bem a folhear e a ler livros antigos, adquiridos, há muito ou há pouco tempo, nos alfarrabistas ou em leilões esporádicos de velharias e antiguidades. Jamais resisto a entrar numa loja que se dedica a esse ramo de negócio, A loja do comerciante que vende tudo aquilo que a voraz sociedade de consumo rejeita, sem se importar com o valor histórico, cultural e simbólico que incorporam os objetos ostracizados por dez reis de mel coado.
Recentemente adquiri uma peça fundida em bronze, com 16 cm de diâmetro que é um autêntico documento histórico. Um livro aberto, no domínio figurativo e do simbólico. Uma obra-prima de imaginação e criatividade saído da cachimónia de um artista anónimo bem digno de louvor. No reduzido espaço de um objecto/biblô esse artista conseguiu meter simbolicamente PORTUGAL INTEIRO, algumas das suas atividades económicas e o labor e trajes das nossas gentes.
Numa leitura superficial vemos ao centro, enquadrado numa moldura octogonal (lados desiguais e curvados para dentro, não isento de significado oculto) o escudo nacional e a esfera armilar, elementos claros da BANDEIRA NACIONAL, símbolo da Pátria. Em redor dele, também através de ícones simbólicos, vemos o PORTUGAL ECONÓMICO, AGRÍCOLA, VEGETAL e HUMANO, com destaque para os rostos e bustos femininos naqueles medalhões que separam os elementos da natureza. Rostos e bustos que, distintos uns dos outros pelos trajes que envergam, representam, segura e intencionalmente, as diferentes regiões do país. Ao todo temos OITO ícones: QUATRO vegetais e QUATRO humanos a circundarem o OTÓGONO que serve de moldura aos símbolos da Pátria: o escudo e a esfera armilar. Trata-se, a bem dizer, de uma peça EQUILIBRADA, com elementos de leitura óbvia e elementos de leitura oculta. E nem o OTÓGONO, nem os OITO ícones estão ali por acaso. Estão lá porque OITO é «universalmente, o número do equilíbrio cósmico, o número das direções cardiais, ao qual se juntam as direções intermédias (...) o homem, imagem do macrocosmos, é comandado pelo número oito, não só no mecanismo da geração e na estrutura do corpo, como também na criação e ordenação de tudo aquilo de que depende a sua subsistência». (Dicionários dos Símbolos, pp. 483)
Posto o que, esclarecidas estas subtilezas artísticas, comecemos pelos elementos naturais.
a) No topo temos as espigas de trigo/centeio, os cereais, seguramente, mais granjeados e deles feito pão, no tempo em que a peça foi fundida. Lá chegarei a esse tempo, mas para já sublinho que searas de centeio ondulavam por estas serranias de Portugal em fora, em alqueves de minifúndio, e searas de trigo ondulavam pelas planícies e peneplanícies alentejanas, em herdades a perder de vista.
b) Depois temos a cultura vitivinícola, representada simbolicamente numa volumosa uva, rodeada das parras correspondentes. E vinhos produz Portugal em todo o território, do norte ao sul. Ele é os vinhos do Douro, do Minho, do Dão, do Alentejo, do Cartaxo, de Figueiró dos Vinhos, de qualidade garantida. Ele é o vinho morangueiro, catovo que, em bardos e ramadas, resistindo a todo o tipo de moléstias “mildios & Cª.” embebedava os bardos e cômaros das hortas, leiras e caminhos de todas as nossas aldeias, pois não era todo o figurão patriota que podia dar três estalos com a língua no céu da boca enquanto saboreava um vinho de qualidade.
c) Depois é a oliveira. Essa árvore que já habitava Portugal antes do país ter adquirido a sua certidão de idade. O azeite, tal como o vinho, produz-se do norte ao sul do país, daí não ficar esquecido no tinteiro do artífice, como elemento representativo e de relevo de uma atividade económica tão arreigadamente histórica. Sobre a sua história e LAGARES DE AZEITE me debrucei no livro “Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura”, editado em 1995, que há muito está esgotado.
d) Seguidamente temos um ramo de “quercus”, seja carvalho, sobreiro ou azinheira. Árvores existentes em todo o país, o carvalho predominantemente no norte, a par do castanheiro, e o sobreiro e azinheira, predominante no Alentejo. Presumo que o artista, sem desprimor para as restantes árvores, dada a importância que elas têm, seja pelos frutos, seja pela madeira, pretendeu dar relevo ao sobreiro, atendendo à importância económica decorrente da produção e exportação da cortiça. E da cortiça se faziam os batoques para abafar pipas e toneis. Da cortiça se faziam rolhas para as garrafas. Uma lei da rolha contrária a in vino veritas. O vinho faz dizer as verdades. Não convém. Come, cala e bico calado. No equilíbrio dos ícones o artífice colocou no diâmetro horizontal da peça, como que nos braços de uma balança, de um lado o vinho (que faz falar) do outro o quercus vestido de cortiça, para rolhas. E nem é preciso grande esforço de leitura. É só «olhar com olhos de ver». A senhora D. HERMENÊUTICA permite esta leitura linear sem recurso a habilidades semânticas. Que de um ramo de quercus de trata, não restam dúvidas. Este adereço ostenta o fruto dessa espécie arbórea, a bolota, e, para quem não saiba, as bolotas de certa espécie de azinheira comem-se no Alentejo, tal qual, nós beirões comemos por aqui as castanhas. E muitas comi eu quando me dedicava à caça, correndo aqueles montados atrás de perdizes. Ora cruas, em andamento, ora assadas pois o bornal da caça não servia somente para levar o farnel.
Tudo isto ligado à natureza. Mas viremo-nos agora para as figuras femininas, aquelas que, de busto e rosto lavrado em relevo nos medalhões, bem podem ser a marca da região no traje que envergam. Cientes estamos que discorremos sobre elementos simbólicos e, como tal, não isentos de subjetividade, apesar de tentarmos ser objetivos.
a) Do lado direito, rodando no sentido dos ponteiros de um relógio, eis a primeira figura feminina. Lenço enrolado na cabeça, argola na orelha, presumo tratar-se da mulher serrana beirã, transmontana e Douro vinhateiro. Ainda hoje, com exceção das jovens serranas e dos ranchos folclóricos, o lenço na cabeça é uma peça usada pelas mulheres de idade, em toda esta região do interior,
b) A figura feminina que se segue, de cabaz/canasta à cabeça, vestimenta domingueira, tanto pode ser uma serrana, em dia de festa, a caminho de uma romaria, como uma varina a vender peixe no litoral. E nela bem podem estar representadas outras tradições folclóricas, nomeadamente as que se prendem com fogaças e outras procissões de “oferendas” sempre transportadas à cabeça por mulheres rica e coloridamente trajadas.
c) E logo depois, eis, pelo seu traje e porte, a mulher alentejana. A única que o artista retrata de frente. Digamos que ela enfrenta, olhos nos olhos, todo aquele que na peça ponha os olhos. Mais palavras para quê?
d) E concluímos a volta, chegando à romaria, à Festa da Senhora da Agonia, em Viana do Castelo. Mulher de véu/manto a descer-lhe da cabeça, caído ao longo do corpo, arrecadas bem visíveis pendentes nas orelhas, peito ornamentado com o costumeiro cordão de ouro, eis o Minho inteiro.
O artista que congeminou esta peça pretendeu seguramente fazer uma homenagem a todas as mulheres portuguesas. Não sei se imbuído da filosofia que orientava o regime vigente «DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA» - a mãe, a governanta do lar - se por força de, nessa época, tal como hoje, ser ela o espelho do trabalho e da festa, dentro e fora de casa.
Mas que época? Pergunta, e bem, o estudioso, o curioso, o historiador.
Peça comprada numa casa de velharias, sem identificação de origem, coberta de verdete, levou-me, primeiro, a recuperá-la e, depois de limpa, a mirar e ler os elementos componentes do rosto e do verso. Nome? Nenhum. Mas, muito disfarçado, eis na parte posterior um número que tanto pode ser 40, como 43. O “4” está bem visível, mas o companheiro, oferece algumas dúvidas na leitura. Não raro nas peças fundidas os elementos delas componentes ficam tão nítidos quanto foram desenhados. Mas seja ZERO ou seja TRÊS, ambos se relacionam com uma figura e com um evento da nossa HISTÓRIA PÁTRIA: a “EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS”, em 1940 e a morte de um dos seus responsáveis, DUARTE PACHECO, que faleceu em 1943.
A EXPOSIÇÃO visou a glorificação do regime (tal como todos os CRUZEIROS DA RESTAURAÇÃO sobre os quais já deixei, neste espaço e noutras crónicas, opinião bastante. Por isso, aqui chegados, constatamos que todos os elementos do rosto da peça têm sentido. Temos ao centro o SÍMBOLO da PÁTRIA e, em torno, o MUNDO PORTUGUÊS da época. O PORTUGAL rural, trabalhador e romeiro. Portugal no feminino. O Portugal sem homens. Eu tenho para ali um livro com o título «Portugal Amordaçado».
Enfim, tudo esclarecido, exceto um intrigante pormenor. No topo da peça aparecem três pontinhos, que não são seguramente defeitos de fundição. Estão lá intencionalmente, impressos no molde com punção. E eles bem podem esconder a assinatura do artífice. Três “pontos” são os “três” vértices de um triângulo, e estes pontos juntos a um triângulo estão. Conheço o “sinal” por tê-lo visto em correspondência trocada entre «maçons» e isso mais me intrigou e espicaçou a curiosidade. Peça ligada a um evento e/ou personalidade do ESTADO NOVO, congeminada e saída da cachimónia de um mação? A estar correta esta minha interrogação, o artista, para além da simbólica oculta do número OITO, utilizou a arte e a manha a que eram obrigados todos os intelectuais, jornalistas e criativos da época: esgueirar-se por entre os pingos da chuva e, na imprensa e mais espaços e obras de arte, fazer passar a mensagem, rindo-se da ignorância dos “censores”, esses zeladores da moral e dos costumes. Nesta peça o artífice, dando destaque à mulher, terá querido deixar para a posteridade a ideia da “serva” que ela era num lar de “PATER FAMILIAS”.
Link do vídeo