HISTÓRIA VIVA
Castro Daire tem um repuxo iluminado, ali, no Largo das Carrancas. Ele é o resultado de uma ideia genial e inovadora. A vila estava a precisar de algo invulgar e atractivo, algo que não tivesse ainda e que não fosse visto por praças, largos e estradas deste país inteiro, como é o caso dos repuxos e/ou fontes iluminosas.
Não sei de quem foi a ideia, esse relâmpago luminoso que atravessou os neurónios de um cérebro imaginativo e criador. O espelho de água existente no jardim público, a poucos metros de distância, com os seus biquinhos a espargir timidamente água para o ar, era coisa sem dignidade e sem dignidade se deve arrastar pelos tempos fora. O esguicho luminoso colocado no tanque das Fonte dos Peixes, idem, idem aspas.
Agora sim! O repuxo do Largo das Carrancas veio não só nobilitar um espaço que necessitava de sê-lo, veio não só dignificar a vila, mas veio sobretudo mostrar a força criadora dos técnicos, engenheiros e doutores que têm a responsabilidade de gerir histórica e estéticamente o nosso património.
Um repuxo luminoso, ali mesmo a meia dúzia de metros de um fontanário histórico, que, paradoxalmente, ficou no escuro, seco e sem vida. Um fontanário de carrancas a fazer carrancas a tal serviço. Um fontanário que, recolhido no seu nicho, se interroga como é que estas coisas acontecem em Castro Daire.
O observador crítico que por ali passe, com olhos de ver e de sentir, que leve em conta a história e a arquitectura envolvente, logo se solidariza com as carrancas e não pode deixar também de fazer carrancas ao que vê e sente. Um observador crítico pára, olha e pensa. O observador crítico deixa-se levar pela ideia peregrina de ver um fontanário histórico recuperado, activado, arrancado à letargia a que o progresso remeteu por força da mudança operada no abastecimento de água ao domicílio. Um observador crítico faz contas e não pode deixar de pensar que com o mesmo dinheiro (ou talvez menos) e com o mesmo sistema (o sistema aplicado no repuxo) se podia ter feito algo melhor, algo diferente e mais atractivo, algo que revertesse a favor do património e da sensibilidade que os nossos autarcas têm para estas coisas da cultura e do desenvolvimento.
Passe por lá, caro leitor. Passe pelo Largo das Carrancas e faça a sua leitura crítica ao trabalho realizado. Feche os olhos e de olhos fechados veja o que não vê com os olhos abertos: um fontanário a jorrar abundantemente água para um tanque e uma cortina de água transparente, colocada na embocadura do nicho, vedando a entrada ao tanque e às bicas. Tudo artisticamente iluminado!
O quadro que acaba de ver de olhos fechados, não é um simples e vulgar repuxo colocado num largo... é a recuperação de uma peça histórica que estava morta e ressucitou; é uma peça histórica que jorra atracção, poesia e luz sobre o visitante que não se contenta em ver coisas sem alma, que não se contenta em ver simplesmente “coisas”. Visitante que, dando sentido à história e às palavras, se extasia em frente de uma verdadeira, autêntica e poética “fonte luminosa”. Um quadro assim, de passado e presente acasalados - o passado exibindo a sua arte, a sua arquirectura, a sua histótia e o presente exibindo as suas técnicas, a sua engenharia, o seu sentido estético, de desenvolvimento e de respeito pelo património - um quadro assim, dizia, é, no presente, o espelho do futuro. O futuro que espera Castro Daire. Um futuro diferente, inovador e não um futuro acomodado à rotina, às ideias feitas e ao corriqueiro.
Depois de ver isto, caro leitor, abra os olhos, olhe em redor e diga da sua justiça!
texto publicado no NCD