Trilhos Serranos

Está em... Início Crónicas SANSÃO E DALILA
quinta, 01 fevereiro 2018 18:25

SANSÃO E DALILA

Escrito por 

NATUREZA MORTA

Neste tempo de globalização, tempo em que, vindos dos confins do mundo, imigrantes, uns fugindo à guerra, outros lutando pela sobrevivência e bem estar, tempo de refugiados em busca de um lar e de paz, lá dos extremos do Oriente, da Ásia e da Oceânia, sonhando com o eldorado do Ocidente, puseram-se a caminho tentando a sua sorte.

 

1 coluna-rEDAlguns deles, durante o percurso, encontraram a morte, outros aportaram em Portugal e sujeitaram-se a trabalhar em quintas e herdades, ligados à agricultura, e nelas, sem identidade,  dormirem em contentores, sem a menor dignidade humana, como no tempo da escravatura.  Muitos deles a escaparem  à vigilância do SEF, instituição que autoriza (ou não) a permanência no país a todos os que documentados  ficam, ou estão em trânsito. 

Só que, entre todos e tantos  imigrantes, um deles, muitos deles, bandos deles, peritos na espionagem e habituados a viverem sem fronteiras, adotando, como convinha, o nome latino «Rhynhophorus Ferrugineus» (num país onde já não se estuda o Latim), sem disposição para distender as filas às portas desses serviços de fronteira, ou engrossar o número de náufragos no Mediterrâneo que ali morrem em trânsito para a Europa, dotados de ferramentas aladas, chegam pelo ar e, à semelhança de gente abastada, escolhem o Algarve para estada, O Algarve é um destino turístico, de trabalho e boa vida. Todo o estrangeiro e português que se preza, de Trás-os-Montes, Beiras e Alentejo, não dispensa as praias do Algarve. E não tem o estatuto de gente se não possuir ali um apartamento, T1, T2, ou T3 e, em conversas de café, botar faladura e figura de alarve sobre  umas férias gozadas nessas habitações e espaços que mais parecem colmeias de insetos do que de veraneio humano propriamente dito.

2-COPA SE-CA-2018E foi isso que os espiões «Rhynchophorus ferrugineus» viram ao chegar. Sítio de veraneio, alugar casa? nem pensar. Moradia ao nível do solo? muito menos. Engrossar as filas do pão, do peixe, das casas de banho? era o que faltava. Donde vinham, lá dos extremo Oriente, tinham a moradia em lugares altos, elevados, e neles tinham igualmente alimentação bastante, livres de serem esmagados por pés de gente. Vindos do ar, olharam, miraram e poisaram nos sítios convenientes que lhes eram familiares e conhecidos, pois tais habitáculos vieram da sua terra natal, em tempos idos: todo o tipo de palmeiral.

E foi o ver se te avias. Arranjado o lar, havia que procriar e, como manda a lei de Deus, «criai-vos e multiplicai-vos» as fêmeas não se mostraram avaras em produzir ovos: cerca de 200 a 300 cada, no sítio mais conveniente. E na mesma palmeira hospedeira poderiam conviver simultaneamente,  o ovo, a larva, o casulo e o escaravelho.

 Do ovo sairá uma larva que se alimentará nos túneis que lavra nos tecidos internos das palmeiras. Assim, larvando e lavrando na sua metamorfose de vida, todo o espião Rhynchophorus ferrugineus e família, isto é, o «escaravelho vermelho» conhecido  e designado por «escaravelho da palmeira», virou praga. Assim dito, foi uma espécie de nova praga do Egito. E quem tal diria, em consciência, no tempo atual, não prevista pela ciência, nem programada na nova tecnologia?

E nisto de migração e de globalização, há sempre quem vá e quem fique. Acontece com as pessoas e com os insetos. E estes, entrados pelo Algarve, fazem-me lembrar Tárique, que, em 711, à frente das suas tropas, invadiu a Península Ibérica. E deixando para trás, sangue, saque e lamúrias, não tardou a conquistar todo o território cristão, até o contrário começar nas Astúrias.

4- lARVASO mesmo fizeram agora os escaravelhos vermelhos. De palmeira em palmeira, foi tudo a eito. Tudo por igual. Ruas, avenidas, quintas, quintais, adros de igrejas e capelas, nas cidades, vilas e aldeias de Portugal, todas estavam a jeito. E, a roer por dentro, rap...rap... as secaram, uma a uma. Na Europa, no país e também em Castro Daire, foi um abater do património natural. Foi um desaire.

3-corte-Mas, entre tantas, mortas, sem vida, as que maior significado histórico e estético tinham, eram as duas palmeiras da Capela das Carrancas. Com cerca de 90 anos de idade, cada palmeira destas, era uma sentinela vigilante do templo construído no distante século XVIII pelo Bispo de Lamego, Dom Manuel Vasconcelos Pereira. Duas colunas na testada do templo, postas no século XX. Bem fincadas no chão, desafiaram, com acinte, os calores do verão, os frios do inverno, todas as variações do tempo, mas não resistiram ao ataque do escaravelho vermelho e família  que lhes sugaram as folhas e nelas se reproduziram. E os seus troncos, quais colunas do templo de Salomão, não vieram abaixo, não, graças à manha da  filisteia Dalila, astuta e nada feia, nem à força do nazareno Sansão, musculoso e cabeludo. Cada um deles de dois povos em guerra. Não. Os seus troncos, de longa idade, resistentes, só perderam a verticalidade à força da motosserra. Enfim, homens, insetos e besouros, puseram fim aos dois emblemas naturais e históricos, existentes da vila. Desaparecidas embora, chegadas ao fim da vida - triste para mim foi o dia -  eu, a pensar nos vindouros, aqui e agora, as deixo em fotografias.

5 - DUAS COLUNAS-rED

CAPELA DAS CARRANCAS

Noventa anos serviram as palmeiras

A octogonal capela das Carrancas

Mas não serviam só a ela. Pois, entre tantas

Eram, em de Castro Daire, as primeiras.

 

Passaram anos a encantar quem as via

Na esperança de sempre serem admiradas

Porém, contra a malina vermelha não cuidadas

A morte chegou pelo ar. E quem tal diria?

 

Sem vida, murchas as folhas, vendo elas,

Se não fora a vida feita de tantos enganos,

Ali  poderiam permanecer ainda  de pé

 

E não olhando ao nome das capelas

Aprumadas serviriam mais noventa anos

O templo das Carrancas, ou de S. José.

Abílio/01/fevereiro/2018

Ler 1482 vezes
Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.