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domingo, 12 novembro 2017 11:15

WEB SUMMIT - PORTUGAL, SUAS GRANDEZAS E MISÉRIAS

Escrito por 

HISTÓRIA VIVA

Há dias o meu filho mais velho, engenheiro informático (programador), mas atreito à escrita, às leituras, às feiras de livros, às visitas de museus e outros espaços culturais, telefonou-me a perguntar se, cá em casa, o livro de Aquilino Ribeiro "Príncipes de Portugal, suas Grandezas e Misérias", da Bertrand, constava do acervo bibliográfico que nas estantes da minha biblioteca é destinado a esse escritor. Respondi-lhe que, de momento, não me lembrava, mas que o comprasse e o trouxesse. Respondeu que já o tinha comprado para leitura sua, mas quando viesse cá a casa, o traria. E trouxe. É o que tenho andado a ler, a par de "Origem" de Dan Brown.

Vem isto a propósito do escarcéu levantado em torno FESTA DE DESPEDIDA que a WEB SUMMIT resolveu fazer o Panteão Nacional, ali onde figuram os GRANDES DE PORTUGAL, aqueles que, mereceram estar ali por serem imaginativos, criativos, produtores de oba e "cantarem", a seu modo as GRANDEZAS E MISÉRIAS DE PORTUGAL.

Já agora, e porque vem a talhe de foice eu reiterar a minha opinião contrária à transladação dos "restos mortais" de Aquilino Ribeiro para aquela Igreja, em 2007, eis o que escrevi a propósito:

"Severo denunciador da hipocrisia social e dos valores que defluíam das instituições que eram os pilares da Monarquia - capelinhas, irmandades e confrarias, regedores e regedorias - defensor da República, sofreu as consequências desse pensar e agir de forma «independente, original, inteiriço como um bárbaro». Ele, que tão «simpático» se mostrou, em vida, pela dupla «Coroa-Altar» que diria se soubesse que, em certas homengens que se fazem em sua memória, se não dispensassam os rituais da «água benta e missa cantada»?

E num outro texto, nesse mesmo ano, congeminado em dia de caça, na serra da Nave, simulando eu dormitar junto à ORCA GRANDE, aquele monumento megalítico, implantado em plena serra, transfigurado, por imaginação minha, na Igreja de Santa Engrácia, levantada no coração de Lisboa, deixei em letra impressa, o seguinte:

"Mas como? como podia ser isso se de repente aquela «Orca Grande», aquele túmulo-templo onde acabara de sepultar-se o «Grande Chefe» da tribo «Euscara» que habitava o planalto da Nave a bem dizer «O Homem da Nave», aquele túmulo-templo rural rodeado de faunos e gnomos se transformara magicamente num templo-túmulo urbano de grandes proporções, com janelas e zimbório a servir-lhe de coroa, coisas de reis ou de papas, espaço empestado de incenso e mirra? O mármore polido suplanta o tosco granito. E o mesmo acontecia com as habitações e com os abrigos.Tudo ali perdera as marcas de ruralidade pagã e se transmutara numa cidade cristã com prédios separados por ruas e ruelas, praças e jardins, inundados de gente e automóveis em deslocação frenética Que era aquilo? Uma cerimónia fúnebre substituíra outra cerimónia fúnebre, mas os rituais em torno do templo-túmulo eram distintos dos que rodearam o túmulo-templo. Afora isso, e sendo dois embora, podia dizer-se que se tratava de uma só sepultura: a sepultura d' «O Homem da Nave», do homem do leme do homem que retornara à terra onde «os lobos uivam». Dois, três quatro grifos traçam o céu silencioso em busca de cadáveres silenciados. Um grupo de corvos rasga o silêncio e segue sem destino o seu voo negro (...) Ao ritmo da respiração absorvo o roxo aroma do rosmaninho absorvo o espírito do Grande Chefe que exala pela serra fora em cada lancha de lameiro, em cada pego de ribeiro em cada ramo de mostajeiro em cada orca dispersa por «Terras do Demo» as que englobam os concelhos de Vila Nova de Paiva, Sernancelhe, Moimenta da Beira. (2007)".

Ora, agora, que os "restos mortais" dessas figuras ali recolhidos em trabalhados túmulos, figuras que repassaram, a crivo fino, (a escrever, a cantar ou a jogar a bola) as GRANDEZAS E MISÉRIAS DE PORTUGAL, agora, dizia eu, que diferentemente das visitas habituais impregnadas de cheiro a incenso numa atitude de murmúrio e de velório, se desenrolou à sua volta uma FESTA que reuniu a NATA MUNDIAL da IMAGINAÇÃO E DA CRIATIVIDADE do século XXI, agora que, por uma noite, todas aquelas  ilustres figuras mortas, se viam rodeadas de ilustres figuras vivas, Portugal inteiro, revolta-se contra isso e "aqui d'el Rei" que não pode ser. 

Mais uma vez mostrámos o que somos, e razão teve Aquilino Ribeiro quando botou mãos à história de Portugal e escreveu "PRÍNCIPES DE PORTUGAL, SUAS GRANDEZAS E MISÉRIAS". E o organizador da festa, tendo feito igual FESTA algures noutro país, a rematar semelhante evento, pediu desculpa aos portugueses pela "ofensa" e terá feito o seu juízo. Uma miséria, senhores. Uma miséria.

Eu, defensor do nosso património, não alinho nesse escarcéu e aqui quero desvincular-me  de tal provincianismo, nesta minha atitude rústica e provinciana. Por mim, antes jantaradas dessas, cheias de vida, de imaginação, criatividade e vigor, a cheirar a vinho, do que "visitas-velório" a cheirarem a incenso e mirra. Estou em dizer que se os organizadores da FESTA tivessem suspendido um turíbulo gigante, a descer da lanterna da cúpula da Igreja, ora vai, ora vem, como pêndulo de relógio, a defumar todo o espaço com incenso...em vez de clamoroso alarido de protestos nas redes sociais, incluindo governantes e partidos políticos, surgiria o clamor das impensadas e coletivas palmas cerimoniais.

Abílio-12-11-2017

Foto de Abílio Pereira de Carvalho.







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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.