FACEBOOK 4
Pegando nas palavras de Chico Buarque para quem a " solidão é quando nos perdemos nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma", nesta minha postura solitária, mas também solidária (ao contrário de outros que pediram para serem meus amigos, mas nunca mais apareceram, apesar de eu saber que, silenciosamente, me entram porta dentro e bisbilhotam todos os cantos da minha casa) continuo a navegar e a divagar no Facebook, onde todos os dias aprendo algo de novo sobre o ser humano, desde o que ele tem de mais sublime ao mais sórdido, da mais apreciada sabedoria e bom senso, à mais rasa e rasca banalidade.
Por isso, e porque assim é, sinto-me tentado a alterar a letra daquela velha e significativa canção coimbrã, que tão saudosos deixa estudantes, professores e outras pessoas que por lá passaram. Esses e não só. Eu tive um colega licenciado na Universidade de Braga que me manifestava frequentemente o seu desconforto por não ter feito o curso em Coimbra. Não é, seguramente, o meu caso, nunca pensei nisso, mas sempre pensei, isso sim, em nunca contribuir na vida, para o desprestígio dos estabelecimentos liceais que me formaram, da Universidade que me diplomou, dos professores com quem aprendi, dos companheiros e colegas de carteira, a par de tudo fazer que pudesse honrar e dignificar a minha profissão, o meu local de trabalho, a minha terra, os meus pais e familiares, e, nunca, por nunca, desiludir os amigos.
Mas que grande relambório para dizer que essa canção coimbrã diz mesmo muito a muitos que lá aprenderam, estudaram e ensinaram (lá e depois de lá) e, talvez por isso, é que me vem a tentação de lhe trocar a letra e cantar "o facebook é uma lição".
Todos dias aprendo algo de novo e aprecio sobremaneira os despiques entre académicos (uns confessadamente, outros presumo que o sejam) travados em torno de uma ideia, às vezes bem oportuna, bem generosa, bem humana e bem lançada, bem académica, mas logo seguida, comentada, deturpada e enroupada com argumentos contrários, cheios de raiva, de ódio, de discordância, de marcante carga ideológica, de realizações e frustrações profissionais, sociais ou políticas, vazadas nesta ampla ágora livre e democrática dos nossos tempos, ágora que, para além de me fazer lembrar, como já disse noutra crónica, o confessionário, onde cada crente vai depor os seus pecados, ou um sofá de psicólogo ou psiquiatra, onde todos nós expomos o que nos vai na alma, faz-me também lembrar, um palco de romaria ou de feira, onde ecoam as genuínas e espontâneas cantigas à desgarrada, tão apreciadas por feirantes, romeiros, semianalfabetos, mas com malícia e manha bastantes injectadas nos calos do corpo e da alma para descodificarem as brejeirices, as palavras de duplo sentido, usadas pelos cantadores que, no palco se opõem, divertem e fazem rir o POVÃO. E eu, que ao POVÃO pertenço, ainda rio com as criações de sabor vicentino.
Podia lembrar-me antes de tertúlias académicas, era uma analogia de maior elevação, mais prestígio social, mas como sou um rural assumido, e quero continuar a aprender e a divertir-me por estas bandas do Montemuro, peço desculpa ao senhor Dr. por me ter atendido hoje. As listas de consultas são cada vez mais longas. Mas por hoje chega. Não digo mais. Fico-me por aqui. Já desabafei. Afinal qual foi o antidepressivo que me receitou, contra a solidão? Está aí na receita. A farmácia avia-o. Obrigado. Quando é a próxima consulta? Apareça quando quiser. Aparecerei.